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14 DE FEVEREIRO DE 1942 223

Outro abismo provocado pelo primeiro abismo é o não encontrarem colocação fácil os empregados ou operários de mais de quarenta anos que por qualquer circunstância se desempregarem e ser de todo impossível encontrar trabalho, a não ser de porteiro, aos que atinjam os sessenta anos. Como estes operários ou trabalhadores não têm reforma ou assistência, é a miséria negra que lhes entra pela porta dentro.

Ficam muitas vezes a cargo de filhos que, mal ganhando para si, só podem repartir com eles a sua pobreza. Apela-se então para o trabalho feminino, e aí vai a mulher ou a rapariga em busca do trabalho, a agravar ainda mais o problema. Nestes poucos anos em que venho trabalhando no campo social tenho mendigado um emprego como quem pede uma esmola. E imensamente grato estou a alguns industriais e até a alguns de V. Ex.ª por terem cedido a pedidos meus, por compaixão. Mas havemos de concordar que o trabalho é um direito e não pode continuar a ser um favor ou uma esmola!

Poderia trazer para aqui elementos e estatísticas, que mais nos convenceriam da urgente necessidade de olhar de frente e com decisão o problema económico e social do País, como sejam a descida brusca da natalidade, o aumento da tuberculose, a mortalidade infantil e o depauperamento físico de certas populações. Limitar-me-ei a acrescentar apenas dois factos reveladores. Refiro-me ao nível de vida dos habitantes dos bairros municipais e à chaga dos quartos alugados a famílias inteiras.

Cada um dos bairros municipais alberga para cima de duas mil almas. Por inquéritos feitos pela polícia municipal e por alunos finalistas do Instituto Superior Técnico - a cuja consciência dos deveres sociais desejo manifestar a minha profunda homenagem - verifica-se que os rendimentos médios daquela gente não chegam a 2$ diários por pessoa, para comer, vestir, calçar e renda de casa. E são, contudo, quatro mil almas dentro das portas de Lisboa. O outro flagelo, antros de imoralidade e de tuberculose, são esses quartos alugados por 70$ e 80$ a famílias inteiras, que, aos milhares, vivem espalhadas por esta capital. A construção dos dois bairros municipais já existentes e os que o espírito decidido e clarividente do Sr. Ministro das Obras Públicas mandará construir pela verba orçamentada para tal fim no Comissariado do Desemprego é obra meritória dos maiores louvores. Mas, se aliviam o mal, não o podem curar.

Tem-se apelado, Sr. Presidente, para os trabalhos públicos, como meio de atenuar o desemprego e o excesso de braços. De facto, tenho imaginado muita vez em que situação aios encontraríamos se o Ministério das Obras Públicas e Comunicações, pelo Fundo de Desemprego, não viesse proporcionando trabalho todos os anos a tantos milhares de operários e se não viessem, sendo colocados alguns milhares de empregados nos serviços do Comissariado, na fiscalização das obras e nas empresas particulares, com a comparticipação do Desemprego. Mas isto não é sistema que deva durar, porque também não é solução.

Dizem outros que ao Instituto Nacional do Trabalho e Previdência deve ser pedido maior rendimento social. Embora pudesse ele, se quisesse, ter realizado uma obra que não vem realizando, também estou convencido de que só por ali não poderemos encontrar o verdadeiro caminho.

Quanto a mim, só encontraremos solução pela progressiva e inteligente industrialização do País. E certo que seria loucura criar indústrias antieconómicas, que viriam complicar-nos ainda mais a vida. Mas creio bem que poderíamos montar certas indústrias perfeitamente viáveis, que viriam ocupar a actividade de todos os portugueses.

Cito um exemplo que me parece suficientemente elucidativo: a indústria da cortiça. Verificamos pelas estatísticas que a nossa exportação de cortiça, se resume nos seguintes dados (Boletim da Junta Nacional da Cortiça n.º 36, Outubro de 1941, p. 26):

Cortiça em bruto:

Por cento

Em 1938 91,39
Em 1939 93,07
Em 1940 92,17

Cortiça, manufacturada:

Em 1938 8,61
Em 1939 6,93
Em 1940 7,83

Estes 8 por cento de cortiça, manufacturada, os blocos de cortiça que encorporaram já algum trabalho, bem como a consumida no País, ocupam (estatística de 1940) mais de 20:000 operários, não contando neste número o pessoal do tráfego, motoristas, guardas e porteiros, pessoal das geradoras de força motriz, pessoal das indústrias acessórias, como carpinteiros, serralheiros, etc., nem tampouco o pessoal administrativo.

Ninguém pode recusar-nos a nós, país produtor de metade da produção mundial de cortiça, o direito de exportar cortiça manufacturada, nem outro país a poderá manufacturar em condições mais económicas do que nós.

Se os 90 e tal por cento da cortiça em bruto que exportamos fosse de facto manufacturada, ocuparíamos certamente mais de 100:000 operários, com a consequente colocação de milhares de empregados e mesmo de indivíduos de profissões liberais. Não seria preciso muito mais para solucionarmos em grande parte a questão do desemprego e dos baixos salários.

Mas será viável um alargamento sistemático desta indústria?

O professor auxiliar da Universidade Técnica, Dr. António Maria Godinho, escreveu no Boletim da Junta Nacional da Cortiça n.º 35, Setembro de 1941, p. 12, o seguinte:

Afigura-se-nos ser o momento que passa excepcional para tentar uma industrialização «em grande» das cortiças portuguesas; não apenas para evitar o absurdo de exportar a matéria prima e importar o produto com a mesma fabricado, mas porque nos parece ser tal industrialização do mais elevado alcance para a economia do País.

A Espanha, país nosso concorrente, desde há muito que entrou por este caminho, concedendo prémios de exportação, que vão de 10 por cento para o papel de cortiça até 17 por cento para os aglomerados e 20 por cento para as rolhas e discos. E creio que nenhuma oportunidade maior teremos do que esta, em que as fábricas na Inglaterra, Alemanha e América deixaram de laborar a cortiça para se transformarem em indústrias de guerra.

E quem fala da indústria da cortiça pode também falar da indústria do papel. Ouço dizer aos técnicos que é possível e económica a fabricação da pasta do papel. Pelo menos existe uma empresa inglesa no País - no Caima - que ocupa muitas centenas de operários na fabricação de pasta de papel, que exporta para Inglaterra, certamente porque a pode produzir em condições económicas. Outro tanto poderíamos fazer nós, favorecendo não só os operários possivelmente ocupados nessa indústria, mas todos quantos têm a sua actividade ligada ao papel.