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Relativamente a este artigo 22.º - com a brevidade possível desta intervenção -, quero dizer que ele é dos artigos mais essenciais para a defesa do Estado de direito, que é a responsabilização da entidade pública face à violação de direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para o cidadão. E isto é fundamental! Um Estado democrático que não salvaguarde o direito indemnizatório, o direito à reparação pela violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízos para outrem porá em causa o fundamento e os alicerces desse Estado de direito.
Por isso, qualquer alteração neste princípio fundamental, no princípio da responsabilidade, levará, com certeza, a repercussões de enorme gravidade. Peço apenas para, num segundo, fazermos uma reflexão, que já tivemos oportunidade de fazer, sobre o debate constitucional em torno da criação deste artigo 22.º e das suas sucessivas alterações, concretamente, em 1982, com a introdução do princípio da solidariedade e, em 1989, com a discussão em torno de uma das questões fundamentais destas propostas, que é a especificação das funções do Estado que poderão estar abrangidas por responsabilidade, ou seja, não só a administrativa mas também a legislativa, a jurisdicional e a política. Esses debates foram extraordinariamente ricos sobre o conteúdo deste artigo 22.º
Ora, o que agora se pretende com estas propostas - e permitam-me que o diga, embora com o merecimento para os seus autores - é, no meu entender, desvirtuar completamente o princípio da responsabilidade. E perdoem-me que o diga desta forma, com esta gravidade, mas chamava à colação a razão histórica do aparecimento do princípio da solidariedade. O que acontecia antes da solidariedade era a clara inoperância do princípio da responsabilidade em termos práticos.
O que se verificava sem o princípio da solidariedade da responsabilidade das entidades públicas - e o Sr. Deputado Cláudio Monteiro sabe muito bem - era que quando um particular, lesado nos seus direitos, tentava a acção de responsabilidade ao Estado ou ao funcionário que provocou esse dano, impressionantemente recebia como resposta por parte do tribunal administrativo a sanção da ilegitimidade passiva e recebia-o porque estava sempre errado se propunha a acção contra o Estado sozinho, se propunha a acção contra o funcionário sozinho, se propunha a acção contra os dois, pois estava sempre errado na opinião do tribunal administrativo. Era sempre uma fórmula de deitar abaixo liminarmente a acção com base na ilegitimidade passiva. O princípio da solidariedade veio resolver esse problema.
E o problema que coloca de a solidariedade impossibilitar uma discussão da responsabilidade objectiva não tem sentido, na minha opinião, e pedia-lhe que reflectisse um pouco sobre isso, porque hoje o que se verifica claramente com a responsabilidade solidária - e também disse isso um pouco na sua intervenção - é que a jurisprudência administrativa evoluiu no sentido não de retirar a culpa mas de a equiparar a uma situação de ilicitude.
O funcionário não zeloso é que aquele que não cumpre as leis e por isso, quando há ilicitude, há, quase diríamos, automaticamente culpa. Ela está lá, mas consumida pela ilicitude. E isso existe na solidariedade!
A culpa serve para o direito de regresso, que é algo de substancialmente diferente. A responsabilidade é solidária, o que significa que o particular lesado pode propor a acção contra o Estado sozinho, contra o funcionário sozinho, fazer valer o seu direito à reparação e depois o Estado ou o funcionário, se assim o entenderem, exercerem o seu direito de regresso sobre a contraparte na medida da culpa, e aí, então, sim, na medida da culpa da sua contraparte na eventual violação de direitos ou nos prejuízos para outrem.
E esta situação já se verificava! O Sr. Deputado Calvão da Silva referiu o Código Civil de 1966, mas eu referiria o Código Civil de 1967, quando, ao abrigo de uma responsabilidade claramente subjectiva no direito civil, já Guimarães Pedrosa e Marcello Caetano argumentavam que para o Estado se deveria fixar alguns casos claramente de responsabilidade por facto ilícito objectiva, no caso, por exemplo, de deficiente funcionamento do serviço, que já era aventado.
Por isso, esta questão é fundamental. Na minha opinião, deixar cair a solidariedade - e era para essa reflexão clara que aqui chamava a atenção - é regredirmos no princípio da responsabilidade e, como tal, no Estado de direito.
Também relativamente à definição que o Sr. Deputado Cláudio Monteiro refere, quanto à autonomização ou à remissão para a lei da responsabilidade objectiva do Estado, contraposta a uma responsabilidade por ilicitude. Mas a responsabilidade por facto ilícito pode ser objectiva e, por isso, não há que fazer uma contraposição entre responsabilidade por facto ilícito e responsabilidade por facto objectivo ou responsabilidade objectiva. A responsabilidade por facto ilícito pode ser uma responsabilidade objectiva também. Por isso, penso que claramente essa questão deveria ser reponderada.
Finalmente, quanto à questão da particularização das várias funções do Estado, chamava à colação o enorme debate que houve em 1989 sobre esta matéria, sob proposta, penso, do PCP, que levantava essa questão e que teve exactamente a oposição de vários dos Deputados aqui presentes na reunião, desde logo do actual Presidente da Comissão.
Concluía sobre essa matéria referindo que já tenho escrito, por isso não me podem desmentir, posições bastante generosas sobre a interpretação deste artigo 22.º, por isso, não poderão dizer que a interpretação que faço deste artigo 22.º será limitadora da responsabilidade de algumas dessas funções.
Mas uma coisa é isso e outra é dizer expressamente na nossa Constituição que haverá sempre e em todos os casos responsabilidade pela função legislativa, pela função política e pela função jurisdicional sem mais, porque penso que isso trará problemas que nem o nosso Colega Rui Medeiros avançou na sua tese de mestrado sobre a responsabilidade pela função legislativa do Estado.
Penso, por isso, que também deveríamos reponderar os termos tão amplos como esta especificação da responsabilidade pelas várias funções do Estado que aqui estão colocadas. E com estas precisões termino.