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DIARIO DA CAMARA DOS SENHORES DEPUTADOS
forem apropriadas, o systema adoptado na execução do testamento do conde de Ferreira.
As instrucções do sr. Mártens Ferrão, apesar da generalidade com que foram redigidas, tiveram principalmente por fim a execução d'este testamento.
O conde de Ferreira mandara construir, por uma planta uniforme, 120 escolas em capitães de concelho, não podendo haver mais de duas escolas em cada concelho, nem podendo. gastar-se em cada uma alem do 1:200$000 réis, incluindo a mobilia.
Esta quantia fundava-se no orçamento do umas plantas que eu algum tempo antes havia mandado levantar. Era eu então commissario dos estudos no districto do Porto o não tinha um ceitil para escolas.
As minhas plantas, modeladas pelas de França, não podiam deixar de sentir-se d'esta pobreza. Demais, no orçamento d'aquellas plantas não se contava com a mobilia nem com o custo do terreno.
Os testamenteiros não eram obrigados a gastar réis l:200$000 era cada escola, não podiam exceder esta quantia, mas podiam despender menos. A planta devia ser a mesma para todos os concelhos, e como as despezas de construcçâo variam muito nas diversas localidades, os testamentenros precisariam de adoptar uma planta muito acanhada, de maneira que a obra não passasse da quantia designada, ainda nos logares onde estas despezas fossem mais avultadas.
Não havia lei ou regulamento que determinasse as condições a que devia satisfazer uma casa de escola. Por isso os testamenteiros podiam fazer um risco muito simples, e, de certo modo, arbitrario.
Viu o sr. Mártens Ferrão estas difficuldades, diante das quaes o precioso legado do conde de Ferreira não produziria a beneficio da instrucção popular todas as vantagens a que visava o generoso instituidor.
As instrucções d'este ministro definiam o que era uma escola. Desde então se os testamenteiros quizessem fazer uma obra diversa, a auctoridade publica poderia dizer-lhes: «Isso é um armazem ou um barracão, não é uma escola, segundo a legislação vigente, e o testamento está por cumprir».
Mas estas instrucções tornavam o testamento inexequivel. O edificio que se. regulasse por ellas, devia consumir, pelo menos na maior parto das terras, uma quantia superior ao maximo auctorisado, tratando-se da construcçâo em capitães de concelho, onde geralmente os terrenos não se podem adquirir senão por um preço elevado.
A este inconveniente havia o sr. Mártens Ferrão obviado com uma lei que auctorisava as camaras municipaes e juntas de parochia a contratar com os testamenteiros a construcçâo das escolas.
Assim, estas corporações, desejando ser contempladas com o legado do conde, poriam o que faltasse para o complemento da obra; figurariam como uma especie de empreiteiras, e os testamenteiros não tinham que indagar se ellas perdiam na empreitada.
Ao mesmo tempo facilitava-se aos testamenteiros levar a cabo uma empreza de não pequeno tomo, qual era construir edificios importantes em muitas terras do reino.
Elles pozeram a concurso a concessão das escolas, e assim poderam desempenhar-se da sua ardua missão.
Foi n'esse tempo que o sr. Mártens Ferrão inscreveu no orçamento geral do estado os 10:000$000 réis para subsidiar as corporações que se propozessem a construir as escolas primarias.
Não disse nem convinha dizer que se propunha a favorecer as corporações que aspirassem a ter nas suas localidades escolas do conde de Ferreira, mas ficava habilitado para o fazer, se tanto fosse necessario para que o pensamento do testador tivesse a mais proficua realisação.
As instrucções do sr. Mártens Ferrão foram censuradas e expostas á zombaria por pessoas muito auctorisadas. Os Sessão nocturna de 9 de maio de 1879
censores desviavam um pouco os golpes do ministro para os descarregarem sobre mim. Chamavam-lhe utopias, -o tanto o disseram, que eu mesmo estive quasi para o acreditar.
Hoje, porém, a utopia é uma realidade. As 120 escolas estão construidas, e valem muito mais do que os réis 144:000-5000 que para ellas deixara o benemerito testador. E, pois, tempo de mudar as criticas em louvores do ministro que se houve em todo este negocio com uma habilidade que o successo recompensou. '
N'um livro premiado com o elogio de todos os que "entendem da instrucção popular, notou o sr. D. Antônio da Costa nas escolas do conde de Ferreira, se bem me lembro, dois defeitos: o de não ter uma sala separada da aula e o de lho -faltar uma certa extensão de terreno fóra da escola....... -.v..
Pôde ser que o illustrado escriptor visse alguma escola a que faltassem estas condições. E possivel que; algum administrador de concelho menos zeloso deixasse cercear a planta, ou fechasse os olhos á incoherencia: d'ella.
Mas estes casos devem ter sido muito raros, e o certo $ que no desenho não havia nenhum dos defeitos indicados.
A planta da aula propriamente dita teve por modelo o systema americano. Acrescentou-se-lhe, como ordenava o testador, a casa para o mestre, que falta na maior parto das escolas dos Estados Unidos, o que em muitas nações da Europa é cora rasão considerada como uma parte essencial das instituições escolares.
A residencia do professor não é muito ampla.
O terreno tambem não é tanto que abunde para horta do professor, para um pequeno jardim botanico, e para os exercicios gymnasticos; mas era mister attender a que estas escolas tinham do ser construidas em cabeças de concelho, onde os terrenos são mais ou menos caros, e n'aquelle tempo poucos exemplos se podiam citar em França de escolas que tivessem uma extensão de terreno superior, nem ainda igual ao que circumda as do conde de Ferreira.
Referindo a historia do que se passou na execução d'este testamento, deixo indicado o caminho que se deverá seguir, se se quizerem aproveitar os 200:000$000 réis que o governo espera poder incluir no orçamento annual do estado para a edificação de escolas.
A lei actual n'este ponto é manifestamente inexequivel.
Outro defeito capital da lei está, quanto a mim, em repousar nas camaras municipaes.
Parece-me que fóra das cabeças de concelho não póde produzir effeito algum.
Duas vezes demonstrei n'esta camara, com mais largueza do que o desejo fazer agora, que o elemento administrativo das nações, cuja legislação costumámos traduzir, não é um territorio como o nosso concelho, mas sim como a nossa parochia.
Da primeira vez que fiz esta demonstração causei uma certa surpreza. Não se tinha reparado n'este facto, importante para quem pretende copiar leis concebidas para territorios e populações muito mais pequenas.
A camara ouviu n'esse tempo a minha exposição com um lai ou qual interesse e curiosidade; mas infelizmente não se deduziram as conclusões que d'este facto deviam derivar. '•*.'•
A nova lei administrativa deu um passo a favor do governo parochial, mas muito breve e insufficiente.
Na verdade, se dividirmos a superficie da França pelo numero das suas communas, vemos que tocam a cada uma 1:466 hectares.
As nossas parochias do continente são maiores: têem cada uma 2:354 hectares, termo medio.
Dividindo a população da França pelas suas communas, e a do reino de Portugal pelas nossas parochias, achámos 1:023 habitantes n'uma communa franceza, e 1:070 n'uma parochia nossa.
Sessão nocturna de 9 de maio de 1879