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2020 II SÉRIE - NÚMERO 66-RC

Teria, em relação a esta formulação, uma posição mais negativista do que a revelada pelo Sr. Deputado António Vitorino. Penso que esta disposição não só é desnecessária como é perversa. É desnecessária porque a nossa Constituição consagra o princípio fundamental in dúbio, pró libertate. O próprio conjunto de normas sobre direitos, liberdades e garantias apresenta claramente uma estrutura formal de princípios e não de regras, o que conduz a que tais normas tenham uma aplicação que não é uma aplicação "tudo ou nada", mas uma aplicação de peso e medida. Desse princípio in dúbio, pró libertate e do que decorre da maioria dos direitos, liberdades e garantias resulta o carácter restritivo dos deveres e o carácter excepcional dos mesmos deveres. Daí a desnecessidade de ter de consagrar uma norma deste tipo.

Parece-me que é aqui oportuno referir desde já também a nossa posição relativamente à proposta que o Sr. Deputado Sottomayor Cárdia fez a propósito do artigo 13.° sobre o princípio da liberdade. Rejeitamo-lo com o mesmo fundamento por que rejeitamos o artigo 16.°-A proposto pelo PCP, embora obviamente a propósito de questões de sistemática diferente.

Mas o efeito perverso decorrente do artigo 16.°-A é também claro no nosso entender. Dado o aspecto de a Constituição consagrar esse princípio de in dúbio, pró libertate e dada, como disse, a estrutura formal de princípios que caracteriza as regras sobre direitos, liberdades e garantias e em geral sobre direitos fundamentais, o que o PCP está a fazer aqui é metamorfosear aquilo que tem a ver com os limites imanentes dos direitos e com a sua ponderação em caso de eventual colisão, isto é, transforma uma certa técnica de concordância prática na emergência de deveres fundamentais de carácter absoluto. Quando se prevê nesta proposta "na medida em que tal se torne necessário para satisfazer necessidades públicas de importância fundamental", o PCP está a desdobrar na caracterização de deveres, no fundo, a concordância que se há-de estabelecer caso a caso sempre que haja necessidade de compatibilizar direitos fundamentais, casos em que obviamente um direito terá de recuar de certo modo perante outro mais importante. Esta metamorfose aqui criada, esta transmutação da concordância prática em deveres fundamentais é nociva à própria intenção que o PCP parece ter na formulação deste artigo.

Por isso mantemos, como fizemos aliás na primeira fase da discussão, a nossa total rejeição em relação a esta fórmula.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, se me permite gostaria só de fazer uma observação.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra para tal, Sr. Deputado.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, gostaria de afirmar tão-só que lamento o facto de não se estabelecer em torno desta matéria um consenso que conduza a uma benfeitoria útil. Neste ponto não posso deixar de me congratular pelo facto de se sublinhar que o entendimento não perverso desta matéria já flui da Constituição por força de um conjunto de disposições que foram invocadas, em parte, por alguns dos Srs. Deputados. Gostaria de dizer que ponderaremos a solução a adoptar em termos de Plenário da Assembleia da República, uma vez que a nossa preocupação é salvaguardar a esfera jurídica dos cidadãos, impedindo a imposição arbitrária de deveres e impedindo a imposição desnecessária ou insustentável de deveres como forma de restrição e como forma de compressão da sua esfera de actuação livre. Rejeitamos naturalmente, por resultar de uma leitura deficiente, a imputação de "perversidade" ou de "coação a uma metamorfose da concordância prática" entre deveres fundamentais. Concordância prática é concordância prática, deveres são deveres; distingamos as duas coisas, vejamos onde é que se tocam e onde se separam. Aquilo que nos preocupou não foi a metamoforse kafkiana que percorria alguns espíritos, mas o impedir com rigor que o Estado, quebrando algumas das barreiras que decorrem do regime jurídico de tutela dos direitos fundamentais, venha a restringir a esfera jurídica de actuação livre dos cidadãos através da imposição de deveres, com preterição da regra da generalidade e da abstracção, com preterição até da regra da não retroactividade. E é a isto que o PSD não responde! O PSD nem sequer se mostra disponível para considerar noutra sede alguns dos casos em que clamorosamente essa retroactividade é aberrante. Provavelmente não considera que isso já decorra da Constituição, pelo menos em termos inequívocos. Em todo o caso, aparentemente, não é isso que preocupa o PSD neste debate de revisão constitucional. Tudo aquilo que nesta matéria constitua benfeitoria pura e simplesmente não interessa ao PSD. É uma atitude que entendo um pouco perversa, mas é típica do PSD como se está a ver!

Tomaremos, Sr. Presidente, na sede própria a decisão tendente a que essa perversão do PSD não seja nociva e nefasta para a Constituição da República neste ponto. Colho como contributo hermenêutico positivo para a boa interpretação da Constituição a ideia da Sra. Deputada Assunção Esteves na parte em que é boa, na parte em que é acolhível e na parte em que defende a esfera de actuação própria e livre dos cidadãos e em que sublinha que, na dúvida, prevalece a liberdade e não a intervenção restritiva do Estado. Penso que essa apreciável afirmação casada com a afirmação do Sr. Deputado António Vitorino e com aquelas que aqui estamos a produzir formam um consenso hermenêutico positivo e não perverso que já em si mesmo é um êxito da iniciativa do PCP. Ponderaremos, pois, a sua sequência exacta.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Costa Andrade.

O Sr. Costa Andrade (PSD): - Já foram expressas as razões fundamentais por que votaremos contra esta proposta do PCP, razões essas aliás já invocadas pela minha colega Maria da Assunção Esteves durante a primeira leitura. De todo o modo, gostaria também de dar o meu contributo e de clarificar este aspecto.

Terá prevalecido na discussão até agora travada uma certa ideia de desnecessidade da norma, já decorrente de outros princípios. Isto vale, em nosso entender, fundamentalmente para o n.° 1 do artigo em análise. No que diz respeito ao n.° 2, queremos dizer, muito claramente, que a nossa razão de oposição deriva da não aceitação da consagração de um princípio constitucional de irretroactividade absoluta da criação de deveres. Para os devidos efeitos, designadamente para efeitos de sentido hermenêutico da vontade do legislador