O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

17 DE ABRIL DE 1989 2575

O Sr. José Magalhães (PCP): - Sr. Presidente, permita-me que exprima alguma perplexidade em relação a um dos argumentos utilizados pelo Sr. Deputado Miguel Macedo e Silva. O Sr. Deputado utiliza dois tipos de argumentos; sucede que entre uns e outros é difícil estabelecer um bom casamento. Não é possível afirmar que, por um lado, "tudo isto já está no Regimento - para quê constitucionalizar" (argumento um pouco bizarro, porque acabámos de fazer outro tanto, há pouco, noutra área relacionada com o Estatuto dos Deputados) e, simultaneamente, dizer: "Mas isto administrativiza horrivelmente o exercício do mandato! Retira-se conteúdo político à função." Porquê?!

V. Exa. teria a razão toda e eu retiraria a proposta de imediato, se ela estivesse redigida numa óptica da "manga-de-alpaquização" do deputado. Mas aquilo que se faz na proposta do PCP é aludir a duas obrigações inteiramente fundamentais para o exercício normal e eficaz de um mandato político - seja de deputado ou não -, que são, primeiro, a obrigação de prestar contas e, depois, a obrigação de não ser surdo. Um é um processo activo, através do qual se vai junto do eleitor para transmitir informações, e o outro é o processo através do qual se recebem, se avaliam, se transmitem e se canalizam queixas - o que é, por certo, uma das mais relevantes funções dos deputados.

Por que é que há-de estar consignada na Constituição, no artigo 162.°, uma norma sob a epígrafe "Deveres" que, como V. Exa. reconhece, não consigna todos os deveres dos deputados, nem sequer, porventura, deveres dos mais importantes do ponto de vista político? A lógica de V. Exa. é inteiramente susceptível de ser revertida! "Lógica administrativista" seria aquela que então, com mais razão, preside à técnica e ao conteúdo das actuais alíneas a), b e c). Quer coisa mais "administrativa" do que marcar a falta ao deputado ou tirá-la? Nessa sua óptica, claro (que me parece desvalorizadora). Quer coisa mais "administrativa" do que sentar-se o deputado na cadeira de um cargo para o qual é nomeado? Quer coisa mais qualificável nos termos que V. Exa. utilizou do que levantar-se e sentar-se (operação a que chamamos exercer o direito de voto e é uma das coisas mais inequivocamente políticas que por aqui podemos fazer)? Não se trata de actos administrativos - a ausência de uma votação pode ser significativa, o sentido de voto também o é. Assim acontece em relação a esses deveres - que não são nada "manga-de-alpaca" -, incluindo o de ir junto dos cidadãos. Além de dever comparecer às reuniões do Plena. Io, de trabalhar nas comissões, de desempenhar carga para os quais seja designado (se isso acontecer) e de não deixar de participar nas votações, o deputado deve dar de tudo conhecimento aos cidadãos, aos eleitores - é essa a lógica. O actual enunciado constitucional de deveres está incompleto, até o Sr. Deputado Macedo e Silva o reconhece! Alguém que leia aquilo que V. Exa. acaba de dizer concluirá reforçadamente que a norma é incompleta. Pois completemo-la!

O Sr. Presidente: - Tem a palavra a Sra. Deputada Maria da Assunção Esteves.

A Sra. Maria Assunção Esteves (PSD): - Sr. Deputado, eu acho que o problema desta alínea proposta pelo PCP não é o facto de ela ser incompleta. Pelo contrário, ela exorbita das boas regras da técnica constitucional. Porquê? A segunda parte da alínea d) aponta ao deputado o dever de dar seguimento às reclamações, queixas e representações que lhe sejam dirigidas. É que o artigo 52.°, ao referir o direito de reclamação, queixa ou representação, refere como destinatários ou como fonte de recebimentos os órgãos de soberania a que se dirigem. Portanto, o dever de responder, que está constitucionalmente consagrado, é um dever da Assembleia da República, como órgão, e não do deputado, como elemento parte da Assembleia da República.

Não pode o PSD, para além das razões que o meu colega referiu e que, com certeza, irá aprofundar, aceitar uma alínea que, além de não trazer nada de novo, do ponto de vista do efeito jurídico que pretenda carrear à discussão, tem uma altíssima deficiência técnica na sua própria formulação, que é essa: não é dever do deputado, mas sim do órgão de soberania, a resposta às reclamações, queixas e representações; é do órgão enquanto tal. É assim que o artigo 52.° o diz. A alínea d) exorbita dos termos do artigo 52.°

O Sr. Miguel Macedo e Silva (PSD): - Queria acrescentar o seguinte, dando o meu acordo às afirmações da Sra. Deputada Assunção Esteves: Julgo que este tipo de alínea corresponde a uma visão funcionalista - de funcionário - dos deputados. O que evidentemente não contende, na minha maneira de ver, a função do deputado com o dever que ele tem de informar os cidadãos.

Mas, se essa informação deve ser regular e directa, não poderá ser, por exemplo, através de um órgão de comunicação social? Não é uma atitude política do deputado escolher a forma como deve informar o cidadão do andamento dos trabalhos na Assembleia, de qualquer assunto que diga respeito às competências da Assembleia da República? A avaliação do trabalho do deputado não é uma avaliação política? A responsabilidade que o deputado assume quando assume o mandato não é uma responsabilidade política? Esta é a questão que aqui se coloca.

Nesse sentido, julgo que esta proposta do PCP vai ao arrepio deste conteúdo essencial do mandato do deputado, que é um conteúdo eminentemente político. E é nesse sentido, e só nesse sentido, que eu não estou de acordo, mas não tem a ver com a informação concreta.

O Sr. Presidente: - Lembro a V. Exa. que este assunto foi discutido oportunamente, talvez com menos palavras do que aquelas que estamos a gastar agora. Não podemos reiniciar uma discussão que dure a tarde toda.

Penso que esta proposta tem duas partes distintas, que são o dever de informar e o dever de dar seguimento. Quanto ao dever de dar seguimento, pela nossa parte, achamos que o que propomos no artigo 181.° chega e cresce - é o problema da discussão no Plenário, o de haver uma comissão para as petições, et cetera. Portanto, nesta parte tenderíamos a abstermo-nos.

Relativamente ao dever de informar, tenho muita dúvida sobre a exequibilidade deste dever. Primeiro, sobre a forma como o deputado informa os cidadãos. Quais cidadãos? Os que o elegeram? Todos os cidadãos, ou apenas os que o elegeram? A verdade é que ele representa o País e não aqueles que o elegeram.