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agora há uma iniciativa que vai indiscutivelmente no sentido da democracia e nós estamos com hesitações?! Porquê?
Depois, surgiu essa polémica relacionada com a pena de prisão perpétua que, desculpar-me-ão que vos diga, não tem sentido. Os grandes constitucionalistas já se pronunciaram sobre essa questão, particularmente o Professor Jorge Miranda que manifestou a sua opinião nos jornais e, mais tarde, nesta Comissão.
Repito que considero que não tem sentido falarmos da pena de prisão perpétua porque ela não se reflecte na nossa ordem jurídica. Sendo nós uma democracia, como é que podemos prefigurar a hipótese de um português ser réu ou inculpado no Tribunal Penal Internacional? Não há hipótese nenhuma, continuando nós a ser um Estado de direito e uma democracia. Mas pode suceder - isso, sim - que passe por Portugal um ditador e que, porque ele cá resida, ou porque se refugiou cá, ou por qualquer outra razão, um juiz português suscite esse problema. Essa é uma hipótese que pode prefigurar-se. Isso, sim, pode suceder. Mas, se suceder, o que é que acontece? Acontece que não é a ordem jurídica portuguesa que o vai julgar ou, se for, vai utilizar a legislação do Tribunal consagrada no Estatuto de Roma. Portanto, o problema não se põe com a gravidade… E, nesse domínio, há sempre várias medidas que os juízes podem adoptar.
Portanto, com o mesmo entusiasmo e convicção, também sou a favor da rápida ratificação do Estatuto de Roma.
Passando aos outros pontos, começo pela inviolabilidade do domicílio, matéria do artigo 34.º.
Fiquei um bocadinho chocado com aquela história das duas excepções que são colocadas - se os visados aceitarem… Bem, não é muito provável que os visados sejam consultados e que, se o forem, digam que não!

Risos.

Tirando essa, há, depois, uma excepção que considero útil. É que esta excepção só se aplica àqueles que são acusados de crimes de tráfico de droga. Portanto, a gravidade do crime pode justificar essa excepção.
Assim, se eu fosse consultado sobre isso, diria que não me oporia a esta emenda.
Quanto aos direitos sindicais - artigo 56.º -, também penso que se justifica a excepção, em relação aos polícias, de não poderem utilizar o direito à greve. Para mim, esse não é um problema de extraordinária gravidade como são os outros. Quer dizer, diria que não é coisa que me repugne, no plano democrático, que, amanhã, os polícias façam greve, se for caso disso.
É que a democracia baseia-se fundamentalmente na persuasão e no convencimento. Ora, se chegarmos a uma situação tal que os polícias queiram fazer greve, não percebo por que é havemos de impor-lhes essa sobrecarga. Mas também não me oporia, embora num outro grau de convicção muito diferente em relação aos dois outros artigos, o 7.º e o 15.º da CRP.
Por último, quanto ao princípio da renovação dos cargos políticos, aí, até iria mais além. Sinceramente, iria mais além, mas não é a mim que compete dizê-lo.
Realmente, tenho dito muitas vezes, e com muita clareza, que sou contrário a que, por exemplo, os autarcas se perpetuem eternamente nos seus lugares e penso que deveria haver uma restrição nessa matéria.
Esta lei não pode ter efeitos retroactivos, o que é óbvio, mas, agora, pode marcar-se um limite de um, dois ou três mandatos, não mais e, a partir daí, passa a vigorar esse limite.
Aliás, assim se procedeu no caso do mandato do Presidente dos EUA. Na verdade, no seu tempo, Roosevelt foi eleito Presidente dos EUA por três ou quatro mandatos sucessivos e os americanos, que nada tinham previsto na lei, disseram: "Mas que é isto? Este homem, que foi um excelente Presidente da República, pode tornar-se num rei constitucional! Não pode ser". Então, ainda em vida do próprio Roosevelt, resolveram limitar os mandatos presidenciais, mas tendo o cuidado de dizer que isso apenas se aplicava ao próximo Presidente da República.
Portanto, este estabelecimento de um limite para o número de mandatos que podem ser exercidos nada tem a ver com os que estão, tem a ver com os que ficam e se eternizam.

O Sr. Presidente: - Muito obrigado, Sr. Dr. Mário Soares, pelo seu depoimento e pelas suas convicções aqui trazidas com tanta força e tanto entusiasmo, as quais certamente vão permitir-nos enriquecer o conteúdo das discussões que vão seguir-se às audições que temos levado a efeito e que eu diria que terminam com "chave de ouro", com a audição do Dr. Mário Soares.
Dou a palavra ao Sr. Deputado Guilherme Silva, para formular as suas questões.

O Sr. Guilherme Silva (PSD): - Sr. Presidente, Sr. Dr. Mário Soares, antes de mais, quero cumprimentá-lo, em meu nome pessoal e do Grupo Parlamentar do PSD, e registar a sua disponibilidade para vir dar o seu contributo que é sempre importante.
Naturalmente, devido à natureza de algumas das questões que envolvem esta revisão constitucional, era importante o depoimento do Dr. Mário Soares, com todo o seu percurso na nossa democracia e na nossa vida política anteriormente à instauração da própria democracia.
Quero, pois, salientar a clarividência com que V. Ex.ª abordou cada uma das questões, com especial realce para a da reciprocidade de direitos relativamente aos cidadãos do Brasil e dos países de língua oficial portuguesa.
Efectivamente, Portugal está num momento histórico em que não pode cometer erros nestas matérias. Somos um país de diáspora, empenhamo-nos na afirmação das nossas comunidades e no reconhecimento dos respectivos direitos nos países onde se encontram. Somos um país com uma muito grande história de colonização e, portanto, com relações privilegiadas com países que tiveram a intervenção colonizadora de Portugal. Estamos numa fase de desenvolvimento dessas relações, sem complexos, e parece-me que não levaremos a CPLP a lado nenhum se não formos os primeiros a dar o exemplo de reconhecimento recíproco de direitos, em vez de uma visão unilateral, como a que decorre da sistemática oposição à consagração constitucional desta solução.
Já em 1997 foi apresentada uma proposta relativa a esta matéria, subscrita por todos os partidos à excepção do Partido Socialista, proposta essa que foi inviabilizada pelo voto deste mesmo partido.