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840 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 73

O relator do projecto de lei em que aquela proposta se converteu, Deputado Gaspar de Queirós Ribeiro, depois de refutar a denominação de ukase policial dado à referida apreensão, justifica esta nos seguintes termos:

Há crimes de imprensa tão graves que a sua repercussão põe em risco a tranquilidade pública ou exerce na sociedade uma acção profundamente funesta.
Um periódico de larga circulação, que, pela pena de um general prestigioso, incitasse o povo e o exército a revolta não podaria arrastar a Pátria a uma luta fratricida?
Um jornal que cubra de impropérios e de calúnias o Chefe do Estado não pode empalidecer a auréola de respeito em que todas as nações precisam envolver quem exerce a mais alta magistratura?
Uma folha pornográfica, que, explorando torpes tendências, encher a rua de estampas e de escritos obscenos, não poderá tomar-se um elemento dissolvente dos costumes, cuja bondade é o gerador e o barómetro da ventura geral?
Diante desses crimes, o Estado, que, em vez de correr pressuroso a localizar e extinguir o incêndio, cruza os braços fleumàticamente, à espera do processo, deve ir também para o banco dos réus: é, pelo menos, seu cúmplice!

E por a lição da experiência confirmar a teoria, aquele Deputado recordou o exemplo da legislação francesa, em que o direito da apreensão, atacado e batido, aquando da discussão do projecto que veio a converter-se na Lei de 29 de Julho de 1881, e confinado ao crime de ultraje à moral pública, ressurgiu logo a seguir, visto a experiência ter falhado, em relação a outros crimes: ofensas ao Chefe do Estado e agentes diplomáticos estrangeiros; provocação a quaisquer crimes ou delitos; provocação directa, mas sem efeito, ao roubo, homicídio, saque, fogo posto ou a qualquer dos crimes previstos no artigo 435.° e nos artigos 75.° até 85.°, inclusive, do Código Penal francês; apologia dos crimes de homicídio, fogo, roubo ou qualquer dos previstos no artigo 435.° do mesmo Código; provocação e desobediência militar (cf. relatório e projecto da lei sobre liberdade de imprensa apresentado à Câmara dos Srs. Deputados, por parte da Comissão de Legislação Criminal, pelo relator, Gaspar de Queirós Ribeiro, pp. 62 a 64).
Na verdade, embora a- liberdade de publicação deva compreender a de circulação, o certo é que tanto esta corno aquela só são livres na medida, em que são lícitas. Daí a circunstância de a generalidade das leis de imprensa fixarem, limites à circulação, afixação ou exposição de impressos, admitindo, verificadas determinadas condições, a sua apreensão. Em França (Leis de 29 de Julho de 1881, 16 de Março de 1893, Decreto de 6 de Março de 1939, Leis de 25 de Março de 1935 e de 3 de Abril de 1955), na Espanha (artigo 64.° da Lei de Imprensa), no Brasil artigo 7.°, § 2.°, e artigo 61.° da Lei da Informação), na Grécia (artigo 85.° da Lei de Imprensa).
Os diferentes estados da Alemanha também prevêem a apreensão, efectuada em alguns à ordem da autoridade judicial e noutros à da autoridade administrativa.
Em Portugal, no que respeita a legislação publicada durante o actual regime, verificou-se em matéria de apreensão a evolução seguinte: a Lei de 9 de Julho de 1912 só permitia a apreensão nos seguintes casos: falta das indicações legais exigidas no artigo 5.° do Decreto de 28 de Outubro de 1910, ultraje às instituições e injúria e difamação ou ameaça, ao Presidente da República, pornografia ou linguagem despejada.
A Lei de 12 de Julho de 1912 acrescentou àqueles casos o de provocação ao não cumprimento dos deveres militares.
O Decreto n.° 2270, de 12 de Março de 1916, acrescentou-lhes os de difusão de boatos ou informação capaz de alarmar o espírito público.
O Decreto n.° 12 008, lei em vigor, juntou-lhes os casos previstos nos artigos 159.°, 160.°, 420.° e 483.° do Código Penal.
Pelo Decreto-Lei n.° 37 447, de 13 de Julho de- 1949, na sequência da competência estabelecida no artigo 1.° da Lei de 9 de Julho de 1912, as autoridades de segurança pública pedem apreender as publicações, imagens ou impressas pornográficos, subversivas ou simplesmente clandestinos.
Durante o ano de 1969 foram apreendidos cerca de 383 000 exemplares de publicações pornográficas, provenientes de países estrangeiros, assim discriminados:

1) Brasil — 180 000 exemplares;
2) Dinamarca e Suécia — 150 000 exemplares;
3) Alemanha, França, Holanda, Noruega e Estados Unidos da América — 53 000 exemplares.

Essas publicações, corno se referiu em circular da Direcção-Geral de Administração Política e Civil, «excedem tudo quanto poderá supor-se em requintes de obscenidades, explorando, sobretudo, motivos da mais repugnante homossexualidade», com vista «a destruir na juventude as barreiras do pudor e da sensibilidade moral».
A imprensa portuguesa, honra lhe seja, não se tem prestado a ser agente de perversão de costumes através da divulgação de publicações pornográficas.
Em resumo: no regime em vigor, entre outros casos, qualquer boato ou informação capazes de alarmar o espirite público, bem como o emprego de linguagem despejada, é susceptível de justificar a apreensão.
E, embora a lei tivesse atribuído à autoridade administrativa ou policial a faculdade de proceder a essa apreensão (artigos 3.° da Lei de 12 de Julho de 1912 e 2.° do Decreto n.° 2270, de 13 de Março de 1916). a verdade é que, ao contrário do que «e passa em França, os- casos de apreensão de jornais são raras, o que, se mostra, por um lado, a correcção da imprensa, documenta, por outro, o procedimento daquelas autoridades.
A proposta restringe a ilicitude aos casos em que a publicidade do escrito integre crime contra a segurança exterior ou interior do Estado ou ultraje à moral pública, constitua provocação pública ao crime ou incitamento ao emprego da violência, o escrito haja sido suspenso, não se tenha submetido a exame prévio, nos casos excepcionais em que o mesmo se estabelece, ou ainda quando seja clandestino [base IX da proposta, alíneas a) a d)].
A razão do assim preceituado é evidente. Na verdade, se todas podem pronunciar-se sobre determinada concepção do Estado ou da Constituição, já lhes não é lícito subverter por meios violentos a ordem jurídica, pôr em risco a existência do Estado, a sua segurança exterior ou interna, a integridade ou independência da Pátria.
Quando tal se verifique, às autoridades assiste o direito do impedir a circulação do escrito que incite à revolução e à violência.
O mesmo procedimento lhes compete adoptar nos casos de ultraje à moral pública tantas vezes ofendida com a licenciosidade de certas publicações susceptíveis de excitar os desejos sexuais mais grosseiros e de explorar os mais baixos instintos.