366 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 74
los direitos legítimos e de actuação conscienciosa o justa.
Relativamente às medidas de segurança, que constituem meios de tutela jurídica essencialmente preventiva e que assentam ùnicamente na perigosidade, sendo, por isso, aplicáveis também aos não imputáveis, a necessidade de jurisdicionalização é, porventura, ainda mais imperiosa.
Se é certo que essas medidas podem revestir múltiplas modalidades, a verdade é também que em grande número de casos implicam privação de liberdade e têm duração indeterminada, pois só terminam quando cesso «o estado perigoso» dos indivíduos a elas submetidos e estes mostrem idoneidade para seguir a vida honesta.
Dada a gravidade das consequências que da sua imposição resultam, compreende-se que os criminalistas aconselhem que a sua aplicação se efectue mediante um processo regular, com todas as garantias de defesa, e cuja decisão seja confiada aos órgãos mais idóneos para a proferir.
Isto explica o movimento dos meios científicos no sentido da jurisdicionalização das medidas de segurança (Montvalon, Le rôle du magistrat dans l'exécution des peines) e o acolhimento que lhe têm feito as legislações, e entre elas o código penal jugo-eslavo, o dinamarquês, o polaco e a legislação italiana.
Passemos agora à parle da proposta relativa à rehabilitação.
Êste instituto é definido pelos criminalistas como
tendo por fim fazer desaparecer as incapacidades resultantes da pena e restituir ao condenado a plenitude de direitos que a decisão condenatória lhe fizera perder.
A origem histórica da instituição encontra-se na restitutio in integrum dos romanos.
Confundida a princípio com a graça, de que constituía uma das modalidades, a rehabilitação foi-se autonomizando e adquirindo fisionomia própria e disciplina jurídica independente.
As legislações do último século consagraram esta evolução, despojando o instituto do seu carácter tradicional de acto gracioso ou de clemência e inscrevendo-o como um direito dos cidadãos, submetido a regras disciplinadoras e a um processo adequado.
Vozes: - Muito bem!
O Orador: - À medida que esta evolução se ia acentuando, a rehabilitação tendia também a emancipar-se dia administração e a encorporar-se na esfera de competência do poder judicial.
A pura lógica parece, aliás, impor que se atribua o poder de fazer cessar a incapacidade à entidade com competência para a decretar.
De resto, desde que se considere, como a maioria dos juristas, a rehabilitação um direito subjectivo resultante da boa conduta post-prisional, parece que a decisão deve ser confiada a órgãos especialmente qualificados.
É essa a orientação do código penal italiano, do projecto do código penal francês e da legislação belga (De Braas, Précis de droit penal, p. 332).
Algumas legislações, .como a espanhola e a brasileira (código penal, artigo 119.º), embora não tenham ainda jurisdicionalizado por completo a rehabilitação, tiraram-lhe o seu carácter puramente administrativo e fazem intervir na sua concessão os órgãos judiciais.
A jurisdicionalização corresponde, pois, à orientação legislativa geral e ao sentido da doutrina jurídica.
Põe-se, porém, o problema de saber se ao lado dia rehabilitação judiciária se deve admitir a rehabilitação de direito, que se opera por simples decurso de tempo e que assenta na presunção de boa conduta resultante tia ausência de nova condenação.
Se considerarmos a rehabilitação como um prémio à regeneração do condenado, como um direito que se conquista por provias reiteradas de readaptação social e moral, não deverá a cessação dos efeitos dia condenação obter-se automaticamente, mas através de um processo em que faça aquela prova e em que intervenha uma decisão que ponderadamente a aprecie.
Neste sentido se pronuncia a grande maioria dos penalistas.
No relatório ministerial do projecto do código penal italiano escreve-se: «Foi eliminada a rehabilitação de direito, que estava em contradição com um dos princípios fundamentais do projecto, que é o de adequar caso por caso a concessão do benefício à verificada cessação da pericolosidade. Não pode corresponder a tal conceito uma rehabilitação que não tem outra justificação além do simples decurso de tempo e que prescinde da prova de boa conduta de quem pretende rehabilitar-se».
A mesma idea é expressa no relatório do Código de Processo Penal, onde se considera esta forma de rehabilitação «estranho instituto de origem estrangeira» e manifestação de «aberrativa indulgência para com os delinquentes», acrescentando-se que ela «é incompatível com a idea da rehabilitação moral que está na base do instituto, a qual não pode presumir-se em face de elementos negativos». «Se se reconhece - acentua-se ainda no referido relatório - que não pode admitir-se a rehabilitação de quem não conduz vida moral, tem de reconhecer-se implicitamente que a única forma de rehabilitação possível é a judicial, porque a personalidade moral do condenado só pode ser apreciada pelo juiz».
Manzini condena também a habilitação de direito, no seu Tratatto de direito penal, vol. 3.º, p. 637, no mesmo sentido se pronunciando De Vabres (Traité, p. 508), Calon (Derecho Penal, tômo I, p. 605), o entre nós o Prof. Beleza dos Santos.
Deve reconhecer-se, com os criminalistas citados, que efectivamente a rehabilitação de direito comporta o risco de beneficiar pessoas de conduta imoral e vivendo à margem do Código ou que praticaram novos crimes que se ignoram.
A admissibilidade desta forma de rehabilitação faz perder ao instituto a sua significação moral e priva-o do seu carácter tradicional, «que é o de constituir a recompensa de um longo esforço de regeneração».
Sem embargo, pois, dias valiosas razões aduzidas no douto parecer da Câmara Corporativa, parece-nos que deve ser mantida nesta parte a doutrina da proposta.
Sr. Presidente: sou forçado a concluir.
Parecerá à primeira vista que do debate na generalidade desta proposta de lei, de natureza essencialmente técnica, não poderá extrair-se um ensinamento de carácter político ou um princípio de orientação geral.
A conclusão, porém, é inexacta.
Fala-se hoje muito em política criminal dos estados autoritários, a qual tem como padrões a legislação nacional-socialista de 1935, o código soviético e o código italiano de 1930.
Caracterizam estas legislações a proeminência conferida aos interesses do Estado, com o consequente rigor na punição dos crimes políticos; a especial protecção concedida a certos interesses de raça ou de classe; a superioridade atribuída aos fins penais de prevenção colectiva sobre os correccionais e de prevenção individual, e a admissão da analogia penal e da livre incriminação pelo juiz contra o princípio da legalidade dos delitos, inseparável da segurança jurídica.
Não se negará que as legislações liberais podem com verdade ser, por vezes, acusadas de falta de sentido colectivo, de exagerado respeito pelos direitos indivi-