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18 ANNAES DA CAMARA DOS DIGNOS PARES DO REINO

Tenho falado com alguns professores do lyceus, dos mais intelligentes, dos mais distinctos, dos mais estudiosos, principalmente com um que fez um curso brilhante na Universidade e dispõe de alto valor intellectual, que me disse que no 7.° anno nenhum dos professores ficava approvado se fosse examinado em todas as materias. Cada um sabe bem da sua cadeira, mas se o obrigassem a responder a todas as materias que se exige ao alumno ficava reprovado.

Neste país ha a mania de reformar tudo, de alterar tudo, e para que todos saibam o que é a nossa legislação, vou mandá-la buscar.

(O orador pede os volumes da legislação, que um continuo lhe apresenta).

São volumes como estes. Quasi que teem de vir a pau e corda. Cada anno faz-se um volume d'estes. Eu não posso com elles.

Cada Ministro que vae ao poder gosta de ver o Diario do Governo cheio de providencias da sua lavra e arranja estas obras!

No nosso país está constantemente a reformar-se tudo, mais de cada vez fica tudo peor.

Na Universidade de Coimbra querem agora que os alumnos do curso de direito façam exames de cada uma das materias professada em cada anno, quando ainda ha pouco se fazia um só exame, de todas as disciplinas.

Entenderam que era naturalmente melhor que de cada materia se faça separadamente o exame, em vez de o fazerem por conjunto de disciplinas.

Então se no curso de direito se fazem tantos exames quantas as materias leccionadas durante esses annos, porque não se ha de fazer o mesmo para a instrucção secundaria?

Pois o que acham mau na Universidade trouxeram para a instrucção secundaria!

Não comprehendo isto.

Se é bom para a instrucção secundaria, tambem o é para a Universidade, onde ha rapazes com mais idade, intelligencia mais desenvolvida.

Já V. Exa. vê que esta questão interessa muito a nossa população academica e tem preoccupado muita gente.

Ha pouco recebi um livro do professor Sr. Antonio Maria de Almeida, regente da escola central n.° 4, de Lisboa, em que analysa com grande proficiencia e com grande copia de conhecimentos o assunto que tenho tratado.

Este livro é muito curioso, muito instructivo, tem dados interessantes.

Para V. Exa. ver tambem como as leis do nosso país são feitas pelos individuos que as redigem e que não dão lustre aos seus nomes, basta mostrar alguns dados que o livro contem.

Sr. Presidente: Quer V. Exa. ver quantas leis se teem publicado para tornar a instrucção primaria obrigatoria no nosso país, que tem ainda perto de 80 por cento de analphabetos?

Tenho aqui a nota de tudo isso, que não desenvolvo para não estar a demorar, mas a que não posso deixar de fazer uma pequena referencia.

O ensino obrigatorio é um preceito que existe consignado nas leis desde 1844 (lei de 20 de setembro de 1844). Repetiu-se na lei de 6 de junho de 1864; na lei de 2 de maio de 1878; na lei de 28 de junho de 1881; no decreto de 22 de dezembro do 1894 e ainda na lei de 24 de dezembro de 1901.

Leis não nos faltam, o que falta é a sua execução. Tenho conhecido muitos Ministros que depois de verem as suas leis publicadas no Diario do Governo desinteressam-se e nunca mais pensam nellas para lhes dar execução.

Portanto, desde 1844 se diz que a instrucção primaria ha de ser obrigatoria, mas estamos em 1903 e temos perto de 80 por cento de analphabetos.

Aqui está de que servem estes grandes volumes de legislação que aqui tenho.

Alem d'isso a legislação é muito difficil de manusear porque quando se revoga uma lei deixam-se em vigor muitas disposições de leis anteriores e isto tambem é muito inconveniente, porque tem de se compulsar muitos volumes da legislação. Qual o motivo por que quando se faz uma lei não se transcrevem as disposições anteriores que se quer conservar?

Isso facilitava mais, e não havia necessidade de recorrer a outros documentos, o que só serve para difficultar o trabalho.

Eu vou ler um periodo do livro do professor Antonio Maria de Almeida, para que V. Exas. vejam a analyse muito proficiente que elle faz da instrucção primaria, dos seus programmas e dos seus compendios.

Na pagina 140 lê-se:

"O livro que em muito rapido escorço temos passado em revista, collocando-nos sempre no ponto de vista da commissão, não corresponde nem aos encomios que prodigamente ella lhe dispensou, nem á reputação literaria de que justamente gozam os seus autores. E poio que nelle se encontram, como cremos ter demonstrado:

a) Linguagem inaccessivel á comprehensão das crianças a que é destinada;

b) Incorrecção de linguagem;

c) Pessima conformação pratica resultante da má escolha e peor distribuição dos trechos;

d) Incoherencias orthographicas;

e) Alguns erros palmares de sciencia;

f) Grande numero de plebeismos e de termos de giria, improprios da conveniencia escolar e domestica:

Devia o mesmo livro, segundo o criterio da propina commissão, ser rejeitado e não approvado".

Sr. Presidente: é assim que se expressa este douto professor com respeito aos programmas da instrucção primaria e aos seus compendios.

Recommendo a SS. Exas. a leitura d'este livro, porque, como acabam de ouvir, aquelle professor faz uma analyse completa e proficua a respeito da instrucção e principalmente dos compendios.

Para aggravar este estado de cousas até os compêndios são mal feitos, incomprehensiveis. Alem d'isso ha mais de um compendio approvado para cada materia. Assim, uma criança que por qualquer circunstancia muda de collegio está sujeita a que para o mesmo estudo lhe exijam outros compendios.

Vejam S. Exas. o quanto é isto inconveniente para o estudo da criança e ainda para a bolsa dos pães, que a maior parte são pobres e assim se vêem em grandes difficuldades para mandarem educar os seus filhos.

São tantos os livros exigidos que a criança não pode transportá los; é quasi preciso um criado para os levar para as aula?.

É preciso pôr cobro a isto.

O Sr. Presidente do Conselho, que está governando, que é de um grande patriotismo, volva a sua attenção para o ensino, que, tal como está, só serve para estragar crianças.

Espero que alguns collegas meus tambem tratem d'este assunto, que é primordial.

Eu tenho aqui umas notas sobre a percentagem de analphabetos, para mostrar o atraso em que estamos, em comparação com os países similares.

A população de Portugal, pela estatistica de 1900, é de 5.423:132 habitantes:

Homens................ 2.091:600

Mulheres...............2.831:532

Mulheres a mais........ 239:932

Analfabetos:

Homens................ 1.850:091

Mulheres.............. 2.406:240

Total..... 4.261:336

Isto não contando ainda com os mancebos até 6 annos, que é a idade escolar. Quer dizer, não sabem ler 72 por cento.