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12 DE DEZEMBRO DE 1988 1949

que o Sr. Deputado José Magalhães deveria esclarecer para nós próprios sabermos em que terreno de debate é que nos estamos a colocar.

Um último apontamento refere-se ao problema da garantia da identidade da Constituição. É evidente que o problema que colocamos não é de relação de identidade entre os actuais limites materiais do artigo 290.° e aqueles que nós colocamos para substituir os limites materiais actuais. Não é aí que se coloca a questão da identidade, porque se se tratasse apenas de dizer o que já está lá expresso de outra maneira não fazia sentido alterar o artigo 290.° da Constituição. O problema que o Sr. Deputado José Magalhães quer colocar, penso eu, é o problema da relação da identidade da própria Constituição no seu conjunto, ou seja, em que medida é que a alteração do artigo 290.° proposta pelo Partido Socialista altera ou não a identidade da Constituição.

De facto, é sobre esse aspecto que nos vamos ter que entender, sobre o que é essa identidade da Constituição. No plano político sabemos que os limites explícitos, que são os limites constantes do artigo 290.°, são a manifestação assumida pelo legislador constituinte de uma certa forma, de compromisso do ordenamento constitucional com determinados pressupostos de ordem política e de ordem social que o legislador constituinte considerou fundamentais no plano da legitimidade para a sobrevivência do próprio texto constitucional. Isto é claro. O artigo 290.° acolhe pressupostos ideológicos e valorativos nos quais se funda o sistema político e nos quais vamos encontrar as bases da legalidade constitucional, a qual, ao ser observada, é o mais importante instrumento de legitimação do exercício do poder constituído. O que é que se exige pois à revisão da Constituição? Exige-se que seja solidária com o fundamento político e filosófico do texto originário da Constituição. A não ser assim, estaríamos, no mínimo, perante uma situação de transição constitucional, de transição de uma norma básica para outra norma - e cito Alf Ross, neste ponto, embora não goste muito de fazer citações: "a transição de uma norma básica para outra, de um sistema para outro, não pode resultar de um acto de criação, no sentido de criação do Direito dentro do sistema mas tem de ser um acto extra-sistémico que conduz à fundação de um novo sistema que substitui o anterior". Ora, tendo em linha de conta este quadro de análise (que é totalmente insuspeito face ao posicionamento do PS, pois nem o Alf Ross, que mereceu os "Muito bem" do Dr. Machete, é suspeito de ser um perigoso socialista, nem, naturalmente, as frases que citei, retiradas da "Constituição Anotada" dos Drs. Vital Moreira e Gomes Canotilho, são suspeitas de ter qualquer acto de adesão ao PS ou ao projecto de revisão constitucional do PS), o que está aqui em causa - e se alguém tem algum ónus neste debate é o Sr. Deputado José Magalhães - é dizer em que é que as alterações introduzidas pelo PS ao artigo 290.° modificam a identidade da Constituição, em termos que impliquem uma ruptura com os fundamentos políticos e filosóficos da Constituição, em termos susceptíveis de pôr em causa a legitimação da operação da revisão constitucional. A isto respondemos pela nossa parte, inequivocamente, que não há subversão da identidade da Constituição e que o facto de alguns dos limites materiais por nós substituídos deixarem de constar dos limites materiais, continuando porém a ser observados pelo texto da Constituição, significa que a esses princípios não conferimos uma valia protegida em termos da dignidade dos limites materiais - a tal valia dos dez anos de que falava o Sr. Deputado Almeida Santos - mas, sim, que são princípios que se mantêm na Constituição, e que consagram instrumentos de actuação susceptíveis de serem accionados independentemente de constarem ou não do artigo 290.° da Constituição.

E se me perguntar a mim - pessoalmente, sublinho - qual o significado desta operação, responder-lhe-ei que, para mim, significa, por exemplo, o seguinte: a eliminação do limite das organizações populares de base e a sua transformação em comissões de moradores poderá daqui a cinco anos, permitir a redução do excesso com que a Constituição se refere às referidas organizações - em meu entender pessoal, sublinho. Quanto aos outros dois aspectos que o PS elimina, ou seja, a questão dos monopólios e dos latifúndios e a questão da apropriação colectiva e do sistema de planeamento, em meu entender, o facto de serem retirados do artigo 290.° mas mantidos no texto da Constituição não implica nem impõe que em próxima revisão eles sejam, pura e simplesmente, extirpados de todo do texto da Constituição.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Pudera!

O Sr. António Vitorino (PS): - Não implica, não impõe e creio que não é desejável, em nome da pluralização do programa económico da Constituição. Mas aí o Sr. Deputado José Magalhães, não pode admitir só essa parte das minhas conclusões tem de admitir igualmente a outra, isto é, o deixar-se na livre disponibilidade do poder constituído a utilização, ou não, dos instrumentos de concretização do programa político que foi legitimado pelo sufrágio directo e universal e por isso tem que recalibrar o tem das suas críticas. A faculdade da apropriação dos principais meios de produção continua a constar da Constituição e um governo do PCP, legitimado pelo sufrágio popular, poderá continuar a apropriar os principais meios de produção, ainda que tal não conste do artigo 290.°, como limite material do poder de revisão.

Concluindo: em meu entender, isto significa que a posição do PS é clara sobre esta matéria, e, para que o diálogo fosse frutuoso, gostaria que o Sr. Deputado José Magalhães clarificasse a sua posição sobre aquelas três questões que coloquei, na medida em que sem elas não podemos saber bem mais as regras deste debate que estamos a travar sobre o artigo 290.°

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, recomeçaremos os nossos trabalhos amanhã, pelas 15 horas e 30 minutos.

Está encerrada a reunião.

Eram 19 horas e 35 minutos.

Comissão Eventual para a Revisão Constitucional

Reunião do dia 8 de Novembro de 1988

Relação das presenças dos Srs. Deputados:

Rui Manuel Parente Chancerelle de Machete (PS).
Carlos Manuel Oliveira da Silva (PSD).
José Augusto Ferreira de Campos (PSD).