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16 DE DEZEMBRO DE 1943 53

Deste modo encontramo-nos nesta situação: emquanto o Estado anda a criar obras de defesa dá família (O. M. E. N., etc.), anda o fisco a destruir essas famílias que o Estado tem de proteger. Parece que o Estado destrói as famílias para depois se substituir a elas.
Eu procurei fazer nestas férias parlamentares, se é que se lhes pode chamar assim, um pequeno estudo sobre o rendimento para o Estado deste imposto quanto aos casais pequenos e quanto custam as suas ruínas à assistência pública. Faltam-nos estatísticas para um trabalho consciencioso, mas fiquei com a impressão de que a importância tirada pelo Estado desse imposto é imensamente inferior àquilo que o Estado tem de gastar nas obras de assistência. Impõe-se- um remédio para este mal. E esse remédio onde o vamos buscar?
Eu sou leigo nesta matéria, mas parece-me que se podia talvez conseguir dos serviços de justiça que os inventários dos pequenos patrimónios fossem feitos gratuitamente, isto é, que o Estado encontrasse outra formula de remunerar os serviços dos funcionários que neles intervêm sem recorrer aos emolumentos.
Só apresento esta sugestão, porque, como já disse, sou estranho à matéria.
Sr. Presidente: ainda que conseguíssemos esta solução, o problema não ficaria resolvido. Na verdade, nós nunca poderemos defender esses pequenos lares e ampará-los eficazmente sem que tenhamos eliminado o primeiro e o mais funesto dos factores que contribuem para a sua ruína. Esse factor é a usura.
E como podemos combater a usura?
Julgo que assim como o Estado faz empréstimos para o vinho e para o trigo podia também fazer empréstimos a estes lares quando batidos pela morte e em luta com as exigências do imposto.
Não sou um financeiro e muito menos, um técnico de créditos. Mas vendo o problema com olhos de leigo na matéria, que são no caso sujeito os olhos do coração, parece-me que seria possível organizar esse crédito. Não faltam ao Estado condições para o conseguir, porque - toda a gente o sabe - nos estabelecimentos de crédito do Estado existem hoje centenas de milhares de contos inaplicados!
Por outro lado, o Estado tem condições de segurança e de garantia, as mesmas que tem para se assegurar do pagamento do próprio imposto.
Para ser eficaz, esse empréstimo deveria obedecer a duas condições: primeira, ser efectuado a juros modicíssimos; segunda, a prazos largos, dez ou vinte anos, de forma a que a amortização e juros pudessem ser pagos com o rendimento do trabalho. Quando os menores atingissem a maior idade entrariam, com a posse da herança, na responsabilidade dos encargos que lhes eram inerentes.
Seria uma obra saudável, uma obra nacional, de profundíssimo alcance social.

O Sr. Madeira Pinto: -V. Ex.ª dá-me licença? Está nas mãos de V. Ex.ª trazer o projecto de lei à Assemblea!

O Orador: - Se eu tivesse a antecipada certeza de que esta opinião traduziria, como agora reconheço, a opinião da Assemblea e que dela receberia o acolhimento favorável que está recebendo, tê-lo-ia feito de muito boa vontade.

O Sr. Madeira Pinto: -Porque não?

O Orador:-Mas o assunto não perde oportunidade, antes cada dia ele oferece uma urgência mais clamorosa. Os interesses do Pais impõem que se não esqueça a opinião desta Assemblea, embora eu creia que o Govêrno tem na lei meios bastantes para, através da Caixa Geral de Depósitos, realizar o crédito.
Sr. Presidente: lembro ao Governo a necessidade de defesa da base económica dos pequenos casais, através de uma política de crédito fácil, oportuno, eficaz. Esta política seria em todas as emergências útil e salutar. Mas as exigências da hora presente dão-lho uma importância mais alta, uma urgência imediata. Não sabemos ainda quando a guerra terminará, nem como acabará, nem os problemas que advirão com o seu termo.
O que sabemos já é que sobre os destroços que ela ocasiona surgem ameaças de socialização, que devemos atalhar.
Importa que nós, portugueses, contra elas nos previnamos, prudentemente, até pelo dever de humanidade, que, por vocação histórica, temos de cumprir.
O melhor e mais eficaz modo de nos protegermos é fortalecer a nossa personalidade nacional.
A paz há-de ser a organização do mundo, e creio que nessa organização, Sr. Presidente, vingarão as nações de personalidade mais diferenciada, com uma capacidade de civilização mais perfeita.
Para fortalecer a nossa personalidade nacional e para criar nova capacidade de civilização precisamos de nos integrar na nossa tradição histórica, carecemos não de copiar fórmulas alheias, mas afirmarmos as nossas, que se estão impondo ao mundo; precisamos de fazer com que as realidades nacionais sejam cada vez mais... portuguesas. Para isso não bastam reformas de ordem política. Estas reformas são quási sempre inúteis e podem ser prejudiciais quando não assentem sobre reformas de ordem moral.
Estas reformas de ordem moral não as pode fazer o Governo, porque não estão na sua alçada. Tom de partir de baixo, do seio das famílias, que é essa, por direito natural e constitucional, a sua missão. E de que famílias?
Parece-me que os lares destinados a essa obra não são porventura apenas os lares das classes superiores nem das classes proletárias. Não os das classes superiores, porque elas, no sentido das virtudes que as caracterizavam - o amor ao trabalho, o amor à sobriedade e o amor ao bem comum -, deixaram de existir. Raros e honrosos representantes lhes sobrevivem, sobretudo no sentido do gentil-homem, o gentis hommo, o homem da gente, da grei, da Nação, o homem que vive só para os outros homens.
Não podemos, portanto, contar só com elas para esta reforma que se impõe na defesa da vida nacional.
Não podemos contar com as classes proletárias porque estas classes, pela falta- de independência e de elementos económicos, não estão, em geral, em condições de poder realizar essa reforma.
Devemos contar, principalmente, com os lares da classe média, aqueles lares que são batidos pelo imposto, que são destruídos pelo fisco.
São as classes médias que representam neste momento a grande força da Nação. Até como prova de reconhecimento e gratidão, pêlos muitos e grandes serviços que elas prestam, deveríamos olhar para elas com outro interesse, com outro empenho, e quando a morte nelas entrasse, o Estado devia aparecer não com as exigências de fisco, mas num acto de protecção e de carinho. Só assim poderão defender-se esses casais, só assim eles poderão criar os homens, homens bons e homens fortes de alma e corpo que a Nação precisa para prosseguir, na organização da paz, a sua vocação histórica.
Parece, Sr. Presidente, que esta política de defesa da base económica dos pequenos, realizada através de um crédito barato e eficaz, corresponde a uma grande necessidade nacional. E parece que o Governo está nas melhores condições de a poder realizar.
Porquê?