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O Sr. Jorge Lacão (PS): - O que eu lhe disse é que é para uma organização de natureza supra-estadual. Ou será que o Sr. Deputado Barbosa de Melo não reconhece que a União Europeia é uma organização internacional de natureza supra-estadual?! É evidente que é!

O Sr. Barbosa de Melo (PSD): - Deu razão a todas as argumentações feitas pelo Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Jorge Lacão (PS): - E, portanto, se é, é disso que estamos a cuidar, de saber o valor de referência para o exercício de um direito político que tem o território no conjunto dos Estados membros da União Europeia. E penso que isto é totalmente claro. E se, de facto, pode haver ambiguidade em qualquer matéria, nesta não há com certeza!
Volto a sublinhar o meu ponto que é politicamente o que considero mais relevante: se não acompanhamos os Srs. Deputados do PSD na pretensão de conceder de forma universal e indiscriminada e, portanto, sem garantias de democraticidade o exercício de direito de voto a todos os emigrantes, hei-de acreditar, e acredito sinceramente, que o PSD acompanhará o PS na possibilidade de conferir o alargamento do exercício de direito de voto…

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Pode acreditar, Sr. Deputado!

O Sr. Jorge Lacão (PS): - … aos emigrantes europeus quando se trate de matéria que têm a ver com o destino da comunidade a que eles estão ligados por efeito do destino da União Europeia, que é hoje alguma coisa que diz respeito a todos os Estados membros de forma inequívoca.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, tinha até agora feito prevalecer na minha ideia não intervir neste debate, mas a insistência do PSD num tipo de argumentação que não me convence e que penso ser pouco pertinente nesta matéria leva-me a não me manter alheio à discussão.
O PSD procurou neste debate fazer crer que esta é uma questão natural, evidente, óbvia. Ou seja: referendo nacional, logo todos os cidadãos nacionais devem participar. Só que esta evidência é uma descoberta recentíssima do PSD, como uma espécie de descoberta na estrada de Damasco, pois, em 1989, quando, por unanimidade, se restringiu o referendo aos residentes do território nacional, esta ideia não ocorreu ao PSD. Em 1994, nos projectos de revisão constitucional, ninguém, inclusive o PSD, propôs o alargamento do referendo a residentes fora do território nacional. Mais, dos três projectos de revisão constitucional oriundos do PSD, só um, o da direcção do PSD, contém a extensão do referendo a residentes fora do território nacional. Quanto aos outros dois projectos de revisão oriundos do PSD, ninguém foi ferido por essa luminosidade da estrada de Damasco, que era tornar evidente, óbvio, absolutamente indesculpável que não houvesse referendo para os residentes fora do território nacional.
Portanto, a primeira ideia é a de que não é nada evidente, não é nada absoluto, não é nada auto-imposto. Tanto assim que, até agora, ninguém se tinha lembrado disso, inclusive o PSD, e mesmo em Janeiro e Fevereiro deste ano, quando foram apresentados os projectos de revisão constitucional, nem a todos os Deputados do PSD ocorreu essa evidência de que os referendos ditos nacionais deveriam ter a participação de todos os residentes fora do território nacional.
A razão por que isso não é evidente é que, de facto, não é nada evidente. Foi aqui utilizado este argumento: referendo nacional, logo todos os cidadãos devem participar. Mas o que é o referendo nacional? Para já, a Constituição não fala em referendos nacionais, e ninguém fala neles, só o PS é que tem falado, e por gozo, em referendos nacionais. A Constituição fala em referendo e em cidadãos residentes no território nacional. Até agora, antes da iluminação do PSD, ninguém tinha questionado este ponto. Por que é que isto é assim? Porque o referendo, como a Constituição propriamente diz, não tem a ver com as questões-chave da República, pois essas estão vedadas ao referendo. Não havendo referendo sobre revisão constitucional ou matérias constitucionais, os referendos versam sobre as questões de legislação ordinária da Assembleia da República, isto é, sobre questões que nós votamos diariamente. Por exemplo, sobre o que votámos a propósito do destino das verbas do totobola, do regime do aborto, do regime do divórcio, do regime do arrendamento, ou de qualquer outro tema.
E pergunto: isso são questões de destino nacional, a que se referiu o Sr. Deputado Miguel Macedo, dizendo que tinham de ter necessariamente a participação de todos os cidadãos nacionais? É óbvio que não! Por essa mesma ordem de ideias, todo o nosso regime eleitoral é o cúmulo da injustiça. É espantoso que o PSD não tenha proposto, juntamente com a extensão da participação dos residentes no estrangeiro, que os círculos eleitorais fora do território nacional elejam um número de Deputados proporcional aos residentes no estrangeiro, e, assim, em vez de termos 4 Deputados eleitos pelos cidadãos residentes no estrangeiro, teríamos 20, 30, 40, 50 ou metade do número total de Deputados eleitos.
Mas o PSD não foi a esse ponto. Porquê? Porque, inconfessadamente, tem de reconhecer que a situação dos residentes fora do território nacional, a sua relação de atinência, de afectação e de interesse pelas questões da República não são as mesmas, não têm a mesma medida, intensidade, qualidade ou quantidade que existe quando se trata dos cidadãos residentes no território nacional.
Peguemos nos casos de referendo que citei. Em que medida afecta os residentes fora do território nacional que as verbas do totobola sejam distribuídas aos clubes ou o sejam como agora? Em que os afecta, por exemplo, o serviço militar obrigatório, se a maior parte dos seus filhos até já tem outra nacionalidade, não contam vir para cá e, na verdade, são regidos pelas leis do território onde residem? Em que os afecta o regime do aborto existente em Portugal, se as cidadãs portuguesas que residem lá fora são regidas pelas leis desses Estados e não pelas do território nacional?
A verdade é que é indesmentível que a relação dos cidadãos residentes fora do território nacional com as questões da República é radicalmente diversa.
A democracia começou como a autogestão, isto é, como o autogoverno, começou modernamente nas repúblicas americanas pela ideia de os impostos serem votados pelos interessados neles. Ora esta ideia de cada um, colectivamente, reger as questões que lhe dizem respeito é o essencial da democracia. A maior parte das coisas que dizem respeito aos cidadãos residentes no território nacional não dizem, de modo algum, respeito aos residentes fora do território, em nada os afectando, ou dizem-lhes respeito