920 ACTAS DA CÂMARA CORPORATIVA N.° 74
Dada a massa crescente de educandos que se apresenta às portas das escolas de qualquer dos escalões dos ensinos actuais, as necessidades em docentes formados convenientemente, em instalações, em recursos materiais, em pessoal auxiliar, em serviços sociais, em transportes, em alojamentos, em cantinas e restaurantes, vão subir ràpidamente.
Em especial a generalização indispensável e urgente da escolaridade obrigatória, a sua extensão até uma idade em que seja lícita e possível a entrada de jovens em actividades produtivas, a instituição de escolas técnicas, de tecnologia e de gestão administrativa em todo o território nacional, as reformas dos ensinos liceal, superior e universitário, uma nova estrutura da investigação científica e tecnológica exigirão a mobilização de recursos enormes.
Não é apenas a capacidade financeira do Estado que limita tal mobilização. Temos de procurar num futuro breve, ajustar os níveis culturais de mão-de-obra com a - estrutura da produção. Temos ainda de acudir com grande urgência a insuficiência dos quadros docentes.
A análise das relações entre o sistema escolar português e a preparação requerida para as actividades existentes foi resumida na conferência já cifrada: "O número de pessoas com preparação primária é muito superior ao dos postos de trabalho que se satisfazem com essa preparação." A pressão em busca de um emprego leva à ocupação de postos que exigiam preparação adequada por pessoas que só têm a instrução primária. Outros que não prosseguiram estudos além dos elementares obrigatórios procuram nas cidades o que não encontram no campo ou vão mais longe, emigrando "para os países nos quais se verifica uma situação inversa, isto é, onde os postos de 'emprego não qualificado são em quantidade superior ao das pessoas sem qualificação".
"No sector secundário a situação é a oposta: Mais lugares do que pessoas preparadas para o exercer. Daí a ocupação de uma parte de elementos com preparação primária... e também a absorção de uma parte das pessoas com preparação superior. E o subemprego do diplomado universitário, que tem de exercer funções inferiores àquelas para que foi preparado."
Há certamente que planear a educação. Por isso, há anos já, se proclama a evidência de ser sector prioritário o da formação de professores. Esta formação é uma reacção em cadeia, mas, paradoxalmente, o seu início deve procurar-se na Universidade que forma os seus mestres e prepara aqueles que hão-de formar outros docentes.
Põe-se, porém, aos dirigentes pedagógicos um grave problema: a mutabilidade das técnicas (arrastando a mutabilidade das civilizações) é tão rápida, que pode a Universidade (e no fundo todas as escolas, a qualquer nível cultural que se situem) estar a ensinar hoje aos seus alunos aquilo que já não é adequado quando, alguns anos depois, esses alunos se julgam preparados para ensinar ou, simplesmente, para operar.
As escolas produziram títulos que davam direito a ocupar cargos, mas, de repente, o conteúdo das funções mudou radicalmente.
Um operário - aquele que operava com a ferramenta ou com a máquina - verificou, à saída ida escola, que tinha de conviver com maquinismos totalmente desconhecidos. Ele, que tinha aprendido a limar na bancada e a lidar com um torno simples que executava peça a peça, vê-se de súbito em frente de uma máquina complicada e gigantesca que lhe dizem ser um torno e que produz em série dentro de tolerâncias inconcebíveis controladas por servo-maquinismos.
Que dizer de um engenheiro, de um farmacêutico e até de um arqueólogo?
Em face de uma inovação, o operário, o engenheiro, o farmacêutico e o arqueólogo tendem a buscar um sitio dentro da sua velha estrutura para a colocar.
O que se aprendeu na escola foi sempre referência para aquilo que se aprendia "com as mãos na massa". Acontece hoje, porém, que muitas vezes a inovação se não pode enquadrar na referência elaborada durante a formação escolar. Então, o diplomado proclama o direito de considerar inútil tudo quanto aprendeu nas aulas. Neste tudo esquece-se do método e da disciplina mental que lhe inculcaram e que lhe permitirão ir buscar, por si, a reciclagem (passe o neologismo!) dos seus conhecimentos. De facto, a formação de base, que a escola deve dar, permitirá que uma bordadora possa vir a adaptar-se à indústria dos elementos electrónicos miniaturizados depois do uma reciclagem de conhecimentos na indústria.
Há cerca de doze anos (exactamente em Abril de 1959) se chamou, entre nós, a atenção dos professores do ensino primário para a importância fundamental da educação permanente.
Lembrou-se então que a educação - que ó muito mais do que a instrução - é de facto um processo continuado de enriquecimento das personalidades que se vão integrando em sucessivos estratos de uma cultura. A educação só termina com a degenerescência.
A educação tinha por fim transformar um ente receptivo em pessoa actuante e responsável em face da sociedade em que se cultivou. Hoje tem o mesmo fim, mas pretenda que tal ascensão individual se faça integrada numa promoção colectiva.
Qualquer sistema- educativo tem de ser dinâmico, pois qualquer dos promovidos não é ente passivo que receba apenas instrução, mais sim um ente sensível aos choques e aos constrangimentos do seu ambiente, ambiente formado por coisas naturais, por coisas artificiais e por gentes.
O processo educativo tem por fim desenvolver a aptidão intelectual, a habilidade manual e as qualidades morais e isso poderá realizar-se por intermédio da Família, da Escola, da Igreja, e da própria Sociedade.
A educação nunca está terminada. E necessário que a escola (pelo menos a escola) forme os seus alunos, e isto quer dizer que lhes transmita não apenas um conjunto ordenado de conhecimentos - uma instrução -, não sòmente regras de conduta e de acção, mas também um desejo insaciável de adquirir outros saberes. É preciso, fundamentalmente, que lhes inculque um método para procurarem por si aquilo que não saibam.
Essa busca do ignorado, que se sabe existir porque outros o conhecem, tem levado pedagogos responsáveis a defender a ideia da criação de um serviço oficiai que que perderam o contacto com os estudos.
Nesse mesmo amo de 1959, num inquérito sumário, feito por amostragem em cinco concelhos e em seis unidades militares, verificou-se que mais de dois terços dos portugueses nunca mais tinham lido um livro depois da saída da escola primária. Desta maneira deixaram do aplicar as técnicas do "S. L. E.", sigla este do "saber ler, escrever e contar".
Hoje, mais de dez anos passados, aquela importante parcela (que interessava a uma população menos instruída que a actual) deve estar - espera-se! - mais reduzida.
Mas o problema da educação permanente e da reciclagem dos conhecimentos tem te ser encontrado. E tem de o ser com a colaboração das corporações e das forças produtivas. E de notar que as forças armadas já fazem, de forma muito apreciável, reciclagem de conhecimentos.