moldura penal máxima determinada, a que consta do Código Penal Português, e que, se se entende que ela deve ser revista, deve sê-lo para todos os crimes. O tratamento dos crimes, enquanto tal, deve ser feito nos mesmos termos, daí não aceitarem esta qualificação destes crimes, isto é, o comportamento em si mesmo ter uma natureza política (porque crime contra a humanidade) que justificasse um tratamento politicamente diverso. É esse tratamento político diverso que também legitima, na opinião de alguns, a possibilidade de um tratamento, através de uma jurisdição de excepção, dessas pessoas.
Outras pessoas defenderam que, pelo contrário, aquilo que se deveria fazer era ter uma jurisdição descentralizada comum, digamos, uma espécie de regime semelhante àquele que existe para a legislação europeia da concorrência, cabendo aos tribunais nacionais aplicar as normas penais dessas convenções internacionais. Tal corresponderia ao que existe, neste momento, para a Convenção sobre os Crimes de Tortura e Maus Tratos, ou seja: serem competentes os tribunais da nacionalidade ou do Estado de que é nacional o torturado; ser competente o tribunal onde o crime tiver sido praticado ou o tribunal da nacionalidade do torturador ou daquele que pratica esses actos.
Foi esse regime que abriu a possibilidade de um juiz de um tribunal espanhol requerer a extradição de um cidadão que se encontrava em Inglaterra, concretamente o ex-Presidente do Chile, General Augusto Pinochet, ou seja, pedir a extradição dele para ser julgado em Espanha, porque os tribunais espanhóis teriam competência para tal. Portanto, a lógica foi a de entender que o que se devia fazer era alargar este sistema de competência, através de um conjunto de mecanismos de conexão que fizesse com que a conexão não fosse apenas a da nacionalidade do torturado, a da nacionalidade do torturador ou do Estado onde o crime tinha sido cometido. E, fazendo esse alargamento, passar a reduzir os casos em que se justificasse, de alguma forma, a existência de uma jurisdição de excepção.
A terceira linha de força que prevaleceu no Fórum, e sobre a qual não houve unanimidade, foi a de que seria bom, se tal fosse possível, sem prejuízo de a Assembleia da República entender rever os limites máximos penais relativamente a esses crimes, chamados crimes contra a humanidade, estabelecer um limite máximo de pena que não pudesse ser excedido, mesmo quando se verifica a extradição dessa pessoa para ser julgada pelo Tribunal Penal Internacional, e, portanto, conseguir-se, de alguma forma, estabelecer uma espécie de reserva na ratificação que assegurasse que isso fosse alcançado. Mas pensamos que, juridicamente, isso não é possível.
A leitura que fizemos do Estatuto de Roma sobre essa matéria vai no sentido de que isso não é possível. Não sei se, do ponto de vista do direito interno e do ponto de vista das relações de extradição, será possível ao Estado português, ao fazer a extradição, condicioná-la, como condicionava as extradições feitas ao abrigo da anterior legislação constitucional, quando dizia que só extraditaria desde que o Estado para o qual fazia a extradição se comprometesse a não aplicar a pena de morte ou a prisão perpétua. Mas se foi possível fazer isto - nomeadamente, foi possível em Macau, mas, a meu ver, mal, com a República Popular da China - em alguns momentos, ou seja, admitir a extradição, na medida em que o Estado para o qual a extradição se fazia se comprometesse a não aplicar uma pena de prisão perpétua ou pena de morte (caso contrário, não haveria extradição), poder-se-ia admitir que um mecanismo semelhante pudesse ser instituído.
Não havendo este mecanismo, a única coisa que preocupou especialmente o Fórum foi a ideia da - repetindo - não separação clara da natureza política dos crimes contra a humanidade relativamente aos outros crimes e, portanto, a possibilidade de uma "infecção por contágio" dos outros crimes existentes na ordem penal portuguesa, de modo a que viessem a ver a sua moldura penal agravada, porque, como é obvio, indignamo-nos muito mais com o crime praticado relativamente a um filho, a um parente ou a um próximo do que com os crimes praticados (por mais que eles configurem um genocídio) no Cambodja, onde desapareceram não sei quantos milhões de pessoas. Isto porque quanto mais próxima de nós é a vítima, mais a indignação é sentida.
Exactamente porque há um elemento emocional muito marcado nisto, o Fórum chama a atenção para o risco deste "contágio" e, consequentemente, o risco de as pessoas caírem numa indiferenciação da moldura penal criminal, sem distinguirem claramente que estes crimes justificam uma leitura política e uma sanção política e não justificam outra.
No fundo, se quiserem, deixo-vos aqui uma pergunta, à qual não conseguimos responder, que foi esta: se Adolf Hitler tivesse sido condenado por um tribunal português em 1945, ele teria sido solto em 1970. Tê-lo-íamos solto em 1970? Acharíamos bem que ele fosse solto em 1970? Isto não tem a ver com aquela pessoa, com aquele homem; não tem a ver sequer com a reeducação daquele homem; tem a ver, sim, com sabermos se, do ponto de vista político (e do ponto de vista político da Humanidade), a Humanidade estaria em condições morais, políticas e éticas para reconhecer que alguém que foi responsável - pacificamente, é admitido que tenha sido - pela morte de milhões de pessoas, algumas das quais estritamente com o objectivo de liquidá-las e de liquidar um ou vários grupos étnicos, como os ciganos, os judeus, etc., se a Humanidade estaria em condições, repito, de, passados 25 anos, perante esses crimes do nazismo, dizer: cumpriu a pena, pode sair.
Foi perante essa questão, à qual não conseguimos dar resposta, que entendemos ser necessário fazer a leitura política destes crimes. O que é algo extraordinário, porque se trata de uma organização (o Fórum) que, apesar de ter uma preocupação puramente jurídica, no fundo, reconhece que, a partir do momento em que começamos a lidar com estas coisas em termos do conjunto da Humanidade, há uma natureza política que ultrapassa a dimensão criminal individual e, portanto, a relação entre duas pessoas, entre aquele que pratica o crime e aquele que é vítima do crime.
Diria que, relativamente às questões da ratificação do Estatuto do Tribunal Penal Internacional, a única coisa com que verdadeiramente podemos contribuir é com problemas, com dúvidas, mais do que com soluções e redacções mais claras.
No fundo, não somos capazes de encontrar uma formulação, dado o Estatuto que foi aprovado e a necessidade da sua ratificação. Entendemos que o Tribunal Penal Internacional pode constituir algum acrescento, porém temos dúvidas quanto à natureza não política do Tribunal Penal Internacional, quanto aos preconceitos políticos que