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2 DE FEVEREIRO DE 1989 2133

Está esclarecido o ponto da situação. Vamos então proceder à votação da proposta...

Pausa.

Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, a apreciação desta proposta e, designadamente, da alteração de posição que foi operada conduziu-me a esta ideia: o problema que aqui trouxe e tinha motivado a preocupação primacial da bancada do PCP era a de que não houvesse uma regressão nesta matéria. Estamos cientes de que o conceito de pena maior é apenas um vestígio arqueológico de um estado de coisas que já deixou de ter qualquer significado na nossa circunstância jurídico-processual penal. Sabemos também que em 1982 não foi possível, em sede constitucional, encontrar uma solução adequada. É agora o momento de a encontrar. Aquilo que tinha motivado o pedido de suspensão era saber quais seriam os contornos desta opção e, designadamente, se se reeditava aqui o quadro de problemas que nos levou em 1985 a determinada solução. Folheando essa documentação é possível verificar o que então nos preocupou.

É fora de qualquer dúvida que na primeira revisão constitucional só por razões da urgência política e imponderação bastante de certas dificuldades técnicas foi mantido o conceito de pena maior (para cuja modelação legal os trabalhos preparatórios da Lei Constitucional n.° 1/82 são de alguma utilidade, ainda assim).

Teve-se, nessa altura, plena consciência de que os dias da pena- maior estavam contados. O novo Código Penal encerraria dentro em breve um ciclo da nossa história criminal caracterizado pela distinção entre penas maiores e penas correccionais.

Como recorda, num muito relevante artigo, o Dr. Sousa Brito (escrevendo na revista do Ministério Público, n.° 26, de Outubro Dezembro de 1986, pp. 28 e seguintes), essa criticada e criticável distinção não tinha "tradição nas declarações de direitos nem no direito constitucional português. A Constituição de 1822 (artigo 202.°) dispunha que os cidadãos arguidos de crime a que pela lei esteja imposta pena que não exceda a prisão por seis meses, ou a desterro para fora da província onde tiverem domicílio, não serão presos, e se livrarão soltos. A mesma garantia se manteve na Carta Constitucional de 1826 (artigo 145.°, § 8.°) e na Constituição de 1838 (artigo 17.°, § 3.°). A Constituição de 1911 (artigo 3.°, n.° 16) aumentou a garantia, enumerando especificadamente os crimes em que era permitida a prisão sem culpa formada fora de flagrante delito: alta traição, falsificação de moeda, de notas de bancos nacionais e títulos da dívida pública portuguesa, homicídio voluntário, furto doméstico, roubo, falência fraudulenta e fogo posto. A Constituição de 1933 (artigo 8.°, § 3.°) manteve substancialmente a garantia na forma da de 1911, acrescentando os crimes contra a segurança do Estado (além de alta traição), de furto, burla ou abuso de confiança, praticados por um reincidente, e de fabrico, detenção ou emprego de bombas explosivas e outros engenhos semelhantes. Mas a revisão constitucional de 1971 (Lei n.° 3/71) diminuiu drasticamente a garantia, relacionando-a com qualquer crime doloso a que corresponde pena de prisão superior a um ano.

O conceito de pena maior entra, portanto, no direito constitucional pátrio em 1976.

E noutro passo, inclinando-se para uma certa interpretação do quadro constitucional dizia o mesmo autor:

Não havia em 1976 um conceito legal de pena maior, mas várias penas maiores de prisão (n.ºs 1.° a 5.° do artigo 55.° do Código Penal de 1886), das quais a mais leve era a do n.° 5.°: prisão de dois a oito anos, e a pena maior de suspensão dos direitos políticos por tempo de quinze ou de vinte anos (n.° 6.° do artigo 55.°). Tendo desaparecido esta última do elenco das penas principais do Código Penal, a garantia constitucional resumia-se a que ao crime corresponda pena de prisão não inferior à pena maior mais leve prevista em 1976. Ora, essa pena era de "prisão maior de dois a oito anos". A garantia não podia deixar de abranger quer o limite mínimo quer o limite máximo. Sempre que a prisão preventiva fosse ordenada com base em crimes para que estivesse prevista pena de prisão cujo limite mínimo fosse inferior a dois anos ou cujo limite máximo fosse inferior a oito anos estaria a violar-se o artigo 27.°, n.° 3, alínea a), da Constituição.

Todos nos recordamos, Srs. Deputados, da situação que enfrentámos, quando extinto o conceito na lei se teve de fazer a equiparação desejada em sede constitucional.

O legislador ordinário chegou a considerar que se deveria ter por pena a prisão de medida superior a dois anos. O subsequente conflito jurisprudência! viria a desembocar no Supremo Tribunal de Justiça.

Na sequência, foi emitido um acórdão do Tribunal Constitucional, o Acórdão n.° 70/85, que entendeu precisamente que, face ao quadro em vigor, ao legislador estaria vedado "atribuir à pena de prisão um conceito substantivamente diferente do que era dado pela legislação anterior", sendo portanto de excluir a interpretação segundo a qual bastaria que o máximo da pena fosse superior a dois anos para que de pena maior se tratasse. As démarches que na Assembleia da República fizemos em busca de um conceito substitutivo conduziram ao resultado legal que todos conhecemos. Na sequência de proposta apresentada pela 1.ª Comissão e que o Plenário aprovou, a solução legal veio a ser a de que para efeitos de aplicação de normas que fizessem referência a prisão maior ou pena maior, seria considerada dessa natureza a pena de prisão cuja medida exceda três anos no limite máximo e que seja igual ou superior a seis meses no limite mínimo. Tudo isto foi objecto de um relatório a que já fiz alusão publicado no Diário da Assembleia da República, 2.ª série, n.° 115, de 12 de Julho de 1985. Nele se fundamenta esta opção legislativa que foi, como sabem, polémica. Chegou a ser considerada por alguns sectores puramente inconstitucional por não se ater dentro dos limites que poderiam ser prospectados face ao conteúdo da Constituição neste ponto, invocando-se de forma impressiva os debates na primeira comissão de revisão constitucional. O autor que vos citei resume esse ponto de vista (sufragado, aliás, no II Congresso dos Advogados Portugueses) nos termos seguintes, no mesmo artigo científico:

A Constituição fala de "crime doloso a que corresponde pena maior". Se alguma dúvida seria