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Mas é evidente que também na nossa cultura - e, por acaso, invoquei isso na discussão da primeira leitura - o princípio da subsidariedade aparece muito antes de Maastricht e foi com base nele que o ditador Salazar não permitiu a reentrada no País de D. António Ferreira Gomes, porque, na carta que ele dirigiu ao ditador, uma das perguntas fundamentais que fazia era no sentido de saber se o ditador consentiria que se organizasse o Estado em termos do respeito pelo princípio da subsidariedade. Este princípio é da tradição tomista, não sei se o será mas é da tradição e aparece, nomeadamente, na Quadragesimo Anno pela primeira vez, julgo eu, ou pelo menos neste século.
Portanto, ao dizer isto, o que queria dizer D. António? Referia-se à criação de partidos políticos, que era um fenómeno de subsidariedade, à criação de instituições que, na linguagem tradicional, se chamavam os poderes intermédios da sociedade, os quais não fazem parte da organização territorial do Estado mas, sim, da sua organização institucional. O Estado não é totalitário, não abrange tudo e há unidades organizacionais dentro dele que exercem poder público, com base no juízo de que deve ser deixado à iniciativa onde ela faz melhor, só podendo o Estado fazer aquilo que faz melhor do que os outros.
No fundo, é esta a ideia de base que está aqui e, ao redigirmos hoje este n.º 1, ele já não se refere só à territorialidade. O regime autonómico tem a ver com a territorialidade, a autonomia das autarquias locais também, mas a descentralização, em regra, já tem as duas dimensões, ou seja, a descentralização territorial e a descentralização de serviços, como sabem, havendo, pois, aqui, um conceito que não é apenas territorial e ficando agora a afirmação global, de princípio, de que a organização e o funcionamento do Estado têm de ser gizados em termos de respeito por essa ideia nuclear, que, no fundo, é a ideia que torna o Estado não totalitário, ou seja, o Estado e o poder público limitados perante a sociedade.
Portanto, julgo que tenho boas razões para sair da posição que assumi aqui na primeira leitura e cumprimentar os autores desta segunda versão, dizendo que sim, que dou o meu voto favorável e que entendo que o texto constitucional se enriquece.

O Sr. Presidente: - Srs. Deputados, eu próprio gostaria também de fazer algumas breves considerações.
Creio que estamos hoje confrontados com uma realidade insofismável, no que diz respeito a um novo desafio do Estado na relação supra-estadual e, particularmente, no contexto da integração europeia, por um lado, mas também no contexto da relação Estado/sociedade, ao nível das relações infra-estaduais. E parece-me que este princípio da subsidiariedade é rico nas duas perspectivas, isto é, tanto na perspectiva da articulação supra-estadual como na perspectiva das relações infra-estaduais.
Adiro inteiramente às considerações do Sr. Deputado Barbosa de Melo, tanto mais que esta revisão constitucional parece querer fazer uma aposta ou uma tentativa, no que diz respeito às relações do Estado com a sociedade, de criar várias zonas constitucionais relevantes de devolução de poderes para a iniciativa dos cidadãos.
Ora, o princípio da subsidiariedade, na minha opinião, recobre com um conceito novo e rico tudo aquilo que, na Constituição, é uma aposta de devolução de iniciativa aos cidadãos individualmente considerados e as organizações da sociedade civil cuja relevância no exercício de funções de valor colectivo, compartilhadas com as funções do Estado, é também, cada vez mais, incrementada.
Por isso, penso que não está aqui em causa, como todos sublinharam, qualquer fantasma federalista em torno da absorção de um princípio, está, de facto, em causa o reconhecimento de que o Estado-poder não é a única forma de olhar para o Estado e que o Estado-sociedade, também ele, carece de multiplicar as possibilidades de iniciativa e, todavia, estas não se esgotam nem apenas no regime autonómico, nem apenas na lógica da autonomia e da descentralização ao nível do poder local.
Assim, aderindo inteiramente às considerações do Sr. Deputado Barbosa de Melo, quero também congratular-me pela inovação que este n.º 1 do artigo 6.º representa.
Não sei se mais algum Sr. Deputado pretende usar da palavra...

O Sr. Luís Sá (PCP): - Se me permite, Sr. Presidente...

O Sr. Presidente: - Faça favor, Sr. Deputado Luís Sá.

O Sr. Luís Sá (PCP): - Sr. Presidente, quero apenas acrescentar, neste contexto, a seguinte consideração: conforme será conhecido pelos Srs. Deputados, a literatura distingue um sentido ascendente e um sentido descendente da subsidiariedade. Trata-se, efectivamente, de organizar a distribuição de poder entre várias entidades e é sabido que, nesse contexto, existe campo para interpretações centralizadoras e para interpretações descentralizadoras.
Assim, neste mesmo sentido, existem teóricos que, exactamente tendo em conta este tipo de consideração, propõem a substituição deste conceito pelo conceito de justa adequação na repartição de atribuições e competências, que entendem ser um conceito menos ambíguo do que o conceito de subsidiariedade. É evidente que não ignoro o facto de este último conceito ser aplicável em variadíssimos contextos e não apenas no contexto federal, mas creio que todos sabemos e reconhecemos que, quer no âmbito do direito constitucional, quer no âmbito da ciência política, é no plano da teoria do federalismo e do Estado federal que este conceito tem, e teve, a sua grande aplicação histórica, desde os Estados Unidos da América até muitos outros Estados federais. Aliás, este ponto foi abundantemente estudado a propósito do Tratado da União Europeia, existindo mesmo colectâneas que se subordinam exactamente a este tema, ou seja, à aplicação da teoria jurídica do Estado federal à União Europeia, recorrendo, designadamente, ao princípio da subsidiariedade. E deparam-se precisamente com o problema que referi, isto é, o problema de a subsidiariedade tanto poder levar a um sentido centralizador como a um sentido descentralizador. Portanto, o termo está longe de ser unívoco, está longe de ter um sentido meramente descendente e, por isso, continuo a ter muita dificuldade em ver que mais-valia positiva pode decorrer da inserção do conceito neste âmbito, no âmbito do artigo 6.º, n.º 1, da Constituição.

O Sr. Presidente: - Tem a palavra o Sr. Deputado Luís Marques Guedes.

O Sr. Luís Marques Guedes (PSD): - Sr. Presidente, não tomarei muito tempo, mas não quero deixar passar em claro que, não nesta mas na intervenção anterior do Sr. Deputado Luís Sá, posterior à minha intervenção inicial,