O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, creio que esta proposta só aparece nesta Comissão Eventual de Revisão Constitucional porque se verificou um conjunto de cedências do PS à direita. Aliás, o Sr. Deputado Paulo Portas acabou de referir que não foi fácil convencer o PS a ceder - imagino que tenha tido grandes dificuldades, mas conseguiu! Portanto, esta proposta aparece num quadro de cedência ao PP, depois de uma anterior cedência ao PSD.
Naturalmente, este quadro coloca uma questão que tem a ver com o conteúdo de uma revisão limitada à matéria do referendo e das regiões administrativas. É que a questão do referendo nacional é, incontornavelmente, a de perguntar se as pessoas querem ou não aplicar a Constituição da República. Recordo que, já em 1984, numa tese de doutoramento dizia-se que, em matéria de regiões, havia uma inconstitucionalidade por omissão. Naturalmente, colocar esta pergunta, no mínimo, é prolongar a inconstitucionalidade por omissão; haverá argumentos de ordem formal no sentido de o referendo não ser materialmente constitucional, mas creio que se trata de uma argumentação meramente formalista, porque a substância da questão consiste em sujeitar matéria constitucional a referendo ou, por outras palavras, fazer depender de referendo matéria constitucional.
Esta questão levanta problemas que, creio, são perfeitamente incontornáveis, quer com perguntas simultâneas, quer com perguntas separadas por 15 dias. Refiro-me ao facto de, eventualmente, poder haver uma resposta negativa para uma das perguntas e, ao mesmo tempo, uma resposta afirmativa em relação a parte das regiões do país. E este problema pode colocar-se tanto no caso de as perguntas serem simultâneas como no caso de serem formuladas separadamente, porque na primeira pergunta pode haver regiões em que o voto seja claramente desfavorável e outras em que seja, praticamente, unânime o voto favorável. E estas regiões verão, naturalmente, a sua vontade impedida de se realizar pelo voto de conjunto. Entendemos, portanto, que este aspecto é inteiramente incontornável.
Estamos, de facto, empenhados no cumprimento da Constituição nesta matéria e, para nós, não são as regiões administrativas que impedem que Portugal continue a ser uno e indivisível. De resto, Portugal não deixou de ser uno e indivisível pelo facto de terem sido criadas regiões autónomas com bastantes mais poderes, inclusive com poderes de carácter legislativo e administrativo de muito maior dimensão do que terão, naturalmente, as regiões administrativas portuguesas.
Para além deste facto, é evidente que o Partido Popular não se preocupa com o carácter uno e indivisível de Portugal quando partes importantes do aparelho económico passam a ser dominadas pelo capital estrangeiro, designadamente devido ao processo de privatizações.
Posto isto, e uma vez que este quadro vai conduzir à aprovação de uma revisão que vai consagrar um referendo que é materialmente constitucional, também temos em conta um segundo aspecto da questão. É que a proposta agora formulada afasta os riscos de uma revisão constitucional feita de supetão, afasta um elemento de pressão bastante importante e o pretexto para fazer uma revisão-relâmpago, de um momento para o outro, acordada nos bastidores. Recordo, por exemplo, que o líder do PSD chegou a afirmar a possibilidade de fazer a revisão constitucional num mês e meio. Acontece que a primeira revisão demorou 16 meses e a segunda 20. Reparem: 20 meses mesmo depois de haver um acordo de bastidores entre o Prof. Cavaco Silva e o Dr. Victor Constâncio, entre PSD e PS! Ou seja, mesmo com esse acordo foi preciso trabalhar um ano.
Portanto, o problema que se põe é o de garantir que uma matéria tão importante como a revisão da Lei Fundamental do país seja objecto da necessária ponderação e da auscultação dos diferentes sectores de opinião, designadamente de especialistas, de organizações económicas, sociais e culturais. É, pois, fundamental que haja debate público, que já se reclama justamente para as regiões administrativas, mas que não pode, por maioria de razão, deixar de existir em matéria de revisão da Lei Fundamental.
Não são apenas 200 artigos que estão a ser objecto de exame mas, sim, 244 artigos, ou seja, 81% do texto da Lei Fundamental do país, para além de haver, e ainda bem, um conjunto de projectos apresentados ao abrigo do direito de petição, designadamente pelos Srs. Professores Jorge Miranda e Medina Carreira, por organizações ambientais, por um partido político extra-parlamentar, etc., cidadãos que têm o direito de ver apreciadas pela Comissão e a Assembleia da República as questões que colocaram.
Na nossa óptica, o problema não se resume a uma submissão aos calendários da revisão do Tratado da União Europeia, a submetermo-nos à União Europeia nesta matéria, mas no afastar do risco de uma forte pressão para a realização de uma revisão de supetão.
Tendo em conta que uma revisão, seja ela ordinária ou extraordinária, limitada às questões do referendo e das regiões administrativas corresponde a uma cedência do PS à direita, bem como este segundo tipo de considerações que acabei de tecer, queria declarar que não faremos oposição à proposta aqui apresentada pelo PSD.
Naturalmente, a escolha da melhor solução nesta matéria, isto é, entre fazer-se uma revisão ordinária limitada a estes artigos ou uma revisão extraordinária, é algo que poderemos ponderar. Creio que uma revisão ordinária apenas limitada a estas questões implica o consenso dos vários proponentes no sentido de adiar o exame de questões que digam respeito a outras matérias, que não a esses artigos, para só ulteriormente serem objecto de uma revisão extraordinária. Se houver consenso nesse ponto, ponderaremos esta alternativa no sentido de encontrar o melhor caminho.
O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, encontro-me agora no desconforto de dar a palavra a mim próprio. Desde já chamo a atenção para o facto de que não farei a declaração que se segue enquanto Presidente da Comissão mas como Deputado do Grupo Parlamentar do PS.
Srs. Deputados, permitam-me que comece por congratular-me pelo facto de, finalmente, ser possível fazer um debate frente a frente e olhos nos olhos. A democracia vive do contraditório e este, em democracia representativa, tem sede própria para se exprimir, por isso nos congratulamos que isso seja possível com o concurso dos vários partidos políticos.
Lembro, Srs. Deputados, que na anterior reunião desta Comissão, aquando do início formal dos trabalhos efectivos do processo de revisão constitucional, o Partido Socialista deixou muito claros vários aspectos que me permito sublinhar aqui.