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dada aos portugueses que residem aqui e os portugueses não a darem aos brasileiros que residem em Portugal". Não chegou a ser uma ameaça, foi apenas uma chamada de atenção para o facto de tal poder vir a acontecer.
Fiquei preocupado porque seria, realmente, desagradável se tal acontecesse, e disse ao Sr. Dr. Almeida Santos, Presidente da Assembleia da República: "Olhe que era bom tomarem uma iniciativa qualquer, porque isto…". Ele respondeu-me: "Isso só pode acontecer na Constituição. Mas eu sou contra, porque os brasileiros são 160 milhões…". E eu retorqui: "Mas não vêm 160 milhões para Portugal, porque nem sequer cabiam cá! Não é possível nem faz sentido! Quando muito, haverá um ou dois que serão Deputados, mas isso depende também das escolhas do eleitorado português. Se os eleitores portugueses quiserem brasileiros para serem Deputados, isso é com eles. Não são os brasileiros que os vão escolher! Nem há tantos brasileiros assim para que isso possa pesar no nosso eleitorado". Depois, desviou a questão e argumentou: "Mas também há o problema dos tribunais e tal…". No que se refere à questão dos tribunais, não sei se há reciprocidade na Constituição brasileira em relação a nós. Talvez esse seja um problema menos importante.
De qualquer maneira, do ponto de vista político, creio que é da maior importância que seja atribuída a reciprocidade aos brasileiros. Acerca disso não tenho qualquer dúvida. E, mais do que isso, penso que devemos ter um cuidado muitíssimo especial em tratar com o Brasil e tudo fazer para nos aproximarmos dele.
Têm-se feito progressos, nomeadamente em matéria de investimentos de grupos económicos portugueses no Brasil - hoje somos o terceiro investidor no Brasil. Mas, mais importante do que isso é a política e o futuro, porque se Portugal tem hoje na Europa uma mais-valia considerável, que nos faz, em muitos casos, ser ouvidos com especial atenção em relação a muitos problemas, tal deve-se à circunstância de todos os países saberem que temos esta relação especial com o Brasil e com as nossas ex-colónias. Portanto, tudo o que seja reforçar estes laços, e reforçá-los de uma maneira positiva, será, a meu ver, importante. E não percebo francamente quais são os escrúpulos.
Desculpem esta questão, mas no regime de Salazar havia sempre um certo complexo em relação ao Brasil, porque Salazar estava convencido de que a independência do Brasil tinha sido uma desgraça para Portugal. Mas nós que assumimos a independência do Brasil e, mais tarde, a independência das colónias e todas as independências, temos ainda algum receio do Brasil!? Mas porquê? Não tem sentido quando justamente o Brasil, no futuro, em primeiro lugar, representa para nós a sobrevivência da língua portuguesa como grande língua mundial e, em segundo lugar, porque aquele grande país vai ser um dia, inevitavelmente, membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas quando houver uma reforma do Conselho, porque é uma reivindicação justa dos brasileiros e da política brasileira. Temos, pois, o maior interesse em ter essa ligação com o Brasil.
Por outro lado - a proposta que está sobre a mesa vai nesse sentido, e, a meu ver, muito bem -, esta alteração também tem a ver com os países africanos, porque se diz "com reciprocidade", o que significa que votar este artigo é um estímulo aos africanos - angolanos, moçambicanos, etc. - para também eles virem a estabelecer a reciprocidade nas suas Constituições, para também eles poderem usufruir da mesma reciprocidade a que agora abrem a porta.
Portanto, este é um acto político de grande visão em relação ao futuro, que devem considerar como um passo mais naquilo que é o nosso universalismo, que é o reforço da importância de Portugal no mundo, quer em relação aos brasileiros, quer em relação aos africanos, quer em relação, no futuro, aos timorenses, porque se os timorenses, quando consagrarem a independência, vierem, como quer o Xanana de Gusmão, a ser membros da CPLP e adoptarem a língua portuguesa, é evidente que teremos toda a vantagem em os integrar nessa medida. Isso só pode ser estimulante para nós e, a meu ver, não tem quaisquer aspectos negativos.
Ainda a propósito desta questão poderia falar aqui um pouco sobre os aspectos internacionais, em geral, e a nossa política internacional, porque está intimamente relacionada com ela, mas não vos quero demorar.
Esta é a minha posição, com convicção e sem dúvidas. Aliás, fui subscritor de uma carta, dirigida não sei se ao Governo se à Assembleia da República - não fui eu que a escrevi, mas subscrevi-a, por isso não me lembro a quem é dirigida -, que também é assinada pelo Prémio Nobel português, José Saramago (o que não é brinquedo), pelo Eduardo Lourenço e por todas as pessoas que têm da língua portuguesa uma concepção aberta e voltada para o futuro.
Portanto, estou completamente de acordo com esta proposta de revisão constitucional que foi apresentada.
Sr. Presidente, não sei se quer que fale sobre outras matérias ou se prefere que responda, desde já, a perguntas que pretendam fazer-me sobre este ponto. Faço esta pergunta porque ainda gostaria de abordar outras matérias sobre que incide a revisão constitucional.

O Sr. Presidente: - Talvez fosse melhor o Sr. Dr. Mário Soares falar, desde já, sobre os outros pontos e, depois, passaríamos à fase das perguntas.

O Sr. Dr. Mário Soares: - Então, relativamente ao Tribunal Penal Internacional, também eu fui um dos pioneiros desta ideia, como devem estar recordados.
É que mal apareceu o Estatuto de Roma, que cria o Tribunal Penal Internacional, afirmei que essa iniciativa era um grande passo do ponto de vista do futuro da democracia, e não sei mesmo se não escrevi uma nota ao Governo do Eng.º António Guterres, pedindo-lhe que tomasse a iniciativa de trazer essa matéria à Assembleia da República, para além de ter falado sobre o assunto com o Presidente da Assembleia. Depois, o processo foi-se atrasando, havia uma série de países europeus, particularmente a Espanha, que já tinham ratificado o Estatuto de Roma e eu estava a ver que Portugal ficava para trás e, realmente, sentia-me mal. Por que é que Portugal havia de ficar para trás quando deveria estar entre os pioneiros nesta matéria?
É que nós fomos os protagonistas de uma grande revolução no século XX, uma grande revolução democrática, uma revolução que nos atirou para os jornais e nos deu importância no mundo inteiro. Então,