Em primeiro lugar, sempre nos manifestámos contrários à possibilidade de um referendo nacional no processo de regionalização que tivesse como consequência a necessidade de desconstitucionalizar o tema da regionalização, bem como a qualquer possibilidade de utilizar a solução referendária para plebiscitar uma parte que fosse da Constituição. Igualmente considerámos muito melindroso que se viesse a admitir uma solução referendária que implicasse qualquer eventual conflito de vontades entre a vontade do legislador em sede representativa e a vontade dos eleitores por via de expressão directa.
Com base nestes princípios, que temos afirmado sucessivamente, pudemos declarar na última reunião desta Comissão a nossa disponibilidade e empenhamento para admitir uma pergunta com significado nacional - o que equivale à possibilidade de referendo nacional -, juntamente com outra de significado no quadro da criação de cada região administrativa, o que equivale à admissão de referendo com valor regional. Essas soluções admitem a possibilidade de consulta directa aos eleitores no momento próprio do processo de regionalização, isto é, na fase da instituição em concreto das regiões administrativas.
Para que não subsistam quaisquer dúvidas, quero sublinhar o seguinte: na medida em que o Partido Socialista não aceita desconstitucionalizar a regionalização, também não aceita alterar as disposições do artigo 255.º da Constituição da República, nos termos do qual se torna necessário a prévia aprovação de uma lei de criação das regiões em momento anterior a qualquer processo de consulta.
Nada do que dizemos é estranho ao que já é hoje a sistemática constitucional. E, por isso, não têm razão aqueles que, tal como o Sr. Deputado Luís Sá, sugerem qualquer cedência do Partido Socialista nesta matéria. Aliás, quer o Sr. Deputado Luís Sá, quer os outros Srs. Deputados não desconhecem que a Constituição vigente já previa a modalidade dos referendos orgânicos como condição da instituição em concreto das regiões administrativas.
Do que se trata, portanto, e só, é de admitir que, em lugar de um referendo indirecto por via de assembleias municipais, se possa constitucionalmente admitir a possibilidade do referendo directo a todos os eleitores. É estranho que o Sr. Deputado Luís Sá e outros Srs. Deputados considerem que admitir a possibilidade do aprofundamento democrático consiste numa cedência à direita. Não têm qualquer razão quando defendem esse ponto de vista.
O que está em causa, sim, é admitir que as consultas populares ocorram com o pleno respeito pelos princípios estruturantes da nossa Constituição e do Estado de Direito e assegurem a possibilidade de os eleitores se pronunciarem em consciência. E, para que isso aconteça, faz todo o sentido que conheçam o modelo de regionalização acerca do qual vão ser chamados a pronunciar-se, ou seja, deve existir, previamente, uma lei de criação das regiões administrativas.
Isto mesmo foi já por mim declarado na última reunião da Comissão Eventual para a Revisão da Constituição. Tive, aliás, ocasião de sublinhar que a possibilidade de utilização das consultas populares directas, tal como o Partido Socialista as admitiu, implicava, evidentemente, a possibilidade de revisão, nesse sentido, do artigo 256.º da Constituição, artigo relativo à fase de instituição em concreto do processo regionalizador.
Em relação a este ponto, Srs. Deputados, que aliás se integra na ordem de trabalhos da nossa reunião, pode ser feita uma reflexão acerca do normal desenvolvimento do processo regionalizador e do processo de revisão constitucional. Acerca disso, que disse o Partido Socialista até hoje? O PS manifestou-se disponível para várias possibilidades de trabalho.
Em primeiro lugar, manifestou disponibilidade para, no quadro temporal dos 180 dias inicialmente prescritos para o processo de revisão constitucional ordinária, trabalhar suficientemente bem e com a diligência adequada para que o conjunto das matérias da revisão constitucional pudesse estar clarificado e votado no prazo de 180 dias.
Em segundo lugar, sempre entendemos, e continuamos a entender, que a Assembleia da República poderia ou deveria fazer um esforço no sentido de conduzir, em simultâneo, os processos de regionalização e de revisão constitucional e que, dentro desse esforço para a simultaneidade, poderíamos conduzir ambos os processos por forma a que um não viesse a ser causa de obstrução do outro. Foi o que sempre defendemos, por isso reafirmo-o agora.
Se, porventura, o desenvolvimento dos trabalhos da revisão constitucional viesse a revelar uma impossibilidade prática de fazer a revisão ordinária no período dos 180 dias e, com isso, resultasse um constrangimento ao normal desenvolvimento do processo da regionalização, fazia sentido admitir a possibilidade do recurso à revisão constitucional extraordinária para, de uma forma mais célere, fazer-se uma precisão constitucional da matéria referendária e, com isso, desbloquear o normal desenvolvimento da regionalização. Ao mesmo tempo, também com carácter de normalidade, continuariam a decorrer os trabalhos de revisão constitucional relativamente a todos os demais institutos presentes no processo de revisão.
A nossa reacção à proposta hoje formulada pelo PSD é coerente com a posição que já tomámos anteriormente. Devemos, pois, estar preparados para, nesta sede, fazer um esforço no sentido de definir consensos em torno dos artigos que, na Constituição, se reportam à matéria da regionalização, bem como - e estamos abertos a essa possibilidade - para chamar, como matéria prioritária dos trabalhos de revisão constitucional, a temática geral do referendo, aclarando os aspectos referendários não só no processo de regionalização como também em geral, para qualquer outra consulta que tenha lugar no país, designadamente para efeitos do processo de integração europeia.
Mas, Srs. Deputados, falemos claro e de forma inequívoca: a possibilidade, desejável, de chegarmos a acordo, tão cedo quanto possível, acerca dos temas que acabei de referir, não exige, por si só, que se dispare, de imediato e às cegas, o processo de revisão extraordinária da Constituição. Em primeiro lugar, é necessário que cuidemos de conhecer se o normal desenvolvimento dos trabalhos, no ciclo dos 180 dias, nos permite ou não fazer a revisão constitucional no seu conjunto. No decurso desse prazo, teríamos ainda disponibilidade para, em momento útil, avaliar se o processo de regionalização correria ou não qualquer risco de ficar condicionado pelos trabalhos ordinários de revisão, altura em que se tornaria totalmente