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24 DE FEVEREIRO DE 2011

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O Sr. Presidente: — Tem a palavra o Sr. Deputado João Oliveira.

O Sr. João Oliveira (PCP): — Sr. Presidente, esta proposta do PSD levanta-nos algumas dúvidas e

reservas.

Em primeiro lugar, pela questão já referida de as garantias constitucionalmente asseguradas ao processo

criminal serem alargadas aos processos contra-ordenacional e disciplinar. À partida, não nos parece de rejeitar

a ideia de que a lei ordinária possa, em relação aos processos contra-ordenacionais e disciplinares, remeter

para o edifício jurídico do processo-crime — aliás, essa aplicação tem sido inquestionável no processo contra-

ordenacional. No entanto, dar corpo constitucional a esta opção, que é uma opção da lei ordinária e que em

determinados momentos pode não ser correcta, parece-nos excessivo.

Ainda assim, há uma questão importante que ainda não foi colocada e que tem que ver com a perspectiva

conceptual da norma constitucional, porque, aparentemente, a perspectiva conceptual do PSD é diferente da

que está actualmente prevista na Constituição.

Em princípio, uma epígrafe não tem grande importância do ponto de vista da concepção normativa, mas a

verdade é que a epígrafe proposta pelo PSD traduz uma alteração conceptual que, julgamos, deve ser

ponderada politicamente. Ponderar as garantias que o processo criminal deve assegurar aos cidadãos é uma

posição conceptual substancialmente diferente de considerar as garantias do arguido e do ofendido num

processo criminal, contra-ordenacional ou disciplinar, tendo em conta os processos como processos entre

partes.

Isto tem que ver com o seguinte: o processo criminal radica numa relação desigual, em primeiro lugar,

entre o Estado e o interesse punitivo do Estado face aos cidadãos que se comportam não se conformando

com as regras sociais e legais que justificam a tipificação dos crimes e os indivíduos que se encontram nessa

situação de arguidos.

A verdade é que há uma marca no processo-crime que o distingue dos outros processos judiciais. Refiro-

me ao interesse punitivo do Estado que impõe que o processo criminal não seja um processo entre partes,

como acontece com a generalidade dos processos judiciais. E esse interesse punitivo do Estado verifica-se

mesmo quando estão em causa bens jurídicos iminentemente individuais; ou seja, até quando está em causa

a prática de um crime semipúblico ou particular, há um interesse punitivo do Estado que impõe que não haja

um processo entre partes stricto sensu. Esta acção, este interesse do Estado tem de ser assegurado,

correctamente definido e limitado, justificando, obviamente, a intervenção dos magistrados do Ministério

Público.

Ora, a concepção actual do processo-crime impõe que, do ponto de vista da sua organização, haja limites

especiais que têm de ser considerados, designadamente os limites impostos pelo direito de os cidadãos terem

acesso a todos os instrumentos que garantam a sua defesa, tendo em vista a perspectiva de um processo-

crime justo e equitativo.

Portanto, esta proposta do PSD, referindo-se às garantias do arguido e do ofendido, traz uma outra

perspectiva sobre o processo-crime, perspectiva que não é inovadora, porque há países onde, também no

processo-crime, o combate processual é feito com base em regras entre partes, em que o interesse punitivo

do Estado acaba por ficar esbatido perante a posição processual do ofendido directamente pela prática do

crime. Mas essa é uma das concepções que não acompanhamos no âmbito do processo penal.

Além de mais, do ponto de vista conceptual, julgamos que esta redacção proposta pelo PSD pode ser

limitada relativamente às garantias de defesa dos arguidos.

Esta pode ser uma questão meramente simbólica ou pode ser substancial, mas a verdade é que, por

exemplo, o texto actual refere que «O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o

recurso.», o que constitui um «chapéu» sob o qual se vão concretizar as disposições da lei processual penal

relativamente às garantias do arguido. Já a proposta do PSD, referindo-se também ao processo contra-

ordenacionais e disciplinar, estabelece que o arguido «goza das garantias de defesa, incluindo as seguintes:

(…)» — e faz uma enumeração.

Ora, penso que este não será um elenco taxativo — certamente, não é essa a intenção do PSD —, mas a

verdade é que o PSD reconheceu-lhe alguma relevância. Por isso, não compreendemos por que razões não

estão aí previstas outras questões que podem ser determinantes para o exercício das garantias de defesa do

arguido e que já hoje estão previstas na lei processual penal.