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SESSÃO N.° 9 DE 25 DE MAIO DE 1908 9

cá-lo, esmagá-lo, trucidá-lo, que elle não tinha já sangue para reagir.

Esqueceu-se que este povo descende dos heroes de Aljubarrota, dos de 1640, dos que expulsaram os franceses, dos que repelliram os Cabraes. Esqueceu-se das leis atavicas e calculou que o povo que governava tinha perdido o caracter dos seus maiores.

Quando lhe recommendavam prudencia, tino e morigeração, respondia que era necessario um acto de força.

Quem pugnava pela manutenção das leis, das liberdades consignadas na Constituição, tinha menos garantias que o assassino, o incendiario, o ladrão.

Estes eram julgados segundo as leis do reino, aquelles eram submettidos á vontade despotica do ditador; atirados para as masmorras, incommunicaveis, sem poderem defender-se, sem poderem dar testemunhas, sem terem advogados, sem terem nada que lhes garantisse o poderem provar a sua inocencia.

O Sr. João Franco, não contente com o mal que estava causando ao país, desacreditava-nos lá fora e teve a imprudencia de mandar dizer que, quanto maiores fossem as difficuldades que tivesse de vencer, mais brilhante seria o seu triumpho.

Havia por toda a parte um mal estar enorme.

Não havia senão o terror. Nos homens, nas crianças, nas senhoras, em toda a gente. Parecia que uma atmosphera de chumbo pesava sobre todos nós. Eu escrevi em 1 de junho uma carta aberta a Sua Majestade El-Rei, que fiz publicar no Correio da Noite, carta muito respeitosa, e nem outra cousa eu podia nem devia fazer, por todos os motivos, em que expandia a minha alma, com o fim de ver se contribuia, ainda que com uma pequena parcella, para que se entrasse na normalidade, porque previa, como toda a gente, que o final da scena que se estava desenrolando não podia deixar de ser desastrado.

O Sr. Julio de Vilhena, que me está ouvindo, tambem bastantes diligencia empregou. Nada conseguiu, mas cumpriu o seu dever.

O Sr. Julio de Vilhena previu e previu bem que o caminho que as cousas iam seguindo terminava por um crime ou por uma revolução. Era inevitavel.

Na carta a que me estou referindo dizia eu, entre outras cousas, o seguinte:

"Quem toma o pulso ao sentir da nação pode reconhecer o perigo enorme que todos nós corremos; ha de reconhecer a gravidade do caminho em que o Governo se lançou, ha de reconhecer a anarchia que lavra nos espiritos".

Dizia mais, referindo-se ao Sr. João Franço:

"Este homem, que até ha pouco constituia uma esperança, constitue hoje um perigo grave, enorme, se Vossa Magestade não lhe oppuser sua regia autoridade".

Não era só em Lisboa que todos estavam aterrados, nas provincias acontecia a mesma cousa.

E eu, que era amigo dedicado do Sr. João Franco, fazia votos para que elle recuasse no caminho que ia trilhando, que todos viam, menos elle, que lhe havia de ser fatal.

Se S. Exa. se tem retirado na occasião em que viu que não podia cumprir o seu programma estaria em breve 10 poder.

Dizia eu ainda na referida carta:

"O Sr. Presidente do Conselho aniquilou. de repente todo o seu passado; enganou a nação, offendeu a Deus porque faltou ao seu juramento, comprometteu o seu Rei, que é Rei de nós todos, e lançou a perturbação no país, alarmando os espiritos pelo assombro que em todos causou o seu perjurio e repudio das suas affirmações.

A nação está assombrada perante a attitude do Governo, sem saber por onde todos nós caminhamos, que futuro nos espera a todos, Rei e povo, instituições e patria.

Do caminho em que o Governo se lançou pode sair tudo, perda das instituições e aniquilamento da nossa nacionalidade.

O respeito que devo a Vossa Majestade impede-me de ser mais explicito. Quem disser a Vossa Majestade que o país está tranquillo, que a opinião publica está com o Governo, engana-o.

A anarchia dos espiritos é enorme. O receio de futuros e pungentes acontecimentos é aterrador".

Sr. Presidente: o desvairamento do Sr. João Franco era de tal ordem que nem gostava que lhe dissessem a verdade.

Sei de um official do exercito com quem o Sr. João Franco ficou indisposto por o haver prevenido do perigo que corria.

Nada queria ouvir, a ninguem que na attender. Seguia o seu caminho num desvairamento doido, que o havia de precipitar no abysmo. Todos viam isto menos elle.

Sr. Presidente: desculpe-me V. Exa. e a Camara que leia ainda alguns periodos da carta:

"Eu fui dentro do partido progressista o mais fervoroso apostolo do Sr João Franco, fui o mais acerrimo propugnador da concentração liberal, fui na Camara dos Pares o mais enthusiasta pelas suas promessas governativas, porque me convenci que eram sinceros os seus propositos, de que eram leaes as suas palavras, de que era só e unicamente o bem da patria que o impulsionava.

Meu Senhor: - O Governo faltou a todas as promessas que fez a Vossa Majestade e á nação. Nada mais pode fazer de util e proveitoso. Agora, d'ahi por deante, só pode ser prejudicial preparar dias calamitosos á patria.

Assim, pois, Senhor, atrevo-me a implorar a Vossa Majestade que medite sobre a gravidade da situação que está atravessando o país.

Em Vossa Majestade eu confio, como confia o país inteiro, que neste momento solemne anceia pelo regresso á normalidade constitucional, para que os espiritos se tranquillizem e a nação socegue e progrida".

Sr. Presidente, assim finalizava eu esta carta, escrita 7 meses antes da fatal tragedia! Não fui um vidente, apenas traduzi a opinião do país. Não soube ser tão conciso como o Sr. Julio de Vilhena, mas traduzi com muita antecipação o seu pensamento. Sr. Presidente: eu apoiei fervorosamente o Sr. João Franco na primeira phase do seu Governo, com o maior enthusiasmo, não só porque o meu partido assim o determinou, mas tambem porque era esse o meu sentir, e muita pena teria se o partido a que pertenço me não desse liberdade para o poder fazer. Em eu não sentindo, já não sei falar, nem escrever, nem apoiar. Pus nesta carta, Sr. Presidente, toda a minha sinceridade. Estava desejoso de que Sua Majestade tivesse conhecimento do que se passava, e que reflectisse maduramente sobre o sentir da nação.

Estava certo de que El-Rei me não chamaria interesseiro, pois que não era o interesse que me movia, era apenas o amor do meu país, a tranquillidade d'este bom povo o que me impulsionava. Em 26 de junho publicava eu outra carta no Correio da Noite, porque via que as cousas se iam aggravando de dia para dia, e que o Governo caminhava a passos agigantados para a fatal ruina. Arrisquei-me a desagradar ao ditador; era o mesmo, cumpria o meu dever.

Nesta outra carta dizia eu, entre outras cousas, o seguinte:

"Triste gloria é a do Sr. João Franco! Não se lembra de que o seu sup-