918 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.º 74
Estas ideias encontram-se formuladas na seguinte passagem do relatório do projecto:
Só o curso liceal é considerado como via de acesso normal para os estudos superiores, e isso justifica que o ensino técnico só seja procurado pelas classes que não podem custear o ensino liceal. E uma discriminação feita com base na capacidade económica das famílias, que se não pode considerar aceitável, e cuja injustiça é cada vez mais vivamente sentida pelas populações. Mas dos alunos que seguem os estudos liceais, grande parte orienta-se ainda de acordo com as leis da maior facilidade e da maior economia. A facilidade conduz a uma selecção negativa; a razão por que se opta por um curso de letras e não por um curso de ciências é, em bom número de casos, a dificuldade das disciplinas científicas, especialmente a Matemática. A economia conduz a procurar o curso mais próximo. Ora, sucede que o ensino liceal particular (que no corrente ano lectivo tem uma frequência de 75 000 alunos, contra a de 51300 que se encontra no ensino oficial) oferece mais oportunidades para os cursos de letras que para os de ciências. Sobretudo os colégios mais modestos, que funcionam em pequenas vilas, dispõem de secções do 3.° ciclo para os cursos literários, mas não para os cursos científicos.
Estes factos já haviam sido postos em relevo neste parecer.
Acrescentar-se-á que o nosso país ó daqueles onde a percentagem dos alunos dos ensinos científicos e técnicos, em relação ao total da população discente, se apresenta mais reduzida. Como é sabido, o número de diplomados em Engenharia, em Ciências Exactas e Físico-Químicas e em Gestão de Indústrias, por 100 000 habitantes, é hoje indicativo do desenvolvimento tecnológico dos países. Nos planos russos de fomento económico fixaram-se relações entre alunos das secções científicas e alunos das secções, literárias nos graus do ensino secundário e superior. Algumas organizações que se preocupam com o desenvolvimento económico dos países fixam a proporção mínima em 55/45. Na maioria dos países subdesenvolvidos a proporção anda por 30/70, com a agravante de ser muito grande o "refugo" dos ensinos científicos.
25. A concordância que merecem as considerações acabadas de transcrever não impede que se analise de perto a articulação, decorrente do (projecto, entre o novo ramo de ensino e o ensino universitário.
A passagem de um a outro grau de ensino é realmente facultada aos diplomados pelo ramo cuja criação se propõe "sem precedência de exame de admissão, mas de acordo com as condições fixadas em despacho ministerial que atenderá às correlações entre os cursos em que se hajam diplomado e aqueles que desejem frequentar e ainda ao nível revelado durante os cursos".
Considera a Câmara que os termos de tal preceito são demasiado vagos. Pode vir a ser tão estreito que nenhuns diplomados consigam matricular-se nos cursos superiores, ou tão largo que venha a perder-se a tão apregoada função terminal, funcionando os novos cursos como secundários, isto é, de preparação para os ensinos superiores.
Não é lícito travar por qualquer meio a ascensão cultural e por isso se aceita sem discrepância que um diplomado pelo novo ramo de ensino tecnológico não veja no seu diploma - esse diploma que lhe dá acesso imediato ao exercício de uma profissão já socialmente categorizada - um marco para além do qual não pode prosseguir a sua promoção pela escola. Porque o novo ramo de ensino tem características de terminal, a maior parte dos diplomados lançam-se logo no exercício da sua profissão, mas não se coarcta a alguns que deram provas de mérito e acesso a outra profissão defendida por outro diploma.
O ponto será estudado com mais desenvolvimento no exame na especialidade.
O novo ramo de ensino, no enfiamento normal do ensino técnico, pode ser percorrido por alunos oriundos do liceal. E tem de apresentar no seu topo novas possibilidades de ascensão que no pensamento do projecto de proposta só poderia ser por intermédio da Universidade.
De facto, considerava-se que, existindo uma Universidade técnica, não tinha significado qualquer outro ensino que conduzisse a diploma de grau superior.
Este conceito não parece ter, porém, grande solidez, porquanto existem hoje, em vários países industriais, ensinos superiores que pouco têm a ver com as Universidades e delas são pedagogicamente independentes.
Houve em tempos, no nosso país, institutos técnicos (industriais e comerciais, agrícolas e veterinários) destinados à formação de técnicos e tecnólogos superiores e independentes de qualquer Universidade. Alguns começaram, bem modestamente, há século e meio. Mas foram apurando o seu ensino e acabaram por se transformar em escolas universitárias.
Hoje, porém, as Universidades são, muito mais do que outrora, instituições abertas e em premente renovação. Por isso, entre os estabelecimentos de ensino que ao abrigo da nova lei vão ser reformados ou criados, decerto muitos nelas ingressarão desde logo ou num prazo curto, mercê da sua obra, do nível do seu corpo docente e da competência dos seus alunos. E é de admitir que, com o tempo, a todos isso venha a acontecer, enquanto outros irão surgindo, para corresponder às novas necessidades da sociedade portuguesa, em processo acelerado de evolução.
26. No projecto de proposta de lei prevê-se desde já o estabelecimento de quatro sub-ramos de ensino (agrícola, industrial, serviços e artístico) e indicam-se os cursos próprios a determinadas actividades.
Trata-se, como é óbvio, de simples directriz, visto se admitir, e bem, que dentro de cada ramo e sub-ramo possam vir a organizar-se "outros cursos sempre que as realidades económico-profissionais, conjugadas com os critérios pedagógicos, assim o aconselharem", possibilidade que é alargada mesmo ao caso de as necessidades de formação de pessoal qualificado virem a surgir em relação a actividades que fiquem fora dos quatro grandes grupos agora considerados.
Embora a lista dos cursos previstos corresponda de um modo geral a instantes necessidades de formação de quadros técnicos, poderão ser introduzidos desde já aperfeiçoamentos a que se fará referência no exame da especialidade.
Importa considerar aqui a ideia geral que se procura atingir e que é, como se afirma no preâmbulo, a de instituir apenas cursos adaptados às realidades actuais ou do futuro próximo, substituindo "realidades casuísticas por esquemas suficientemente ordenados".
O imobilismo dos esquemas do ensino profissional a cargo do Estado tinha efectivamente originado um evidente desfasamento entre a oferta e a procura no domínio da formação técnica escolar. Por um lado, alguns dos cursos facultados pelos institutos médios a cargo do Estado tinham perdido interesse, até ao ponto de se extinguirem por falta de matrículas. Por outro, cursos que de repente despertaram interesse, por seguirem modelos es-