6 DE DEZEMBRO DE 1988 1917
rador. Essas expressões não servem comprovadamente para reger o País, porque são objecto de querela, e inequívoca e sucessivamente o sufrágio universal já demonstrou a valia dessa conclusão. Mas servem para dar cobertura às agruras da evolução do pensamento constitucional do PCP. Em nome da defesa das dificuldades da evolução do pensamento constitucional do PCP, mais vale manter na Constituição expressões cujo desfasamento em relação à realidade conduz à semantização e ao desrespeito do próprio texto constitucional.
Cumpre perguntar: o que é que vale mais, o interesse do País ou o interesse do partido? É evidente que a eliminação da carga ideológica pode não eliminar a querela constitucional, mas eu nunca disse o contrário. A menos que o PCP nos diga: "Viva a querela permanente", já que a querela é a razão de ser da vida, porque é dialéctica, e é isso que vivifica a Constituição, o facto de ser contestada nos seus pressupostos filosóficos, ser desautorizada, até, inclusivamente, pelo curso político dos acontecimentos, e então, para serem coerentes com a posição que estão a defender, o PCP devia era preconizar mesmo o reforço da querela ideológica, isto é, o reforço da carga ideológica da Constituição. Assim, quanto mais se reforçasse a carga ideológica da Constituição, quanto mais forte fosse essa carga ideológica, melhores condições haveria de os herdeiros da versão originária do texto constitucional se moverem na luta política, dividindo aqui, como sempre o faz o PCP, entre herdeiros fiéis - o PCP - e herdeiros infiéis - o PS e as forças da esquerda democrática. Penso é que deveriam levar a vossa lógica às últimas consequências, em vez de tomarem as vestes de Catão acusando, dedo em riste, o PS de infidelidade ou de deturpação do texto constitucional originário.
Isso é tão evidente no discurso do Sr. Deputado José Magalhães, tão evidente, que até ao ouvi-lo, na fase final da sua intervenção, me fez lembrar uma personagem de desenhos animados: recordo a história do galo e do cão, em que o galo se entretém pacificamente a zurzir o cão. Zurze, zurze, zurze, e o cão fica exangue. Mas o galo não pode deixar que o cão desfaleça porque senão o jogo deixou de fazer sentido, deixa de haver objecto de zurzimento. Portanto, sempre que zurze no cão, o galo dá-lhe uma palmadinha nas costas ou deita-lhe um copito de água para o focinho para ver se reanima, para manter o jogo. É assim o Sr. Deputado José Magalhães em relação ao PS, foi assim na 1.ª revisão, é assim na 2.ª Zurze no PS de alto a baixo, desanca as posições do PS, acusa-o das coisas mais terríveis, mas depois abre uma portinhola final na intervenção dizendo: "mas vejam lá se não podem deixar aqui, de pé, qualquer declaraçãozita que permita utilizar a posteriori a favor da nossa própria tese". É esta a situação com que estamos sempre confrontados, neste debate, a propósito de todos os artigos. Por que não também a propósito do artigo 9.°?
Assim sendo, sempre lhe vou deixar a portinhola aberta, Sr. Deputado José Magalhães.
E a porta aberta que lhe deixo é esta: quem é que trouxe a este debate uma interpretação flexibilizadora do sentido da expressão cuja eliminação agora se propõe? Foi o próprio Sr. Deputado José Magalhães. E fê-lo tentando demonstrar que a expressão, já na 1.ª revisão, tinha sido mantida pelo PS em nome de uma interpretação flexibilizadora e, até, quiçá descaracterizada do cunho ideológico, partidário e unilateral que ela poderia ter. E que, portanto, era possível mante-la, mau grado certas interpretações pérfidas do que ela poderia conter. Foi, pois, o Sr. Deputado José Magalhães que deu a porta de saída para a sua própria angústia, a que eu quase não precisaria de acrescentar nada. Isto é, o Sr. Deputado José Magalhães demonstrou também os efeitos limitados da operação de eliminação que o PS leva a cabo, porque, se não faz mal que fique o que está na Constituição, porque vale pouco, à luz do que já disseram os próprios Deputados do PS na 1.ª revisão da Constituição, há-de reconhecer que também não faz muito mal que se retire o pouco que já lá está. Porque o que já lá estava, como o Sr. Deputado acabou de reconhecer, já era fruto de uma interpretação flexibilizadora, já era decorrente de uma interpretação não apropriadora de um cunho partidário e unilateral da expressão "socialização dos meios de produção". Se já era isso e se isso hoje em dia é uma mera expressão nominalista, se é apenas facto de querela, sem que daí se retirem efeitos eficazes para o combate político, por que não eliminá-la da Constituição pelo preço da paz constitucional de que falava o Sr. Deputado José Magalhães? Sinceramente, o que para nós é essencial neste artigo 9.°, na redacção que agora propomos, mantém-se. E mantém-se exactamente à luz do que foi o discurso do Sr. Deputado Jaime Gama na 1.ª revisão da Constituição ou até do que foi a minha própria intervenção na 1.ª revisão. Simplesmente os instrumentos da concretização dos objectivos em causa é que se deixam em aberto para a livre opção do poder constituído, e aí há uma certa flexibilização. Mas essa opção do poder constituído não é uma opção arbitrária, não é uma opção completamente livre. É, obviamente, uma opção condicionada. Em primeiro lugar pelo texto constitucional, pelo que cá fica e muito cá fica e muito nele se contém e continuará; a conter, já que não se pode ler a Constituição só à luz do acordo que tanto obsessiona as intervenções do Sr. Deputado José Magalhães. É preciso ler exactamente o que está no acordo, e o que passará a constar da Constituição por via do acordo e do que se contém na Constituição e nela se continuará a conter, e nesse quadro fazer a interpretação conjugada de uma coisa e da outra, do artigo 80.°, do 89.°, que nós propomos que passe a 81.°, e deste artigo 9.° da Constituição.
Finalmente, o que pretendemos significar com esta alteração é que a socialização dos meios de produção não é o único meio de garantir o bem-estar, a qualidade de vida do povo, a igualdade real entre os Portugueses e a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais. Não é o único meio, há outros meios. Cabe ao poder político, legitimado pelo sufrágio, eleger esses meios em cada momento. Agora, o que nós também afirmamos, com muita clareza, é que a socialização não fica excluída, não fica de modo algum proibida. Portanto, se a vontade popular determinar a composição de um poder político que entenda que a socialização dos principais meios de produção deve ser o instrumento privilegiado ou até único para realizar o bem-estar, a qualidade de vida do povo, a igualdade real entre os Portugueses e a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais, poderá fazê-lo, mesmo para além da alteração que o Partido Socialista propõe ao texto do artigo 9.° da Constituição. Esta afir-