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1720 II SÉRIE - NÚMERO 54-RC

lei e concretiza os seus poderes, e é facto que eu penso que essa limitação - não pela circunstância de estar aqui consignado o princípio da igualdade - já existe, só que o incentivo ou a obrigação de perscrutar com afoiteza se a Administração Pública cumpre o princípio da igualdade ou não é normalmente dado pelas repercussões que teve na situação jurídica do destinatário pelos critérios que foram dados a propósito do artigo 13.° Se nós interpretarmos o princípio da igualdade no sentido de que os tribunais, em qualquer circunstância, incentivados, apoiados neste artigo 266.°, vão observar a Administração Pública, desde a fase inicial do procedimento administrativo até à prática do acto final, a vão cotejar - não sabemos exactamente com o quê, porque não lhe damos elementos, não sabemos, inclusivamente, se estamos a cotejar a prática de uma mesma autoridade administrativa, ou de várias autoridades administrativas do mesmo tipo, ou em função do mesmo caso concreto -, vamos dar-lhe um grau de latitude de apreciação e corremos o risco de confiar aos tribunais uma liberdade e uma extensão de poderes de cognição que. aparentemente, reforça a fiscalização da actividade da Administração Pública, mas pode ter efeitos negativos muito claros.

A história do contencioso administrativo nos últimos anos em Portugal vem revelar que os tribunais só são eficazes quando têm avançado prudentemente, passo a passo, na fiscalização da Administração Pública. A fronteira entre aquilo que é permitido aos tribunais fiscalizar e aquilo de que estão impedidos, ao contrário do que, por vezes, se refere, não é uma fronteira que tenha sido traçada pelo legislador; têm sido sempre os tribunais, na sua prática histórica, que, a pouco e pouco, têm vindo progressivamente a avançar: o Conselho de Estado francês é um caso nítido nesse sentido. Mas também é verdade que, quando se conseguiram coisas demasiado avançadas, os próprios tribunais têm recuado, sensíveis à delicadeza das matérias ou temerosos das consequências dos seus actos, e, quando o não fazem, o legislador tem-se encarregado de lhes chamar a atenção.

Tudo isto para dizer que, tal como as coisas estão a evoluir, eu confiaria mais na doutrina e nas lições do Dr. Diogo Freitas do Amaral e nas de outros ilustres juristas, que vão incentivando os tribunais e empurrando-os para ir aplicando a Constituição, do que numa norma que leve todos os tribunais administrativos a fazer um juízo em cada caso, dizendo assim: "Então o princípio da igualdade terá sido violado neste caso?" Isso parece-me ser uma exigência, em termos de fiscalização da actividade da Administração Pública, que é demasiado forte para ser feita neste momento. Enfim, tenho dúvidas, evidentemente, mas essa foi a razão da minha intervenção.

Tem a palavra o Sr. Deputado Jorge Lacão.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - Sr. Presidente, queria dizer algumas coisas, pretendendo que aquilo que quero exprimir possa situar-se na linha de preocupações que V. Exa. acaba de manifestar.

Efectivamente, a proposta apresentada pelo CDS, à primeira vista, é suficientemente aliciante para merecer acolhimento, mas quando enveredamos por uma linha de reflexão acerca do que nela se contém suscitam-se-nos tais dúvidas que alguma reserva e alguma prudência quanto à admissibilidade dessa proposta talvez convenha ser enunciada. O Sr. Presidente, Rui Machete, melhor do que eu, já o fez, mas gostaria de aduzir ainda, da minha parte, alguns motivos de preocupação.

O princípio da igualdade é um princípio consagrado em sede de direitos fundamentais; os princípios e direitos fundamentais têm um regime jurídico que vincula as entidades públicas e as privadas - vincula, portanto, no que ao caso diz respeito, as entidades públicas, logo, todos os agentes e órgãos da Administração Pública. Aparentemente, portanto, o princípio da igualdade, de acordo com o regime jurídico dos direitos fundamentais, está garantido, quer no que diz respeito à tutela subjectiva dos cidadãos, quer no que diz respeito ao dever objectivo de as entidades públicas respeitarem essa consagração do princípio da igualdade. Se assim é, o princípio tem uma vocação universal e carece de voltar a ser reafirmado em qualquer parte da Constituição. A não ser que o CDS pretenda que este princípio de igualdade tem um conteúdo em algum aspecto distinto daquele que tem o princípio da igualdade consagrado no artigo 13.°- aí o princípio da igualdade é estabelecido como regra de igualdade dos cidadãos perante a lei e como regra de não discriminação.

Será que o CDS entende que, para além da igualdade perante a lei - aquilo que, na versão clássica, os Gregos chamavam isonomia -, deve haver agora um princípio de igualdade formal perante os actos da Administração Pública? É, porventura, um quid novo que o CDS desejava acrescentar. Mas, se assim é, então este direito fundamental dos cidadãos perante a Administração Pública e não apenas perante a lei - que, obviamente, também vincula os órgãos administrativos - não teria como consequência a eventual paralisação da própria Administração, por exemplo, à luz de um princípio que não está constitucionalizado, mas que é o da oportunidade de certo tipo de actos administrativos? Não é do senso comum que o princípio da oportunidade, em muitos casos, pode conflituar com o núcleo duro do princípio da igualdade dos cidadãos perante a Administração Pública?

Colocando a questão noutra perspectiva: até agora tem havido uma relativa compatibilidade destes princípios - o da igualdade, em sede de direitos fundamentais, o da justiça e da imparcialidade, que, vinculando por esta via a Administração Pública, permite o exercício das chamadas "discriminações positivas", como não afectando, no essencial, o princípio da igualdade, uma vez que, à luz do princípio da justiça, não representam, stricto sensu, uma discriminação, mas antes uma forma de evitar uma discriminação de facto. Ora este princípio da igualdade dos cidadãos perante os órgãos administrativos poderia colocar em causa a própria possibilidade da discriminação positiva, como emanação do princípio da justiça. E, nesta luz, a compatibilização destes princípios tornar-se-ia bastante mais difícil. Ao contrário daquilo que o CDS poderia inicialmente pretender, a dificuldade de compatibilização de princípios poderia vir a fazer-se com denegação do princípio da justiça, em homenagem a uma visão meramente formalista do princípio da igualdade.