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9 DE OUTUBRO DE 1992 113

difíceis de ultrapassar e noutros até apreciados pelo Tribunal Constitucional.

Aliás, foi o Tribunal Constitucional português que teve de sublinhar, de forma clara, que a execução de regulamentos comunitários, nos casos em que eles careçam de alguma espécie de desenvolvimento, e o desenvolvimento e transposição de directivas em Portugal devem fazer-se de acordo com a repartição constitucional de competências internas, sendo de excluir qualquer efeito de translação de poderes da Assembleia da República para outros órgãos de soberania, para o Governo ou, eventualmente, para as assembleias legislativas regionais, nos casos em que estas tenham alguma competência relevante para o efeito.

Portanto, a questão não foi simples a nível interno e depois foi muito agravada pela própria evolução caótica da ordem comunitária. Nós, aqui em Portugal, falamos demasiadas vezes da ordem jurídica comunitária como se se tratasse de um ordenamento inteiramente hierarquizado, similar ao nosso, por completo, com categorias susceptíveis de homologias inequívocas e sugestivas. Sendo que na maior parte dos casos as sugestões são equívocas e as homologias são puramente aparentes, o que gera, entre nós, um défice de percepção da própria realidade do direito comunitário, que depois tem consequências na legiferação e na interpretação tanto das normas internas como das normas comunitárias.

As normas comunitárias europeias são dispersas, são labirínticas, por vezes não têm um suporte normativo - aliás, verificou-se um certo declínio das directivas e um uso algo indiscriminado dos regulamentos -, faltando um quadro normativo sedimentado.

Não é por acaso que entre as declarações que o Sr. Presidente teve ocasião de citar há uma que não referiu, relativa à hierarquia dos actos comunitários, que incita a conferência intergovemamental futura, que há-de realizar-se em 1996 - se não for antecipada, como, eventualmente, acontecerá, uma vez que todas estas datas estão um pouco postas nas mãos da história -, a analisar em que medida será possível rever a classificação dos actos comunitários, de modo a estabelecer uma hierarquia adequada das diferentes categorias de normas.

Portanto, temos também uma crise normativa europeia.

É por isto que, Sr. Presidente, Srs. Deputados, a reflexão sobre que impacte é que Maastricht produz neste contexto deve, quanto a mim, partir do ponto de vista realista - que, de resto, vi subscrito claramente, o que me parece também positivo - de que o Tratado acarreta alterações significativas. É extremamente positivo que elas não sejam simplificadas numa pugna Governo/Parlamento, porque todos os órgãos de soberania são afectados, inclusivamente o Governo. Como tive ocasião de sublinhar há dias, a maior alteração que se desenha em matéria, por exemplo, do Estatuto do Banco de Portugal não decorre de qualquer das normas citadas no debate que aqui tivemos sobre a matéria, mas, sim, do artigo que vincula os governos a uma espécie de dever de abstenção ou de não ingerência na definição de orientações que possam constranger o exercício das competências próprias do Banco Central Europeu. Isto significa uma limitação à competência governamental, um reenquadramento da forma de exercício de competências governamentais muito significativo.

Outras limitações existem por força dos fenómenos de definição de competências, afectando, repito, o próprio Governo e outros órgãos de soberania, designadamente o Presidente da República e a Assembleia da República.

Quanto ao impacte sobre o Parlamento, creio que estamos apenas em atraso. Aquilo que, para se conseguir atingir objectivos de convergência dita comunitária nos grandes aspectos macroeconómicos, tem sido feito acarretou uma reinterpretação global do quadro constitucional em matéria orçamental que deu uma outra feição ao próprio acto de aprovação do Orçamento.

Pela primeira vez no ano passado, o Orçamento foi elaborado e aprovado após a reunião em sede comunitária em que o plano de convergência português foi supervisionado - conceito este inteiramente novo, cuja delimitação, face à Constituição portuguesa, é extremamente difícil de fazer, salvo, obviamente, em termos simplísticos, pois a supervisão não existe juridicamente, sendo um acto "informal", razão pela qual a Assembleia da República mantém inteiramente intactas e plenas as suas faculdades de aprovar ou rejeitar o Orçamento, rompendo compromissos assumidos pelo Governo a nível da sede comunitária competente. Portanto, o acto orçamental continua formalmente livre, como antes da implementação deste tipo de mecanismos. Mas será assim?

A tese afirmativa, por um lado, nega a realidade comunitária e, por outro, é uma ficção jurídica que apenas tem como efeito escamotear que há aqui um problema constitucional a resolver. O problema é este: como é que readequamos as formas de intervenção do Parlamento em relação a esferas fundamentais, designadamente a da decisão financeira e fiscal (não só a da criação e da alteração dos impostos, como também a da fixação de outros elementos necessários para os resultados finais em matéria de sistema fiscal), por forma que obtenhamos não o resultado originário, inteiramente ultrapassado pela marcha da construção europeia, mas sim resultados que, no novo contexto, permitam dizer que não houve uma supressão das faculdades parlamentares essenciais ou que não houve uma diminuição do papel fulcral do Parlamento nestes dois domínios, pelo menos.

Gostaria ainda de, sob este ponto de vista, sublinhar que, quanto a estes aspectos, o défice português é sério. Não só a reflexão que deveria ter levado ao impulsionamento do cumprimento da lei que V. Exa. referiu não teve esse efeito prático, como, sobretudo, estamos neste momento perante um salto qualitativo que é de tal forma relevante que, colocado sobre o campo do atraso em que estamos, sem medidas correctivas cirúrgicas reequilibrantes, teria como efeito uma depreciação do papel constitucional do Parlamento e uma alteração fulcral do equilíbrio de poderes na correlação Governo/Assembleia da República.

É aí que me parece, francamente, que a argumentação utilizada contra a oportunidade de uma alteração subestima vários aspectos fulcrais aos quais gostaria de dedicar as minhas últimas observações.

Em primeiro lugar, o objectivo. Este, como há pouco sugeri, não é o regresso ao "Parlamento-Sol", não é o regresso à situação prévia, ao modelo existente antes da ligação de Portugal à construção europeia.

As transformações do Estado de direito democrático conduziram à implementação de vários mecanismos, designadamente da democracia participada, de participação no processo legislativo. Trata-se também, agora, de preservar esses mecanismos de mediação adquiridos na ordem jurídico-constitucional sob forma de direitos de participação na elaboração de legislação, evitando que se diluam, percam alcance e, em certos casos, fiquem pura e simplesmente sem objecto. Se não forem introduzidas disposições de carácter correctivo neste ponto, alguns elementos de democracia participativa, designadamente no que respeita à construção de normas legais, não só se esbateriam, como, em muitos