844 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 73
Rui Barbosa, quase três séculos depois, havia de retomar o tema. A sua eloquência lembra a de Vieira:
O ladrão prostitui com o roubo as suas mãos. O mentiroso, com a mentira, a própria boca, a palavra e a consciência. O ladrão ofende o próximo nos bens de fortuna. O mentiroso não é no património, é na honra, na liberdade, na própria vida. Tanto vai do latrocínio à calúnia. Do ladrão nos livra a tranca, o apito a guarda. Do mentiroso nada nos livra; porque o enredo, a invencionice, a detracção volatilizados no ar, depois de tramados, sussurrados, cochichados ou temperados com os condimentos do jornalismo, são impalpáveis como os germes das grandes epidemias (cf. Buí Barbosa, Obras Completas, vol. XLVI, tomo I, p. 32).
E Salazar havia de dizer que "a falta de coincidência entre as instituições e es seus fins, entre a aparência dos preceitos e a sua realidade profunda, entre a lei e a execução, fez da vida administrativa do País uma mentira colossal".
E, como o maior remédio contra a mentira é ainda a verdade, o seu primeiro cuidado foi o de empreender uma série de reformas tendentes a modificar o estado de coisas que lhe merecera comentário tão acerbo. Uma grande pai te da imprensa acompanhou-o na realização dessa política de verdade, outra ser-lhe-á posto reservas ou discordado mesmo da forma como era executada.
Nada mais natural.
É que, como já notara Chateaubriand, "em matéria de governo, as verdades são relativas e mão absolutas; as liberdades públicas não estão sujeitas às mesmas regras; elas podem existir nas mais diversas instituições. Compreende-se que, segundo as circunstâncias, se modifique a opinião que se poderia ter tido sobre e"ta ou aquela lei, e se admita, numa determinada época, sem se contradizer, uma medida que se havia recusado noutra" (cf. François René de Chateaubriand, Choix de textes et introduction par Gustave Thibou, Rocher, Mónaco, 1948).
Mesmo sem se cair no exagero de Pascal, ao admitir que um meridiano podia decidir da verdade - "verdade do lado de cá dos Pirenéus, erro do lado de lá" (cf. Pascal, Pensées, édition Lutetia, p. 176), não há dúvida de que a verdade admite um certo grau de contingência e que a "verdade" do jornalista não afina pelo diapasão da do cientista.
Em qualquer notícia ou comentário e necessário conter com o subjectivismo de quem a relata ou o faz, por vezes debaixo da mais forte emoção.
Mas, se es jornalistas estão, como aliás todos os homens, sujeitos a erros, daí não se infere que "a liberdade de imprensa implica, o direito de errar", como se afirmou em recente colóquio promovido pelo Sindicato Nacional dos Jornalistas e pela Casa da Imprensa, em que se debateu a proposta em apreciação (cf. Seara Nova, n.° 1504, Fevereiro de 1971, p. 6). Não. Liberdade e direito não são a mesma coisa. O homem é livre de praticar ou não um crime - facto voluntário punido pela lei penal -, pois a voluntariedade assenta na liberdade e na inteligência, mas não tem direito ao crime, embora, verificadas determinadas circunstâncias, deva ter-se o facto como justificado.
A liberdade coincide com o lícito jurídico.
Os jornalistas podem errar, revestindo o seu erro dois aspectos: involuntário e voluntário.
No primeiro caso, salvo negligência gravo, o erro é desculpável; no segundo, o erro não só é censurável como deve ser passível de sanção criminal, quando, havendo dolo, dele resultar dano individual ou social.
Ao direito do jornalista a informar, corresponde o direito dos leitores a serem correctamente informados. Não procede com lealdade para com os seus leitores o jornalista que, levado pela paixão ideológica ou por qualquer motivo menos nobre, dá de má fé notícias falsas ou deturpadas, contribuindo assim para que muitos daqueles que confiam no seu jornal habitual formulem juízos errados ou tirem conclusões inexactas.
Ao lado do uso do direito - recolha e difusão das informações - há o seu abuso - forja ou deturpação das mesmas -, e o acto abusivo não é, por definição, um acto praticado no exercício de um direito, visto este acabar ainda o abuso começa.
A verdade da informação é um postulado. Ao direito de informar corresponde, para o jornalista, o dever de informar com objectividade e verdade.
Reconhece-se, entretanto, que a alínea d) da base XI da proposta, embora certa como disposição puramente programática, é imprecisa e vaga, porquanto "a verdade", "a justiça", a "boa administração" e o "bem comum" não são a mesma coisa para todas as pessoas, pois muitos poderão considerar errada uma administração que outros terão como boa e isenta de defeitos.
Por isso, a Câmara sugere a sua eliminação. Há necessidade, por outro lado, ide defender os indivíduos contra qualquer ofensa ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral (Código Civil, artigo 70.°). É a protecção dos chamados direitos de personalidade - direito à vida, à integridade física, à liberdade, à honra, ao bom nome, à saúde, ao resguardo da vida privada e até ao repouso essencial à existência física, que a lei tutela em relação a todos, e, portanto, também em relação à imprensa.
Assim, a pessoa ofendida na sua honra e consideração, para atenuar os efeitos da ofensa, poderá pedir, como se tem verificado em França, a apreensão do jornal que cometer a infracção.
Também o retrato de uma pessoa não pode ser exposto, reproduzido ou lançado no comércio sem o seu consentimento, salvo nos casos em que a sua notoriedade, o cargo que desempenha ou exigências da polícia ou outras análogas o justifiquem.
De qualquer forma, "o retrato não pode ser reproduzido, exposto ou lançado no comércio, e do facto resultar prejuízo para a honra, reputação ou simples decoro da pessoa retratada" (Código Civil, artigo 79.°). Por outro lado, "todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem" (Código Civil, artigo 80.°). "O domínio moral, que constitui a vida íntima da família, da mulher, do filho, com os hábitos particulares do lar, deve ser defendido como o bem mais sagrado contra as intrusões de fora e não se pode admitir que um jornalista queira justificar, pelo simples facto de ser jornalista, o direito de penetrar no lar doméstico com o fim de devassar a vida íntima, de divulgar os hábitos e os actos da família para os entregar à publicidade (cf. Georges Duplat, Lo Journal, p. 216).
O Código Penal, por sua vez, protege os direitos de personalidade contra a difamação e a injúria (artigos 407.° e 410.°).
92. Constituindo os tribunais um dos órgãos da soberania e uma instituição fundamental do Estado, a sua autoridade, independência e imparcialidade não podem ser discutidas através da imprensa.
Também a prevenção e repressão do crime justificam que o processo penal seja secreto até ser notificado o despacho de pronúncia ou equivalente, pelo que, nesta fase, a imprensa não pode publicar qualquer peça do mesmo.