17 DE JUNHO DE 1971 859
CAPITULO V
Regime de exame prévio
BASE XXVII
(Base XXIV da proposta)
(Pressupostos e âmbito)
117. Num "estado de direito" a Administração deve agir em conformidade com a lei.
Esta, como a régua lésbica de chumbo que, no dizer de Aristóteles, serve para medir as coisas adaptando-se a elas, deve adaptar-se às circunstâncias, de modo que o poder da Administração se possa exercer em dois domínios essenciais: manutenção da ardem pública e organização e funcionamento dos serviços públicos.
As necessidades que visa a satisfazer não se compadecem com delongas ou atrasos.
Por isso, a lei prevê certas circunstâncias de facto em que a autoridade administrativa, não podendo assegurar o exercício das suas funções pelos meios normais, assume poderes extraordinários.
É o caso da declaração do estado de sítio, com suspensão total ou parcial das garantias constitucionais (Constituição Política, artigo 91.°, n.° 8.°).
Mas, como se acentuou no relatório da proposta de lei n.° 14/X sobre alterações à Constituição Política (Actas da Câmara Corporativa, n.° 61, de 3 de Dezembro de 1970, pp. 569-70), "o estado de sítio é uma forma extremamente violenta de responder a situações de perturbação: envolve suspensão, e não mera restrição, de direitos individuais; implica a substituição das autoridades civis pelas militares ou, pelo menos, a subordinação daquelas a estas. Ora a verdade é existirem casos em que se torna preciso estabelecer um regime de excepção, sem, todavia, se mostrar indispensável, ou sequer conveniente, ir até ao ponto de instaurar o império da lei marcial".
Em conformidade com o exposto, e versando o regime de necessidade, a revisão dia Constituição em curso acrescenta dois parágrafos ao artigo 109.° da Constituição. No § 6.° faculta-se ao Governo, ocorrendo actos subversivos graves em qualquer parte do território nacional e quando se não justifique a declaração de estado de sítio, adoptar as providências necessárias para reprimir a sua extensão, com a restrição de liberdades e garantias individuais que se mostrar indispensável.
A proposta, na parte relativa à imprensa, está de acordo com o preceito a inserir na. revisão da Constituição.
Na verdade, a publicação de textos ou imagens só pode ficar dependente de exame prévio nos casos em que seja decretado estado de sítio ou ocorrendo actos subversivos graves em qualquer parte do território nacional. O referido exame não pode abranger toda a matéria, mas só a fixada na lei. Por outro lado, a existência dos pressupostos em que assenta a possibilidade de estabelecer o exame prévio deverá ser confirmada pela Assembleia Nacional, que se pronunciará sobre a existência e a gravidade da situação.
Simplesmente, a Câmara, quando se pronunciou sobre a revisão constitucional (parecer n.° 22/X, Actas da Câmara Corporativa. n.° 67, de 16 de (Março de 1971, pp. 659-660), propôs algumas alterações ao texto do Governo. Em conformidade com as sugestões então feitas, introduzem-se agora as necessárias modificações.
118. Não obstante o cuidado havido no condicionalismo no exame prévio, o Sindicato Nacional dos Jornalistas põe-lhe reservas, com o fundamento de envolver a instituição da censura pelo Poder Executivo, em condições a definir pelo mesmo Poder.
Mas não lhe assiste razão. O Governo, verificados determinados pressupostos resultantes da aprovação da alteração à Constituição, podia estabelecer o exame prévio nos termos mais amplos, visto este caber na forma genérica do § 6.° do artigo 109.°, relativa "à restrição de liberdades e garantias individuais que se mostrar indispensável".
Em vez disso, limita, o seu âmbito às matérias abrangidas pelo n.° 1 da base XI da proposta (base XII do texto da Câmara) e manda submeter à Assembleia Nacional, na primeira reunião que se efectue após a ocorrência dos factos, o reconhecimento do estado de subversão e a gravidade deste, em razão da qual se teria estabelecido com carácter precário o exame prévio. O preceito justifica-se.
O homem só pode realizar-se na sociedade e a existência desta depende da salvaguarda de valores comuns e essenciais. A ordem, condição da liberdade de expressão do pensamento, é um deles, pois na desordem e na anarquia reina a lei da selva, isto é, a do mais forte.
Na vida dos povos, a salvação da Pátria é ainda a primeira lei - salus populi prima lex esto. Assim sucedia na velha Roma, assim acontece na generalidade dos países.
A ocorrência de actos subversivos graves conduziu entre nós à suspensão dos direitos e garantias individuais e à fiscalização da imprensa, como se pode ver, entre outros, dos diplomas seguintes: Cartas de Lei de 14 de Agosto e de igual dia de Setembro de 1840, Cantas de Lei de 6 e 22 de Fevereiro d(c) 1844, Decreto de 20 de Abril de 1844, Carta de Lei de 20 de Abril de 1846, Decreto de 7 de Outubro de 1846, Decretos de 5 de Novembro e de 6 de Dezembro de 1846, de 6 de Janeiro e de igual dia de Fevereiro, Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 1847.
Os primeiros dos referidos diplomas foram publicados no dia seguinte à ocorrência dos actos subversivos que os justificaram. Hoje, porém, tudo é mais rápido: a informação e a subversão. Esta pode surgir de um momento para o outro e revestir a forma mais inopinada. O que se passa no mundo e a que se aludiu neste parecer ao proceder-se à apreciação da proposta ma generalidade ilustra o asserto. Torna-se, pois, necessário habilitar o Estado a utilizar as armas que forem julgadas indispensáveis à defesa da ordem.
Não foi outro o propósito da Constituição do Reich de 1919, ao conferir ao Presidente da República o poder de tomar as providências necessárias, incluindo a utilização das forças armadas e a suspensão da eficácia de múltiplas normas constitucionais, nos casos de ameaça de perturbação da ordem e segurança públicas.
Também a Constituição francesa de 1958 confere ao Presidente da República, o poder de tomar as providências exigidas peias circunstâncias ma, hipótese de as instituições republicanas, de a integridade do território ou de a execução dos compromissos internacionais serem ameaçadas de maneira imediata e, de o regular funcionamento dos poderes públicos constitucionais ser interrompido (cf. Constituição francesa, artigo 16.°).
O Presidente, ouvidos o Primeiro-Ministro, os Presidentes da Assembleia Nacional e do Conselho Constitucional, fez uso da autorização assim concedida, em 23 de Abril de L9&1, aquando do putsch dos generais em Argel. Foram então proibidos os escritos, periódicos ou não, que de qualquer modo apoiassem a subversão ou difundissem informações secretas de ordem militar ou administrativa. Em 29 de Setembro de 1961, por decisão do Presidente da República, a proibição referida foi prorrogada até 15 de Julho de 1962. Uma ordonnance de 13 daquele mês e ano havia, por sua vez, de a prorrogar até 31 de Março de 1963.