11 DE FEVEREIRO DE 1042 187
a acção repressiva do Estado possam inteiramente eliminá-las.
Os proveitos de emergência, assim realizados, podem resultar ou de preços excessivos em relação aos custos - e são êsses propriamente os lucros de guerra - ou de lucros acrescidos em consequência de um ritmo mais intenso da actividade produtora.
Em boa justiça, só os primeiros deveriam ser tributados, mas as dificuldades de discriminação entre ambos e a necessidade fiscal de assegurar ao imposto uma ampla incidência levaram, na generalidade dos países, a considerar-se como lucros extraordinários, para fins tributários, todos os ganhos realizados em período de guerra superiores aos lucros normais realizados em tempo de paz ou que excedam uma certa percentagem considerada como justa retribuição do capital investido.
Se quisermos demonstrar as afirmações produzidas e dar alguns exemplos esclarecedores, bastar-nos-á colhêr, quási ao acaso, dois factos, documentadamente referidos no parecer da Câmara Corporativa.
Analisemos os números, referentes à produção mineira. Em 1938 o número total de toneladas vendidas no País e exportadas foi de 932:428; em 1940 êsse número baixou para 652:521; no entanto o valor correspondente foi, nos referidos anos, respectivamente, de 107:245 e de 189:136 contos. Quere dizer, a uma deminuïção de 31 por cento no pêso correspondeu um aumento de 76 por cento no valor.
A conclusão tornar-se-á mais expressiva se examinarmos os números relativos a 1941, dos quais resulta que só num dos produtos compreendidos naquela designação o número-índice relativo ao pêso subiu apenas de 100 em 1938 para 219 em 1941, ao passo que o número-índice relativo ao valor ascendeu nos mesmos anos de 100 para 777, ou seja 677 por cento.
Fenómeno idêntico, embora menos marcado e em muitos casos de diferente significação, se nota, de uma maneira geral, no comércio de exportação, em que se observa também, por motivos de todos conhecidos, uma deminuïção considerável da quantidade de mercadorias exportadas, aliada a um forte aumento de valor, o que, diga-se de passagem, precedeu a alta dos preços no mercado interno e constituíu até um dos factores que a determinaram.
Por outro lado, como os próprios interessados reconhecem nas suas representações dirigidas a esta Assemblea, actividades existem onde se operou um aumento do coeficiente de lucros, em consequência de uma maior produção, resultante da falta de produtos estrangeiros e da redução de encargos, proveniente do desaparecimento da respectiva concorrência.
O acréscimo da actividade económica do Pais que êste facto reflecte exprime-se, senão com rigor, pelo menos com nitidez, no volume da compensação efectuada nas Câmaras de Lisboa e Pôrto, cujo total anual passou de 8:787 milhares de contos em 1938 para cêrca de 20:000 em 1941.
Não nos alongaremos em mais exemplificações, porque a matéria é vasta e o tempo urge, impondo-se-nos um esfôrço de síntese que permita considerar os vários aspectos do problema no plano de generalidade em que queremos confinar-nos e a que de resto nos constrangem os preceitos do Regimento.
A existência dos lucros de guerra tem sido em quási toda a parte objecto de especial tributação e - caso singular - na outra guerra foram os países neutros - a Dinamarca, a Suécia e a Noruega - os primeiros a adoptá-la.
Além dêstes estabeleceram-na também a Bélgica, a França, a Inglaterra, os Estados Unidos, a Holanda, a Rússia, a Alemanha, a Áustria-Hungria, etc.
No decurso da presente guerra tributaram já os lucros de guerra a França, a Inglaterra, a Finlândia, a Espanha, a Suíça, a Bélgica, o México, o Canadá, a Austrália e a África do Sul, além de outras nações compreendidas na comunidade britânica.
Não o fez - é certo - a Alemanha; mas isso por virtude das concepções monetárias nacionais socialistas, em que a moeda tende a ser considerada sòmente como instrumento de trocas e a perder, portanto, a sua função de medida comum de valores, e porque nesse país se obteve, através de um regime complexo, lùcidamente exposto por Lescure no seu livro Regimes de liberté et régimes autoritaires, uma estabilização geral de preços, que tem reagido com êxito a todos os factores de desequilíbrio.
Fê-lo, porém, recentemente a Itália, onde, a despeito do uso dos métodos alemãis, os preços têm variado em proporções semelhantes às que se verificam nos países de tendência liberal, mostrando assim que «ás leis económicas podem em certas circunstâncias mais do que os esforços dos governantes».
A legitimidade desta tributação parece-nos evidente. Justificam-na razões de natureza política e económica, sendo certo ainda que ela tem um fundamento ético, pois corresponde a exigências imperativas de moralidade e de justiça.
Num país onde até há pouco tempo se exigiu o imposto do salvação pública aos funcionários do Estado, que são, com os detentores de rendimentos fixos, as grandes vítimas dêstes períodos perturbados, e onde grandes massas de população sofrem agruras e privações, seria afrontoso da miséria de tantos permitir que alguns privilegiados pudessem amontoar ganhos exorbitantes, devidos mais à acção das circunstâncias do que aos seus méritos e empreendimentos.
Equivaleria isso a reconhecer-lhes o direito de negar à comunidade uma comparticipação que lhe é devida nesta partilha geral de sacrifícios e sofrimentos que é imperativo da hora que passa, (Muitos apoiados).
Mas esta tributação tem ainda a justificá-la uma razão de ordem económica, que não deixaremos de aduzir, embora em rápida síntese.
Tivemos já ocasião de acentuar que na base da alta universal dos preços está a redução da produção e que a forma de atenuar os seus efeitos reside na intensificação da actividade produtora e na deminuïção do consumo, quer por medidas directas, como os racionamentos, quer por medidas indirectas, como a redução do poder de compra.
Esta redução tem de operar-se, como já acentuámos, por meio de empréstimos, e também por meio de impostos, os quais, como é óbvio, devem incidir, principalmente, sôbre as camadas favorecidas com réditos anormais, até para evitar que elas possam exercer sem descrição o seu poder de compra, determinando consumos excessivos ou satisfações de necessidades novas, profundamente perturbadoras do equilíbrio económico na actual emergência.
Oferece - bem sabemos - a determinação dos lucros de guerra dificuldades graves.
Poucas legislações como esta inspiraram tantas e tam severas críticas, até certo ponto inteiramente fundamentadas, sem que, em todo o caso, elas provocassem a eliminação de uma espécie tributária que quási todos, senão todos os Governos, apressadamente ressuscitaram logo que se restabeleceram as condições que em 1914 a haviam determinado.
A proposta do Govêrno corresponde à tendência legislativa geral e procura obviar às dificuldades que apontamos, ao mesmo tempo que revela um sentido de prudência e de justiça, que nunca será demais encarecer.