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222 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 126

Tratando-se de uma proposta de lei, ela não refere naturalmente matéria regulamentar. Por isso os factores de correcção a aplicar quando os dois termos de comparação não forem homogéneos, a existência de capitais desiguais entre os dois períodos, a modificação da natureza das actividades económicas do contribuinte e outros serão certamente acautelados no regulamento que vier a ser publicado.

A contraproposta, como está redigida, pressupõe pois a existência de preceitos regulamentares que a tornem justa na sua aplicação aos casos particulares, justiça relativa de contribuinte para contribuinte.

Assim, os factores de correcção terão de intervir em numerosos casos, tais como a natureza da actividade económica, com os seus maiores ou menores riscos, a relação entre os lucros e os capitais, e não apenas a consideração de lucros absolutos, a relação entre lucros e stocks, entrando-se em linha de conta com o resultado da sua liquidação total ou parcial, a perda de valores reais em contraposição com as diferenças expressas em moeda pela contabilidade, a cessação total ou parcial das actividades por efeito de guerra, para citar só algumas das circunstâncias a atender se se quiser chegar à justiça relativa, à verdadeira justiça fiscal, sem ferir a economia nacional.

O Sr. Abel Varzim: - Sr. Presidente: não subi a esta tribuna só para dar testemunho público do meu voto de concordância com a disposição legal que vai isentar de imposto os lucros de guerra investidos no desenvolvimento da produção pela montagem de novas instalações industriais. Vim porque entendo dever exteriorizar o meu entusiasmo por tam inteligente disposição e prestar homenagem ao espírito realista que a concebeu.

Temos andados convencidos de que somos um puís essencialmente agrícola. Se examinarmos as estatísticas demográficas, temos de concluir que, de facto, assim tem sido. Mas, desde que me conheço, sempre ouvi os clamores da agricultura, que sinto justificados, pois também eu trabalhei a terra por minhas mãos e sei, por experiência própria, quam dura e esgotante é a vida dos nossos agricultores, sobretudo do norte, cuja sorte creio bem não ter desde então melhorado. Já tive mesmo ocasião de focar aqui, servindo-me de estatísticas oficiais, a deshumanidade da vida dos trabalhadores rurais por todo o País. E mercê da minha posição doutrinária na nossa vida social, pela palavra e pela pena tenho combatido, seguindo o exemplo do Apóstolo Santiago, esse salário de fome que os proprietários agrícolas pagam ao braço vigoroso que lhes semeia os campos e ceifa as searas. Reconheço, porém, que tal salário nem sempre é fruto du. espoliação do trabalho, mas por vezes da impossibilidade de se pagarem, sem ruína, salários mais humanos e cristãos.

De cada vez mais me convenço de que se torna urgente ir transformando a feição económica do País, pois a agricultura, num clima como o nosso, e numa terra pobre como a nossa, não pode sustentar-nos a todos.

O Sr. Presidente: - Permita V. Ex.ª que lhe lembre que estamos na discussão da especialidade. V. Ex.ª está a fazer considerações de ordem geral ...

O Orador: - Estou de facto fazendo considerações de ordem geral, porque as julgo necessárias para as conclusões que hei-de tirar e que dizem respeito exclusivamente à especialidade.

Para defender a agricultura pagamos caro demais o pão de cada dia e, no entanto, é verdade que as regiões agrícolas se vão empobrecendo sucessivamente, apesar de haver ainda quem viva na capital u custa do rendimento da terra.

Este fenómeno de empobrecimento rural leva um grande número de trabalhadores da terra a fugir dela para os grandes centros, e desde sempre verifico que as famílias numerosas, e até as normais, se vêem forçadas a enviar os seus filhos paara os liceus, para o comércio e para os empregos públicos, porque as terras não chegam para sustentar na agricultura os casais que seus filhos venham a constituir.

Tem-se agravado a situação, e esta progressiva concorrência dos campos aos grandes centros comerciais e industriais vem provocando graves perturbações na posição das classes médias.

Estamos perante um tal excesso de produção de doutores, de empregados e de operários, que atinge as raias da angústia. Verifica-se o facto, por exemplo, nos concursos. Por cada vaga que se abre aparece uma centena, ou mais, de concorrentes. Para um lugar que exija u instrução primária têm-se nomeado concorrentes com o curso geral dos liceus e até com mais habilitações. A lugares de simples escriturários concorrem também licenciados. Já se tem reagido salutarmente contra esta desordem, que só pode gerar revoltados. Mas eu pregunto se não admitir os que têm excesso de habilitações não será criar a revolta no espírito daqueles que não encontram ocupação compatível com os seus diplomas.

Consequência lógica desta anarquia social é procurar cada qual obter colocação, servindo-se de influências pessoais. Esta luta desesperada pela vida complica-nos, a nós também, profundamente a vida.

Por mim confesso que tenho os nervos cansados e sinto a paciência a falhar. Durante o ano passado recebi 1:826 pedidos de colocação! Outras tantas cartas a escrever e telefonemas e muitas visitas. Se acrescentar a este número os imensos e aflitivos pedidos de auxílio de vária ordem para a assistência, para a Misericórdia, para os hospitais, para os sanatórios (um total de 877 pedidos) -, não exagero se afirmar que 80 por cento do meu tempo é diariamente perdido para outras actividades mais proveitosas socialmente. E a muitos de V. Ex.ª tenho ouvido desabafos, sobretudo aos que ocupam lugares de maior responsabilidade no tablado económico ou social do País, de que se vêem forçados a perder um tempo precioso a ler cartas, a atender telefones, u receber amigos ou conhecidos, tudo isto com pedidos de colocação que se não podem atender. Este tempo, inutilmente gasto, renderia para a Nação muito mais se pudesse ter sido aproveitado no desempenho dos nossos deveres.

Um cristão não pode, porém, recusar-se em consciência a socorrer a miséria do seu irmão, e continuaremos sempre na mesma se um esforço colectivo não vier remediar a dolorosa situação.

Mas, Sr. Presidente, lá diz a Escritura Sagrada que um abismo provoca outro abismo. Porque é enorme a concorrência de quem procura trabalho, aparecem os sem escrúpulos, que justificam os baixos salários pagos alegando que não falta quem lhos venha pedir. Dizem-no e escrevem-no! E atrevem-se a dizê-lo certas companhias estrangeiras cujos directores ganham pela medida grande mas pagam pela mais pequena, com desprezo absoluto pelos direitos de quem trabalha. Estes baixos salários provocam, por sua vez, a concorrência dos mal remunerados às empresas que, conscientes das suas responsabilidades sociais, pagam salários justos. Estas vêem-se perseguidas, assediadas com pedidos e insistências tais, que são naturalmente levadas à tentação de pagar pior para se libertarem de tam irritante perseguição.