referendo, o que está em causa é um processo de auscultação, tal como nós aqui abrimos debates, sobretudo em relação a leis laborais, ao longo de, porventura, 90 dias.
Neste caso, o que está em causa é que essa auscultação é feita através de referendo nacional e nada mais. As leis aqui aprovadas na generalidade descem à comissão respectiva e, em sede de especialidade, é aberto um debate que se prolonga, muitas vezes, por dois, três ou quatro meses. No presente caso, é feita uma auscultação dos portugueses de âmbito nacional, através de um referendo. Só depois, quando a Câmara receber a resposta em referendo nacional, é que, sendo positiva, o decreto será referendado pelo Sr. Presidente da República e publicado.
Isto é que é democrático. É até uma maneira de não desautorizar a democracia representativa. Nós entendemos que devemos devolver a palavra a quem manda, que é o povo que nos mandatou, e que não estamos aqui mandatados por tal, sendo o povo que nos diz se está em consonância com esse modelo de competências e de delimitação territorial, de modo a sabermos se o Sr. Presidente da República deve promulgar e, então, sair como lei no Diário da República. Como vê, isto é muito claro. O resto é falar demais.
Por último, resta a questão de fundo: o que é que vai a referendo? Vai também a delimitação territorial ou não? É simultâneo o referendo ou não? São as únicas duas questões que poderão ficar de pé, se houver bom senso e, sobretudo, vontade de encontrar soluções que viabilizem o essencial, que é o referendo nacional.
O Sr. Presidente: - Sr. Deputado Calvão da Silva, vou usar da palavra para lhe fazer algumas perguntas. Peço desculpa pela circunstância, mas parece-me que é útil, para que possamos tentar esclarecer-nos reciprocamente.
Primeira questão: o Sr. Deputado disse que manter uma adesão ao artigo 255.º da Constituição era, da parte daqueles que o fazem, um sinal de radicalismo que poderia comprometer um esforço de consenso. Sr. Deputado, entende que o seu partido, nas revisões constitucionais anteriores, quando manteve as disposições constitucionais que manteve em matéria de regionalização, se comportou como um partido irresponsável ou radicalista?
Sinceramente, não lhe faria essa acusação. Portanto, não faça o Sr. Deputado a acusação, aos que nestas matérias se mantêm fiéis ao pactos de regime constitucional que celebraram no passado mas continuam a considerar que têm actualidade no presente, de que são radicais por causa disso. Não! É por causa disso que essas pessoas estão a explorar o máximo consenso possível. Aqui, repare o Sr. Deputado, há uma maioria absoluta de vontade parlamentar para manter o artigo 255.º na Constituição, e isso é coerente com a expressão de vontade dos portugueses nas últimas eleições legislativas.
Assim, não chame a isto manifestação de radicalismo, mas reconheça ao menos que é manifestação de pura coerência política. Se o reconhecer, não faça nisso qualquer esforço, porque também contribui para fazermos o nosso caminho de entendimento necessário.
O segundo aspecto que quero focar tem a ver com o facto de ter dito que o referendo teria mais significado na fase do decreto do que na da lei devidamente publicada. Evocou os meus argumentos quanto à publicidade, que mantenho, mas não evocou os outros. Não evocou a circunstância de não podermos perder de vista o facto de este ser um processo próprio que a Constituição estabelece na sua complexidade: na primeira fase, a lei de criação das regiões, e não mudando o artigo 255.º, é o que é, é a lei de criação das regiões; na segunda fase, a instituição em concreto; finalmente, na terceira fase, a aprovação de lei por cada uma das regiões constituídas.
Sr. Deputado Calvão da Silva, como nós queremos que o referendo ocorra no momento constitucional possível, que é o da instituição em concreto, queremos que o diploma sobre o qual a Assembleia se tenha comprometido não tenha qualquer eventual vício, designadamente o da inconstitucionalidade. Por isso, como sabe, o momento de aprovação do decreto não daria lugar à possibilidade da fiscalização preventiva da constitucionalidade do diploma, e, como esse diploma tem interacção óbvia com as disposições constitucionais sobre regionalização, queremos que ele possa, pelas mãos do Sr. Presidente da República, que nisso é juiz soberano, ser submetido, se o entender, ao mecanismo da constitucionalidade preventiva. Para nós, isto é algo de muito importante na verdade integral de todo este processo.
Sr. Deputado, estas são razões substantivas pelas quais entendemos que previamente deve haver a lei de criação das regiões.
Pergunto ainda: essa lei terá ou não o modelo regional? Sr. Deputado Calvão da Silva, por amor de Deus, resolva definitivamente essa dificuldade no seu espírito: vai ter de ter. Se não alterarmos o artigo 255.º, este prevê, de forma incontornável, que a lei estabeleça o modelo de regionalização, designadamente com a sua delimitação geográfica. Adapte, portanto, o discurso do seu partido a esta inevitabilidade constitucional: a lei é prévia ao referendo e define um modelo e não um semimodelo, portanto, tem de ter a delimitação.
O Sr. Deputado fez a pergunta, e eu devolvo-lha, sob forma de resposta: a partir desta clarificação, já se tornou definitivamente claro, na sua perspectiva, que este é o caminho em torno do qual temos de obter o consenso?
Finalmente, as implicações dos referendos. Sr. Deputado Calvão da Silva, manifestei-o ao Sr. Deputado Luís Marques Guedes, manifestei-o ao Sr. Deputado Paulo Portas, manifesto-lho a si e mantenho-o: se a questão é apenas a da definição dos efeitos relacionais entre referendo nacional e referendos regionais, estamos disponíveis para acertar a melhor opção. O Sr. Deputado Paulo Portas suscitou uma solução diferente da nossa, mas não impôs qualquer uma que tornasse impossível o princípio da simultaneidade. É outro caminho, mas é compatível com a não obrigatoriedade constitucional da simultaneidade ou da não simultaneidade. Pergunto-lhe, Sr. Deputado Calvão da Silva: está disponível também para aplanar caminho no enquadramento destes princípios que referi?
O Sr. Calvão da Silva (PSD): - Sr. Deputado, quando entrei para a revisão constitucional e para esta Comissão, vim com um espírito constituinte, e não estou, senão nos limites que a própria Constituição prevê, amarrado a mais nenhuns. Nessa medida, ou há vontade política para encontrar consensos, ou não há revisão constitucional. Se o senhor quer fazer funcionar as ditaduras da maioria, agarrado ao passado, e se entender que os novos constituintes, refrescados pela legitimidade eleitoral, não podem ter ideias novas, ideias diferentes, ideias inovadoras, então, não é esse o espírito com que aqui estou. E esse é o problema que o Sr. Deputado tem.