O texto apresentado é obtido de forma automática, não levando em conta elementos gráficos e podendo conter erros. Se encontrar algum erro, por favor informe os serviços através da página de contactos.
Não foi possivel carregar a página pretendida. Reportar Erro

17 DE JUNHO DE 1971 825

político que habitualmente escreve uma centena. Não o é também o académico que, instalado no seu escritório, longe do tumulto da multidão, discorre acadèmicamente sobre os acontecimentos distantes. O jornalista é aquele que só faz jornalismo, que traz tudo para o seu jornal, que só trabalha para o seu jornal, que corre o mundo para o seu jornal, e que, quando a noite tomba e quando todos dormem ou se divertem, se debruça sobre as provas ainda húmidas ou sobre o chumbo ainda quente, e põe o melhor do seu cérebro na confecção de um número de jornal. O jornalista é, numa palavra, aquele que não tem outro ofício senão o de jornalista.

53. Ao lado dos jornalistas profissionais, desempenhando por forma que jamais será devidamente louvada as funções correspondentes à sua categoria, que asseguram a vida do jornal sem olhar a horas de trabalho, correndo o risco de guerra, que à verdade e rapidez da informação sacrificam, sendo necessário, a própria vida, existiram outros jornalistas que, sem estafem ligados por qualquer contrato, prestigiaram, por igual, o jornalismo e as mais diversas actividades a que se consagraram.
Entre outros, podem citar-se os nomes de António de Sousa Macedo, jornalista do século XVII, Herculano, Carreto, Rodrigo da Fonseca, José Estêvão Coelho de Magalhães, António Luís de Seabra, Pinheiro Chagas, Oliveira Martins, Mariano de Carvalho, Rebelo da Silva, Antero de Quentail, Magalhães Lima, João Chagas, Teixeira de Vasconcelos, Bento Carqueja, Eduardo Schwalbach, Moreira de Almeida, Raul Brandão, Carlos Malheiro Dias, Henrique Lopes de Mendonça, Homem Cristo, Agostinho de Campos, Júlio César Machado, Rodrigues Sampaio, António Enes, Emídio Navarro, Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Eduardo Coelho, padre Sena Freitas, Marcelino Mesquita, Fialho, Moniz Barreto, José de Apoim, Brito Camacho, Mayer Garção, Alberto de Oliveira, Fernando de Sousa, Joaquim Manso, Marques Guedes e Júlio Dantas.
Jornalistas admiráveis e admirados em qualquer país, o seu talento não se extinguiu: pela clareza do seu estilo, pela limpidez do seu raciocínio, pelo sentido das proporções, pela oportunidade da crítica, pela riqueza e multiplicidade das suas facetas literárias. Há que conservar alto o facho que nos legaram.

54. Falando na Academia das Ciências de Lisboa por ocasião da comemoração do tricentenário da Gazeta, primeiro periódico noticioso publicado em Portugal, que no sen primeiro número deu, entre outras notícias, a relativa aos feitos de armas portuguesas em Trás-os-Montes, Joaquim Manso ocupou-se, com a autoridade que provinha no seu alto magistério na imprensa, dos vícios e das virtudes do jornalismo, enumerando as qualidades que a profissão requer: «O jornalismo exige clareza mental, bom senso, visão rápida e segura, sentido moral agudo, a fim de não misturar, na forja em que têm de trabalhar, o certo com o incerto, a paixão cega com a tolerância amável, o episódio inventado com a realidade bem observada.»
Se se lhe juntar a concisão e sobriedade na notícia, o escrúpulo no apuramento dos factos, a selecção dos assuntos, o respeito pela verdade, pela vida privada e Peia honra das pessoas, ter-se-á completado o retrato de jornalista perfeito.

55. Mas o exercício da profissão ainda se reveste de outros aspectos: a preparação profissional e a deontologia contam-se entre os mais significativos.
Ainda que se exija do jornalista larga cultura geral, poder de síntese, facilidade de improvisar, capacidade para distinguir a verdade da mentira, o essencial do acessório, ele tem sido fundamentalmente um autodidacta, que, mercê das suas qualidades, se formou na dura escola da vida.
Em Portugal, ao contrário do que se passa na vizinha Espanha e em tantos países, não existem escolas destinadas à formação de jornalistas em que se ministrem os conhecimentos culturais e técnicos de utilização corrente no exercício da profissão.
Para preencher esta lacuna, o Sindicato Nacional dos Jornalistas, sempre atento na defesa dos interesses profissionais, elaborou um projecto do ensino de jornalismo em Portugal, o qual, depois de aprovado pela respectiva assembleia geral, foi entregue ao Sr. Ministro da Educação Nacional em 4 de Fevereiro findo.
No acto da entrega, o presidente da direcção do Sindicato Nacional dos Jornalistas, falando em seu nome, teve ocasião de acentuar:

Reivindicam o ensino do jornalismo ao nível superior, porque, no contexto actual da profissão, o conhecimento transmitido no interior das redacções ou adquirido pela via do autodidactismo já não responde às exigências decorrentes da crescente complexidade da informação responsável.

E acrescentou:

Um jornal não é uma Universidade, mas também não deve ser uma exposição de imbecilidades, um estendal de propaganda ou uma fábrica de imprecisão. Tal ensino é necessário, é possível e é condição imprescindível a que o povo português disponha da informação a que tem direito e o progresso do País não pode dispensar.

Considera-se, de facto, da maior importância que se cuide do ensino do jornalismo a nível adequado. Com efeito, a preparação profissional do jornalista já não pode ter base no empirismo dos conhecimentos transmitido na redacção, ou, no melhor dos casos, no autodidactismo. Visa. de algum modo. resolver o problema a base III da proposta de Lei n.° 5/X sobre ensino politécnico (cf. Actas da Câmara Corporativa, n.° 13, de 9 de Janeiro de 1970), em que se prevêem cursos no sector da informação.
Como a lei de imprensa será o que fizerem dela os jornalistas, há o maior interesse em valorizar a profissão, a fim de estar à altura da função social que lhe compete desempenhar. Por outro lado, torna-se necessário preparar os jornalistas para resistir a dois dos maiores flagelos da imprensa: o sensacionalismo e a intolerância.

56. Numa entrevista que concedeu a António Ferro, o qual se queixava da continuação do regime de censura prévia à imprensa, Salazar sugeriu-lhe a criação de uma ordem dos jornalistas, que, à semelhança da Ordem dos Médicos e da Ordem dos Advogados, acautelasse a dignidade da profissão, sendo os próprios jornalistas a fiscalizar o cumprimento das normas de ética profissional, aplicando sanções àqueles que cometessem abusos (cf. Diário de Notícias, de 20 de Dezembro de 1932).
O principal argumento que se poderia invocar contra a criação de uma ordem dos jornalistas é o de que seria difícil dar-lhe um estatuto semelhante ao das ordens tradicionais.
Dadas as dificuldades da sua constituição, têm sido procuradas para o problema outras soluções, aliás compatíveis com a existência de uma ordem de jornalistas.