52 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 47
consigo más companhias na sua obra de ruína e destruição. Entra num complexo económico-jurídico, que se forma pelas despesas que hoje é de uso designar por « lutuosa», o imposto sucessório propriamente dito, inventário orfanológico e a usura, que é de todos o mais prejudicial, o mais pernicioso.
As cousas passam-se desta maneira: a morte é cara, pois traz consigo encargos pesados e inevitáveis: liquidação de despesas da doença, do luto e do funeral, as despesas que comummente chamamos «a lutuosa».
Estas despesas, no seu conjunto, abalam profundamente os pequenos lares, enfermam a sua saúde económica, porque os recursos, normais não lhes permitem fazer-lhes face.
Quando o imposto sucessório aparece, encontra o casal já empobrecido. É um doente que êle atinge. Vem depois o inventario orfanológico.
Intencionalmente é a defesa dos órfãos que ele visa, e nada mais louvável.
No entanto, na prática as cousas passam-se diferentemente porque o inventário apenas destrói o património que deveria defender. Os dois impostos, o do Estado e o da justiça, obrigam a pagamentos que as possibilidades normais do casal não comportam. Começa então a tragédia que finda na ruína.
Para essa liquidação apenas dois meios se oferecem: a venda de bens imobiliários ou o empréstimo. Na maior parte dos casos guarda-se a terra.
E compreende-se que assim seja.
O património ou foi criado com os trabalhos do casal ou se recebeu em herança. No primeiro caso, ele está impregnado das energias, das forças, do suor, do sangue do casal. As loiras que o constituem têm alguma cousa da vida da própria família.
Perdê-las é quási um segundo luto.
Com a perda das terras perde a família alguma cousa de si mesma.
Quando êsse património não foi composto pelo próprio casal, êste liga-se-lhe por um sentimento mais forte: é o coração que quere conservar aquilo que os pais legaram, porque é também algo da sua mesma vida.
É pelo empréstimo que os casais optam, no desejo do conservar o património.
Mas nesta altura aparece a usura a oferecer generosamente o dinheiro para a liquidação das custas com o Estado e com a justiça. Em que condições? Sr. Presidente, ainda hoje, pelo País fora, não obstante as proibições da lei, se fazem empréstimos a 10, 12 e 15 por cento.
E o que acontece? A catástrofe da destruição da família.
Como?
O património por muito bom tratado que seja, tanto mais que a sua estreiteza não permite que seja cultivado pêlos processos da técnica agrícola, não rende mais de 3 a 4 por cento, em quanto o juro a pagar é de 10 a 15 por cento.
Por mais sapiente e severa que seja a administração do casal a família não consegue salvar-se. Os juros comem connosco à mesa, diz o povo, mas comem o melhor do casal, absorvem todas as economias. Crescem, aumentam progressivamente, até igualar o valor do pequeno património. Neste momento a usura faz o assalto e a casa esboroa-se.
Esta é a situação, esta é a terrível situação.
Quais os resultados o consequências? Os resultados e consequências estão à vista de nós todos: a destruição da unidade económica e a destruição da unidade educativa.
Pela destruição da unidade económica opera se um desnivelamento na condição social dos pais. Deprimem-se à condição de proletário. A primeira consequência dessa destruição da unidade de exploração económica dos pais é o aumento crescente da proletarização, fornia mais ou menos clara da escravidão, já que o escravo é apenas o homem que não tem de seu nem terra nem trabalho.
Quanto à destruição da unidade educativa, furta os filhos à educação devida, entrega-os à satisfação de todos os instintos. Priva-os do elemento formativo do homem, Realiza um sinistro esforço de socialização humana.
Encontramo-nos assim perante dois fenómenos inteiramente opostos à nossa compleição nacional, à nossa tradição histórica; encontramo-nos perante dois fenómenos que são a negação dos altos objectivos do Estado Novo.
Essa proletarização dos pais e essa socialização dos filhos importam alguma cousa que não atinge apenas, a ordem económica, mas as raízes da própria ordem social, que o Estado têm obrigação de defender e proteger.
Salvam-se ao menos os interesses da economia? Não, nesta derrocada nem a própria economia se salva.
Quero dizer que o imposto sucessório, cumulativamente com o imposto de justiça, não somente não beneficiam a economia nacional, mas, a meu ver, a prejudicam profundamente.
Vejamos ainda outra vez como as cousas se passam.
Tomemos um casal composto de quatro ou cinco filhos com um património de 30 ou 40 contos. A morte entrou, levando um dos chefes - o pai ou a mãi.
O que sobrevive não pode aguentar a educação dos filhos. E o que acontece?
Dois factos que merecem a atenção do Governo respondem cabalmente.
Por esse Portugal fora estão-se constituindo pequenos grupos de vagabundos, formados por rapazitos de 12 a 15 anos, que orgulhosamente se chamam a si próprios - «os moinas».
Os «moinas» são, na definição dada por eles próprios, os rapazes que não têm lar, não conhecem família nem trabalho, os rapazes que mal sabem onde nasceram, os rapazes que se preocupam apenas com o vício, os rapazes que vivem da pilhagem. São os futuros bandidos.
Outro facto: as instalações das tutorias da infância tornam-se insuficientes, as casas de correcção estão-se multiplicando. Quem vai parar ali? Quem enche essas casas? Quem? Em grande parte, os destroços do naufrágio dos pequenos casais, metidos a pique pêlos assaltos do fisco.
O Estado sustenta as casas de correcção, sustenta os tutorias da infância. Quanto custam ao Estado as vítimas da destruição desses casais abatidos pelo imposto?
Quanto é que o Estado tira do imposto sucessório destes pequenos casais? e quanto é que custa ao Estado a regeneração destas crianças? Seria interessante e elucidativo um inquérito, conduzido com critério neste sentido. Ele mostraria que neste jogo macabro de interesses, é o Estado quem perde. Perde nas fontes de riqueza que se secam e perde na elevação das ruínas que se amontoam.
Dir-se-á talvez, e eu concordo, que nem todas as crianças, nem todos os filhos desses lares esmagados pelo peso do imposto sucessório e do inventário orfanológico vão dar às casas de correcção. Felizmente, há ainda o fundo cristão do nosso povo, que constitue a defesa de muitos desses casais.
É ele que faz com que nem todos os filhos dos lares destruídos vão cair nas casas de correcção. Mas mesmo esses que se conservam sérios e honestos, estes mesmos ficam também caros ao próprio Estado pela necessidade de os proteger nas instituições de assistência social, nas suas creches, nos seus centros infantis, nos seus asilos, etc.