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18 Diário da Câmara dos Deputados

De pesquisa em pesquisa, dirigi-me finalmente à Repartição das Subsistências (Largo de S. Roque), onde consegui saber que fora para ali requisitada a guia e lá a encontrei; é do teor seguinte:

Leu.

Não era uma guia falsa, mas dava-se o caso, para que desejo chamar a atenção do Sr. Ministro da Agricultura, lastimando não estar S. Exa. presente.

Estas guias são passadas mediante a apresentação dum nome e declaração de qual é a câmara do destino para o açúcar requisitado, tudo acompanhado do sêlo em branco da câmara requisitante.

Falo diante de quem conhece o que são algumas das câmaras do país.

O sêlo em branco de muitas câmaras está na gaveta dum tendeiro, que muitas vezes é o presidente da Câmara referida. O secretário é igualmente quem põe e dispõe.

O presidente tem sempre a importância dum distribuidor de lavores, e o solo em branco anda à vontade para todos que dêle queiram servir-se.

Apresenta-se um tipo sem escrúpulos, pretendente a açúcar, e na requisição logo é pôsto o sêlo branco com todo o favoritismo de que o sujeito procurou rodear-se.

Àpartes.

Como as guias não têm registo e são os chefes dos caminhos de ferro que as guardam, sucede esta cousa monstruosa: um indivíduo apresenta-se na estação, afirma que pretende mandar para um determinado ponto tantas sacas ou tantos fardos dum determinado género, e o chefe, invariavelmente, responde-lhe: "O senhor deseja guias de quantas sacas ou de quantos fardos? Eu tenho aí guias que lhe devem convir". E desta forma se negoceiam guias que permitem que êsses produtos, furtados ao consumo de Lisboa e Pôrto, atravessem impunemente o país através das suas linhas de caminho de ferro, com a cumplicidade de funcionários do Estado e de empregados ferroviários, e sem que qualquer autoridade lhes embargue a passagem. Isto é perfeitamente pasmoso e não cai na alçada da lei que o Sr. Ministro da Justiça nos vem trazer, o que é absolutamente lamentável e tem de ser remediado.

Mas há mais. Quando procedi às minhas investigações eu tive conhecimento de que se passavam guias para uma certa quantidade de açúcar ao preço da tabela, $46 se não me engano. Ia-se à Companhia dos Açúcares, que recebia os fregueses nos seus guichets e passava-lhes recibos das suão compras, relativos ao preço da tabela. Os clientes entravam logo no gabinete da direcção, onde se lhes cobrava a diferença. Assim, êsse açúcar era pago particularmente a $70. Era a cumplicidade do comprador e do vendedor, para na província o açúcar ser consumido a 2$ e 3$, enriquecendo os açambarcadores.

De arroz não falamos. O que se passou ontem nesta casa do Parlamento é bastante elucidativo sôbre o estado da psicologia moral do povo português desde os mais humildes até os mais cotados. Eu creio que o arroz de que ontem se falou, ou já se comeu ou está podre. Houve manifestamente uma falta de correcção, de franqueza e de escrúpulos que mostram bem o que é a nossa administração dos negócios públicos.

O Banco Nacional Ultramarino tem um processo pela venda de 40 sacas de arroz avariado, a $15 o quilograma, que lhe for ram apreendidas na Rua das Fontainhas. Eu pregunto ao Sr. Ministro da Justiça se S. Exa. terá coragem, porventura, para ir aplicar às entidades do Banco Nacional Ultramarino a lei que fôr aprovada.

Nós temos o desgraçado exemplo do vermos os grandes passarem pela malha das leis, praticando toda a qualidade de infâmias e de crimes, assassinando e envenenando a população com géneros falsificados.

Não venham dizer-me que, se por acaso o prevaricador se chamar Alfredo da Silva ou Castanheira de Moura, será castigado e, metido como qualquer outro na cadeia. É falso.

Os que aprovam agora essas punições seriam os primeiros a meter empenhos, por portas travessas, no sentido de se lhes não aplicarem as penalidades.

O nosso país atravessa neste momento uma grande crise, a crise de caracteres, a crise moral. Deu-se uma fraude no Ministério dos Negócios Estrangeiros. E provável que o delinquente seja punido, porque se trata dum desgraçado que pe-