112 II SÉRIE - NÚMERO 6-RC
O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado José Magalhães.
O Sr. José Magalhães (PS): - Sr. Presidente, não creio que seja vantajoso, nem provavelmente possível - creio mesmo que é completamente impossível -, fazer um debate sobre esta matéria, prescindindo de extrair dos acontecimentos europeus dos últimos meses algumas ilações. Esses acontecimentos evidenciaram como as questões institucionais são importantes não só para a efectividade da construção europeia, mas até para a sua possibilidade de êxito e para a diminuição de apreensões, de receios legítimos, de objecções e de críticas feitos a vícios reais ou supostos dos actos instituintes do novo passo que se pretende dar. Creio que é inteiramente evidente que foi subestimado no processo originário de aprovação da revisão do Tratado - e, particularmente, na altura em que ele foi concluído, do ponto de vista negocial, em Dezembro do ano passado - como o factor institucional é importante para projectar um impacte positivo das modificações desejadas. Creio que os acontecimentos destes últimos meses são uma verdadeira aula prática sobre a importância não apenas simbólica - ainda que a importância simbólica seja, ela própria, relevante -, mas prática da reflexão sobre a questão institucional europeia e sobre a questão institucional nacional, uma vez que elas se tomaram inteiramente interpenetradas e indissociáveis.
Ora, sucede que, tanto no plano europeu como no plano nacional, vivemos uma crise de representação política - é um facto! A designação poderá variar - os olhares variam forçosamente e os qualificativos igualmente -, mas, descontadas todas as veemências, essa crise de representação política traduz-se, pura e simplesmente, em que o mecanismo institucional das Comunidades é afectado por deficiências, vulgarmente apelidadas de défice democrático (ainda que com acepções muito diversas e com concepções totalmente opostas em certos casos). Não está encontrada a solução institucional adequada para a ultrapassagem desse défice democrático, nomeadamente em relação aos poderes do Conselho tal qual estão delimitados e que carecem de aperfeiçoamento, se não mediante correcções textuais da letra do Tratado, pelo menos no plano da sua interpretação, aqui e além correctiva.
No que respeita às articulações entre as estruturas comunitárias e as nacionais, em relação à própria interpenetração dos órgãos comunitários há vários aspectos a esclarecer, sobretudo o relacionamento de todo este magma orgânico, os cidadãos europeus, como tais, cuja panóplia de direitos carece ainda largamente de ser proclamada e, evidentemente, mais ainda, sustentada e efectivada.
Há um problema saio a este nível que decorre da supressão de mecanismos tradicionais de representação, em alguns casos ainda não substituída por novas formas de mediação. Ora, quando se fala de representação política, estamos a falar de uma teia bastante complexa de formas de expressão de interesses e de vontades que se situam em planos muito diferentes, incluindo o plano cultural, social, político, etc.
Creio, Sr. Presidente, que é difícil assumir que seja resolúvel este problema europeu - é ainda dele que falo - sem (e aqui inverteria o raciocínio que V. Exa. fez) uma intervenção enquadrada, tipificada e precisa dos Parlamentos nacionais. É evidente que teremos de reflectir sob formas de colmatar o défice democrático, repensando os poderes do Parlamento Europeu, etc., mas parece-me evidente - e a lição dos últimos meses aponta nesse sentido de forma gritante, referendariamente ou não - que teremos de repensar o papel dos Parlamentos nacionais.
Deste ponto de vista, devo dizer que o Tratado de Maastricht é, ele próprio, modesto. Confessa-se insuficiente e as declarações que V. Exa. citou são apenas a forma melhor encontrada, entre as piores, para suprir o vazio que o Tratado tem no seu articulado quanto a esses precisos problemas que referiu.
De resto, a declaração em causa surge entre declarações várias, umas relativas à cooperação com associações de solidariedade, outras à protecção de animais, ao Tribunal de Contas ou a outros temas relevantes, e limita-se a dizer que é importante incentivar uma maior participação dos Parlamentos nacionais nas actividades da União Europeia; que é conveniente intensificar o intercâmbio de informações entre Parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu; que os governos devem diligenciar que os Parlamentos nacionais possam dispor das propostas legislativas da Comissão em tempo útil para sua informação ou para eventual análise; e que é importante que sejam intensificados os contactos entre os Parlamentos nacionais e o Parlamento Europeu, nomeadamente através da concessão de facilidades recíprocas adequadas e de encontros regulares entre os Deputados que se interessem pelas mesmas questões.
A esta declaração soma-se uma outra relativa à conferência dos Parlamentos nacionais em que se apela ao Parlamento Europeu e aos Parlamentos nacionais a reunirem-se, na medida do necessário, em conferência dos Parlamentos, as chamadas assises, para serem consultados sobre as grandes orientações da União Europeia, sem prejuízo das atribuições do Parlamento Europeu e dos direitos dos Parlamentos nacionais, que serão aqueles que forem.
Isto remete-nos, pura e simplesmente, para aquilo que sejam os direitos, adquiridos ou não, nas ordens jurídicas nacionais. Por último, refere-se que os Presidentes do Conselho e da Comissão devem apresentar um relatório, em cada sessão da conferência dos Parlamentos, sobre o estado da União, e nada mais.
Há, pois, uma indefinição quanto ao modelo estruturante do futuro das Comunidades - e nem sequer entro na discussão de saber se esse futuro deve ser de carácter federal, confederai ou meramente integrativo e intergovernamental. De facto, há uma indefinição quanto aos esteios institucionais necessários para balizar o futuro.
A esta crise geral externa ou envolvente, digamos assim, é preciso somar a existência do nosso específico défice português. Ninguém negou que, desse ponto de vista - e em certos casos isso até foi bem sublinhado -, a prática portuguesa é deficiente. O somatório das normas de enquadramento de carácter constitucional, legal, regimental - aliás, o Sr. Presidente teve a gentileza de não abonar o seu argumento com a alusão a normas de carácter regimental em suporte de mecanismos participativos, e podia tê-las invocado nessa sua óptica de alegação de uma putativa desnecessidade -, e á prática correspondente configuram uma situação que deve levar toda a gente, sem excepção, a uma reflexão apurada sobre o nosso défice interno.
Utilizo a palavra, "medidamente", sem nenhum dramatismo, para sublinhar tão-só que o entrechocar ou o entrosar, se quiserem, da ordem jurídica nacional e da comunitária, tal qual vigora entre nós, suscitou ao longo destes anos alguns problemas de conflito e de articulação, mal resolvidos provavelmente, e a nossa absorção da construção europeia do ponto de vista normativo fez-se com dificuldades. A própria delimitação de competências entre órgãos de soberania nem sempre deixou de originar conflitos, em alguns casos