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27 DE OUTUBRO DE 1988 1647

tantes, deve dizer-se, em termos de construção de ciência administrativa em Portugal. Portanto, há que encarar com muita cautela certas liquidações apressadas de heranças, porque por vezes liquidam o que realmente não merece ser liquidado e mantêm aquilo que verdadeiramente devia ser postergado. Esta é uma alegação muito geral, que careceria, evidentemente, de muitas destrinças, que não farei aqui nesta sede...

O Sr. Presidente: - Sr. Deputado José Magalhães, dá-me licença que lhe faça um curto comentário?

Penso que é importante dizer o seguinte, antes que V. Exa. prossiga. Desculpar-me-á que lhe diga o seguinte: eu posso concordar ou discordar dos ensinamentos do Dr. Marcelo Caetano, e certamente não fui dos que o acompanharam nas suas opções políticas, mas gostava de dizer-lhe duas coisas que me parecem importantes. Uma primeira é que ele foi um dos meus professores, e com o qual muito aprendi; em segundo lugar, que a sua obra foi uma obra notável do ponto de vista do direito administrativo, como V. Exa. há pouco referiu, e que merece toda a minha (e suponho que toda a nossa) consideração, porque não estamos a ajuizar o político, estamos a analisar o cientista e o professor.

Insisto, porém, neste ponto: o Prof. Marcelo Caetano escreveu no seu tempo, e há muitos aspectos que a meu ver têm de ser repensados, como certamente outros que escrevem em momento posterior vão ser ultrapassados, pois é assim a realidade da vida científica. Não há nenhuma menor consideração da minha parte pela sua obra. Gostava de dizer isto, não porque V. Exa. esteja, penso eu, em discordância comigo, mas, como estas matérias vão ficar registadas, eu não quereria, de modo nenhum, ser considerado ingrato em relação à memória de uma pessoa com a qual vivi largo tempo, algumas vezes em conflito, mas que sempre respeitei em vida, antes e depois do 25 de Abril, e, por maioria de razão, agora, que só podemos curvarmo-nos sobre a sua memória.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Gostava de sublinhar que trouxe esta necessidade de destrinça à colação porque acho que, realmente, tem de ser feita. Tem de ser feita por razões que o Sr. Presidente invocou, do seu lugar próprio, e que eu poderia invocar do meu, de forma diferente. Aquilo que estamos a debater não tem realmente a ver com a problemática que o Sr. Presidente aqui nos trouxe, sobre a questão da atipicidade ou não, orgânica, de certas pessoas de direito público (creio que essa questão deve ser abordada, mas separadamente). Tem a ver com outro problema, que é o da participação popular, em particular a participação de determinadas organizações populares, no exercício do poder político e, em particular, no exercício do poder local.

Nesta matéria a posição do PS e do PSD é extintiva. Propõem a supressão do artigo 118.°, e propõem a supressão deste artigo. E é essa opção extintiva que nós criticamos! Creio que o que era necessário justificar era a "maldade", os "malefícios", da existência desses instrumentos participativos na nossa democracia. E isso não foi feito pelos dois partidos!

A postura do PS nessa matéria é, apesar de tudo, mais incoerente do que a do PSD. O PSD não tem nenhuma tradição em que se possa abonar para defender a existência de organizações populares de base. Nem tem nenhuma vertente que inculque essa opção no seu pensamento liberal, "social-democrático", "bernsteiniano", seja o que for (cavaquista!). Não tem nada que possa permitir-lhe justificar uma ideia de participação popular, acrisolada no exercício do poder local, ou no que quer que seja. Portanto, "não tem pátria" desse ponto de vista. Ó PS, por sua vez, teve-a. Entende separar-se em 1988. E é isso que aqui fica significativamente marcado. Os argumentos do género daquele que o Sr. Deputado Alberto Martins aqui lançou, "será que alargariam os conselhos a participação democrática?", é um argumento muito feio para se usar à beira de uma cova jurídica. No momento em que o PS se apresta a liquidar um instituto, perguntar com o ar do Hamlet olhando a pré-caveira: "Tens tu ou não virtualidades de alargamento da participação democrática?" Apenas suscita uma resposta: "se queres saber, não me mates!" Esta discussão da virtualidade dos conselhos municipais é uma discussão que faz muito pouco sentido, se feita nas tábuas do Instituto de Medicina Legal...

Risos.

É esta a minha resposta directa e imediata ao Sr. Deputado Alberto Martins. As vossas propostas liquidam as virtualidades dos conselhos existentes e proscrevem tanto esses como os que pudessem criar-se no futuro. Essa responsabilidade desvitalizadora é indisfarçável.

Segunda questão: as virtualidades do texto vigente. O texto vigente é flexível, é o mais flexível possível. É até flexível em relação à questão da composição. É evidente que se o legislador ordinário tivesse morrido de paixão pelos conselhos municipais, teria sido mais eficaz, teria sido mais prolífico e teria sido mais "garantístico". Não o foi, e não por acaso! A solução a que acabou por se chegar é flexível acima de todas, porque permite que as composições se ajustem às realidades locais. Se, lobrigando à volta, os distintos autarcas da Guarda, para falar de um exemplo que aqui há pouco nos foi trazido, não vislumbram fumos de organizações populares que valham o estarem representadas, definam uma composição adequada! Definam-na dentro dos parâmetros legais, definam-na em termos tais e tão realistas que não tenham de passar por aquela terrível dor que apoquentou o Sr. Deputado Almeida Santos, subindo o calvário da busca de um parecer para conseguir, briosamente, honrar o seu mandato. É uma questão de sageza, que ou há ou não há.

Isto leva-me à questão dos argumentos, que são realmente péssimos. Os argumentos utilizados pelo Sr. Deputado Almeida Santos resumem-se a um: "tire-se de uma chama todo um inferno". Se aqui, ali e acolá não funcionou a figura dos conselhos, isso macula a própria ideia da sua existência.

O Sr. Almeida Santos (PS): - Só funcionou nas áreas do P,CP. "Está morto!"

O Sr. José Magalhães (PCP): - Não, não!

O Sr. Almeida Santos (PS): - Foi o que eu disse. Não altere!