114 II SÉRIE - NÚMERO 6-RC
casos, correriam pura e simplesmente o risco de ser perdidos, porque não são substituídos por mecanismos similares que permitam a intervenção nos órgãos homólogos das Comunidades Europeias. Estas, em certos casos, não têm pura e simplesmente órgãos homólogos.
Foi esgrimido contra o PS um argumento de oportunidade, que não abordaria agora. O Sr. Deputado Rui Machete teve o cuidado de sublinhar que isso dependia de estratégias políticas, só espero que não dependa de estratégias políticas desligadas de alguns dos factores que estive a equacionar agora e que têm a ver precisamente com a crise de representação política europeia e em Portugal.
Se essas razões tiverem a ver com os argumentos que aqui temos estado a esgrimir e a analisar, devo dizer que me parece particularmente pouco impressionante o argumento funcional, aquele que alega a desnecessidade de alterações. Por aquilo que disse e por aquilo que gostaria de acrescentar, alegar que o facto de a Constituição permitir que façamos tudo em matéria europeia nos dispensaria de fazer algo cm matéria de normação constitucional não é seguramente um bom argumento. Obviamente a Constituição permite tudo. a Constituição não proíbe nada em matéria de actividades de fiscalização e de legiferação no limite da repartição e separação de poderes. Sucede, evidentemente, é que, se a Constituição permite mas não impõe, isso significa que constitucionalmente não há sanção para a não organização de uma actividade não obrigatória. O Sr. Deputado Almeida Santos sublinhou rigorosissimamente este ponto e é de uma sanção, de uma garantia (se não quisermos usar uma palavra com a conotação sancionatória) institucional e constitucional que se trata neste momento.
Trata-se de criar um corpo de normas com suficiente densidade para que tenhamos deveres verdadeiros e próprios, susceptíveis de interpretação inequívoca, que permitam intervenções em momentos precisos de particular importância. Não se trata da consagração de uma norma de carácter genérico que aluda benévola e simpaticamente - neste caso então, romanticamente - a um empenhamento do Parlamento na gesta da construção europeia. Visa-se uma norma precisa, calibrada e rigorosa que fixe deveres. E gostaria de dizer que essa norma é necessária, mas não pela razão que o Sr. Deputado Nogueira de Brito aqui sublinhou. Essa norma não é necessária porque a lei actual seja um vazio normativo ou, mais ainda, um mero conjunto de faculdades. A lei actual, a Lei n.° 111/88, de 15 de Dezembro (acompanhamento da Assembleia da República em matérias relativas à participação de Portugal nas Comunidades Europeias), na parte em que alude a deveres é de deveres que trata e de deveres, verdadeiros e próprios no sentido jurídico. É um sollen, e não um konnen, que está em causa nessas normas, muito clara e inequivocamente. Essas normas não devem ser, desse ponto de vista, desvalorizadas interpretativamente nesta sede. Sucede apenas, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que a transposição para o nível constitucional é importante. É importante porque precisamente torna, através da imperativização constitucional, então aí sim, um sollen constitucional...
O Sr. Costa Andrade (PSD): - Ou um mussen!
O Sr. José Magalhães (PS): - Ou um mussen!
Torna-se inteiramente irretorquível e irretractável a produção dos factos políticos que são desejados num sentido de maior intervenção da Assembleia da República. Portanto, funcionalmente, a necessidade de uma norma como a que desejamos prova-se.
Por outro lado, como disse o Sr. Presidente, o argumento utilizado quanto à incompletude das obras nacionais de correcção é inteiramente reversível. A afirmação de que os desequilíbrios que se reconhece serem introduzidos por esta revisão dos tratados só podem ser corrigidos a nível organizativo das Comunidades é um argumento que merece, prima facie, a seguinte resposta: a César o que é de César, a Deus o que é de Deus. Às Comunidades o que é das Comunidades, aos Estados nacionais o que é dos Estados nacionais, à luz do princípio da subsidiariedade. Comecemos por aplicá-lo já aqui, como o PS, o PSD e o CDS o propõem. Não vamos pedir às Comunidades aquilo que os Estados nacionais devem fazer. Não operemos um jogo, que seria então devolutivo e excessivamente "pingueponguesco", de pedir às Comunidades aquilo que os Estados nacionais podem fazer e quiçá pedir aos Estados nacionais aquilo que cabe às Comunidades fazer.
Creio que o argumento que o Sr. Presidente utilizou é pura e simplesmente reversível. Não podemos estear-nos, como tive o cuidado de sublinhar há pouco, na declaração anexa ao Tratado. Tenho a esperança, devo dizê-lo (e digo-o a título puramente pessoal), de que essa declaração venha a ser reforçada e complementada em momento ulterior, porventura breve. Verifiquei que há dias o Sr. Presidente da Assembleia da República, no discurso que teve ocasião de produzir perante a Comissão de Petições do Parlamento Europeu aqui nas instalações da Assembleia da República e mais tarde em Estocolmo, teve o cuidado de sublinhar a importância de que se revestem as obras que a nível nacional devem ser feitas em defesa dos Parlamentos nacionais.
Creio, Sr. Presidente, que uma velha palavra de ordem - a de que a defesa dos Parlamentos nacionais há-de ser obra dos próprios Parlamentos nacionais - tem aqui pleno cabimento e seria, pelo menos, pouco razoável, pouco realista, esperar que essa preservação nos venha de fora.
Gostaria de sublinhar, por último, Sr. Presidente e Srs. Deputados, que as fórmulas a encontrar para exprimir esta participação dos Parlamentos nacionais, neste caso da Assembleia da República, são uma questão complexa. O Partido Socialista partiu para ela de forma leal, apresentando um texto, o que significa descobrir uma intenção política e formalizar, com todos os riscos, uma intenção política, dar a cara com as virtudes e com os defeitos.
Mas as questões a examinar são, de facto, de grande complexidade. Trata-se, por um lado, de sublinhar o princípio da associação do Parlamento português no processo de decisão comunitária, porventura com um carácter algo programático, por forma a abrir a porta a um quadro legislativo ulterior mais denso e alargado.
Trata-se, por outro lado, de assentar na melhor forma de conseguir a definição de um dever genérico de informação, e de um direito de apreciação prévia e posterior do Parlamento, especialmente importante em relevantes matérias onde essa pronúncia é essencial. A nossa ideia é que o Parlamento deve ser chamado a emitir juízos sobre matérias em que deixou de ter as prerrogativas que tinha no quadro novo do exercício em comum de competências. Essa ideia, esse princípio, essa regra de ouro, parece-me perfeitamente susceptível de reunir um consenso.
Quanto aos instrumentos, abre-se aí um magma de questões. O Sr. Deputado Costa Andrade perguntou, e muito bem, qual é o alcance do instrumento resolução. Bem, é útil precisar o alcance desses instrumentos porque a resolução não é o único instrumento, como o Sr. Deputado Almeida Santos sublinhou.