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24 DE OUTUBRO DE 1988 1569

os princípios que a Constituição devia efectivamente consagrar em matéria de trato das regiões autónomas. Isto era um bom serviço que prestávamos...

O Sr. Presidente: - Compreendo a sua posição, mas também lhe digo uma coisa: se tem tão pouco significado estar cá, também não vejo que tenha tanto significado o empenho em retirar. De qualquer modo, ponho-lhe a seguinte questão: "Não pode reservar o exercício de qualquer profissão, não pode estabelecer restrições ao trânsito de quaisquer pessoas e bens." Está cá esta proibição específica. Se desaparece, começam a ser invocadas as especificidades regionais para dizer: tirou-se por causa das especificidades regionais. E aparece um sofisticado Tribunal Constitucional a dizer: "a Constituição consagra sem limites o princípio da representação proporcional, mas isso não vale para as ilhas"!...

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - As especificidades não...

O Sr. Presidente: - É uma argumentação um pouco ad absurdum, mas não julguem que é tão infundada como isso. Não tem grande significado estar cá, mas tem algum significado ter estado e ter sido retirado.

O Sr. Guilherme da Silva (PSD): - Acho que tem significado cá estar. Simplesmente acho que esse significado é negativo e por isso entendo que a sua eliminação é benéfica.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Eis uma matéria em que tudo está dito há muitos anos, e está dito de parte a parte. A única coisa que poderia, porventura, mudar alguma coisa era a própria mudança das coisas e a tal não temos assistido.

Que este artigo 230.° "diz o que diz e não mais do que diz", todos estaremos de acordo. Que a sua autonomia, que a sua relevância específica existe em relação a alguns segmentos normativos e não em relação a outros em que o preceito apenas reafirma, sistematiza, enfatiza, também é sabido. Não detalharei agora a análise porque de resto é desnecessário: está abundantemente feita a identificação de quais são os segmentos normativos em que ocorre esse fenómeno, em que há uma especificidade normativa. A verdade é que a experiência parece ter revelado que estes limites foram prudentes. Elas verificam-se em áreas, por assim dizer, nucleares, áreas que envolvem alguma possibilidade, algum risco de discriminação de não residentes ou não naturais, risco de obstáculos indébitos à realização de movimentos de pessoas e bens, de disseminações ou diferenciações indébitas entre trabalhadores pelo facto de serem residentes ou terem contrato de trabalho nas regiões.

Curiosamente, a experiência veio revelar que esses riscos não eram o resultado de um enorme "pesadelo da razão" dos constituintes. Lamentavelmente, a jurisprudência constitucional, tanto da Comissão Constitucional como ultimamente do Tribunal Constitucional, atesta, em vários casos, que algumas espécies legislativas colocaram problemas sérios nestas áreas. Isso originou, de resto, declarações de inconstitucionalidade. Não há razão, nenhuma razão, para escamotearmos este facto! Insisto: estes dispositivos não são só dispositivos face a perigos imaginários, face a problemas imaginários: são dispositivos testados! A sua eliminação numa parte seria, talvez, inócua, noutra não o seria certamente. Nessa parte, evidentemente, é preciso que os Srs. Deputados assumam o que querem. Querem suprimir um limite, querem politicamente suprimir um limite? Nós dizemos: a supressão desse limite é negativa, mas assumam-na! Não vale a pena, como o Sr. Deputado Miguel Macedo estava discorrendo, tentar reduzir a um "nada" este dispositivo: este dispositivo não é um nada, é um quid constitucional, cuja exegese permite conclusões relevantes e não propriamente afastáveis com um safanão displicente.

Os Srs. Deputados do PSD têm, de facto, uma postura dúplice nesta matéria: ora exorcizam o preceito como inspirador de restrições nefandas à autonomia, ora o reduzem a um nada, a uma espécie de biombo desnecessário, que perturbasse o olhar impedindo-o de atingir uma coisa que deveria ser objecto de penetração directa. Só que não fazem (porque ninguém é capaz de fazer, em hermenêutica razoável e conforme aos padrões) a demonstração dessa "irrelevância" e dessa "inespecificidade". Não o fazem, designadamente em relação ao trânsito de bens e não o fazem em relação a alguns dos aspectos relacionados com os direitos dos trabalhadores. E não o fazem, sequer, em relação ao exercício das profissões.

O que me parece, apesar de tudo, mais relevante nesta matéria é que, ao agirem assim, os Srs. Deputados exorcizam alguma coisa pelo ângulo do acinte. Que coisa será? Lemos atentamente o parecer que foi enviado à AR, "nos termos da alínea q) do artigo 229.° da Constituição", pela Assembleia Regional da Madeira, no mês de Novembro de 1987. Nesse documento encontramos, no ponto 11, sob a epígrafe "Rejeição de suspeitas acintosas", a seguinte menção: "também o actual artigo 230.° deve ser eliminado por ser a expressão de uma suspeita inaceitável e injustificável". Srs. Deputados, entendamo-nos: não se pode jogar com conceitos duplos em matérias como estas! Se VV. Exas. entendem que a Constituição já proíbe (mesmo sem o artigo 230.°) tudo aquilo que está no artigo 230.°, se ao suprimir o artigo não querem suprimir o conteúdo que, segundo dizem, já decorre de outros artigos, não podem ler as disposições que proíbem tudo isso como "suspeitas" "inaceitáveis" e "injustificáveis" em relação à região autónoma. Se é evidente para os Srs. Deputados que não se deve poder restringir os poderes igualmente reconhecidos dos trabalhadores, se é evidente que não se deve poder estabelecer restrições ao trânsito, se é evidente que não se deve poder reservar o exercício de profissões e o acesso a cargos públicos aos naturais e residentes na regiões - se os Srs. Deputados entendem que tudo isto "é evidente", a atitude mais evidente face a essa evidência é deixar estar o preceito como está, pura e simplesmente! Porque ou proclamam uma evidência (e em evidências é fácil estabelecer consenso) ou então aquilo que dizem ser "evidente" afinal de contas não é tão evidente. Sobretudo, não seria nada evidente ou seria menos evidente se a vossa proposta em relação ao artigo 229.° fosse consagrada!

Vozes.