368 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 74
Tomei largo quinhão no debate de que resultou o reconhecimento do direito de recurso para os tribunais no caso de certas transgressões em que a Direcção Geral dos Serviços de Viação e o respectivo Ministro julgavam definitivamente.
Mas entendo que em assunto de tanta importância, para o qual concorrem, entre muitos variadíssimos elementos, circunstâncias que podem exceder a alçada dos tribunais, é de bom conselho deixar ao Govêrno atribuições para as apreciar e julgar.
É bem de ver que em matéria de tanta gravidade o Ministro não deixará de se socorrer de todas as informações e pareceres para que a soa decisão seja oportuna e justa.
Demais, não se alude na proposta de lei a ocorrências lamentáveis que justifiquem a projectada transferência total de atribuïções do Ministro para os juizes de execução das penas.
Os argumentos apontados para tam importante transferência de atribuições, baseados num clima legislativo propício e, também, na vantagem de assim se facilitar a jurisdicionalização em vista, e vários outros que não enumero por constarem da proposta e do parecer, não me convencem, como, aliás, não convenceram os legisladores italianos largamente citados naqueles diplomas, pois na legislação daquele país a concessão de liberdade condicional é faculdade do Ministro da Justiça sob parecer das entidades competentes.
Sr. Presidente: entre as atribuïções do Presidente da República, definidas no capítulo u da Constituição, figura a de indultar e comutar penas, sòmente com a restrição do n.º 8.º do artigo 81.º, que diz: «O indulto não pode ser concedido antes de cumprida metade da pena».
Ora na base III da proposta de lei propõe-se que «o indulto de presos classificados de difícil correcção só poderá ser proposto pelo director do respectivo estabelecimento, ou pelo juiz de execução das penas, e no caso de conduta do recluso excepcionalmente meritória».
O parecer, concordando com esta disposição, incluiu-a, com ligeiras modificações de redacção, no n.º 2.º da base V.
Sr. Presidente: as atribuïções do Presidente da República devem manter-se como estão na Constituição, sem quaisquer restrições, seja a que título for.
Em face do exposto, tenho a honra de mandar para a Mesa as propostas seguintes:
«Base I. - Eliminação das palavras cê ao Ministro da Justiça».
Base III. - Eliminação total.
Base XI. - Aditamento das palavras «ou para o Conselho de Ministros» a seguir às palavras «haverá recurso para um tribunal colectivo ...».
Sr. Presidente: são estas as alterações que, além das que outros Srs. Deputados vão propor, entendo dever apresentar para melhorar uma proposta de lei que me é particularmente cara, tanto como político como médico, e que julgo honrar o Estado Novo, por isso visa a rehabilitação de delinquentes e a sua reintegração na colectividade para que possam ser úteis à sua Pátria.
Disse.
Vozes: - Muito bem, muito bem!
O orador foi muito cumprimentado.
O Sr. Oliveira Ramos: - Sr. Presidente: encontra-se em discussão, na generalidade, a proposta de lei apresentada pelo Governo acerca da rehabilitação dos delinquentes e jurisdicionalização do cumprimento das penas e dias medidas de segurança, proposta que vem acompanhada, ilustrada e instruída, pelo sábio parecer da Câmara Corporativa.
Integrasse esta proposta do Governo na acção que, através do Ministério da Justiça, se tem levado a bom termo no campo da política criminal.
Nunca é demais encarecer os serviços que o Governo, nesta matéria, tem prestado ao País. Não podemos esquecer que por aquele Ministério se tem procurado enfrentar os problemas que. se relacionam com a política, criminal, por forma a ganhar num curto espaço de tempo tudo quanto, durante muitos anos., se perdeu. E como instrumentos dessa política não é possível deixar de recordar a promulgação do Código de Processo Penal e a reorganização dos serviços prisionais, esta promulgada pelo decreto-lei n.º 26:643, de 28 de Maio de 1936.
Quem se der ao estudo destes problemas na mais recente literatura estrangeira vê o apreço em que são tidos estes dois diplomas publicados pela pasta da Justiça.
E, ainda recentemente, e numa das obras mais modernas sobre o problema que hoje se discute na Assemblea Nacional - Os poderes do juiz na execução das penas e das medidas de segurança privativas de liberdade - devida a um dos mais notáveis criminalistas, Sliwowski, nós vemos elevado à categoria de um verdadeiro código de execução da pena a Reforma Prisional dia autoria do Prof. Manuel Rodrigues, Ministro da Justiça de então.
E vemos também, ao contrário do que muitos de nós podemos entender em Portugal, dar-se a verdadeira interpretação àquela Reforma, quer considerando-a como um Código de Execução da Pena, quer considerando-a, como aceitando o princípio da jurisdicionalização no cumprimento das penas e das medidas de segurança e tendo como órgãos próprios dessa jurisdição o Ministro da Justiça e o Conselho Superior dos Serviços Criminais.
De resto, se há duas legislações que se destacam nessa matéria, são unânimes os escritores em pôr em relevo, ao lado e a par da legislação italiana de 1930 e 1931, a legislação portuguesa de 1936.
O Conselho Superior dos Serviços Criminais, pode dizer-se, tem desempenhado, e devia desempenhar dentro da Reforma dos Serviços Prisionais, as atribuições de um órgão jurisdicional em matéria de execução das medidas de segurança e das penas.
Se nos dermos ao cuidado de folhear esse diploma, é fácil de verificar que, aparte o caso da liberdade condicional, que só ao Ministro compete conceder sob parecer favorável do Conselho Superior dos Serviços Criminais, todas as outras atribuições que hoje se entende deverem enquadrar-se no juízo de execução da pena proposto pelo Govêrno, todas as outras atribuições, digo, competem a esse mesmo Conselho.
A lei emprega em numerosas disposições as expressões: decidir, declarar, conceder e deliberar.
E não sujeita essas decisões, declarações, deliberações ou concessões a homologação ministerial, isto é, a lei não exige homologação ministerial quanto a tantíssimas dessas atribuições que competem ao Conselho Superior dos Serviços Criminais.
Mas mesmo que se exigisse a homologação do Governo parra um certo número de deliberações ou parecereis do Conselho Superior dos Serviços Criminais, nem assim se retirava a este órgão a função jurisdicional que por lei lhe era cometida.
A idea que mós pode levar erradamente a considerar, como de natureza administrativa, essas funções de carácter judicial, que competem ao Conselho Superior dos Serviços Criminais, resulta de se haverem integrado num organismo de tradição, essencialmente administrativa, funções de carácter jurisdicional.