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426 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 78

Embora em relatórios e preâmbulos de decretos e, mais ainda, nas discussões públicas se encontrem alusões a dois estratos ou classes sociais - a classe pobre ou dos trabalhadores e a classe média -, o certo é que na legislação promulgada e na proposta não se encontra qualquer critério discriminativo para a classificação. Não seria fácil estabelecê-lo e, se o fosse, mais valia destruí-lo ou, pelo menos, ignorá-lo.

0 que se tem passado é isto: as duas classes de casas que primeiro se construíram (classes A e B) comportam diferentes tipos (I, II e III), que se distinguem pela área crescente - desde A-I até B-III - da superfície destinada a habitação, o que implica, em igualdade dos outros factores, a necessidade de o morador adquirente pagar maiores prestações mensais; mas nenhum limite ou condição restritiva se lhe impôs que não fosse a capacidade de pagar regularmente a prestação fixada. Daqui resultou - e pode dizer-se que felizmente - uma certa mistura de classes em cada um dos bairros construídos, havendo trabalhadores manuais em casas das mais caras e trabalhadores intelectuais (funcionários, oficiais do exército, empregados de escritório, etc.) em casas de menores rendas.

Os resultados obtidos são tão satisfatórios, pelos múltiplos aspectos por que podem considerar-se, que o decreto-lei n.º 33:278, de 1943, o último publicado sobre a matéria, elevou o número de classes de casas a quatro (A, B, C e D), o que contribuirá - diz o seu autor - "para a resolução do problema da habitação económica das famílias com proventos mensais de 1.500$ a 3.000$, entre as quais se encontram as dos oficiais das forças militares da Nação e as de muitos funcionários do Estado e municipais".

A leitura da proposta de lei n.º 45 mostra que a mesma indiscriminação de classes sociais nela subsiste, o que só pode merecer aplausos da Câmara Corporativa.

Parece, entretanto, que a intenção do legislador de ter em conta, na distribuição das moradias, o rendimento mínimo dos agregados familiares a que elas se destinam nem sempre, no passado, foi bem compreendida ou respeitada, de onde resultou que alguns adquirentes de casas económicas preferiram ou aceitaram as de rendas muito inferiores às que, razoavelmente, poderiam pagar. Não duvidaram os tais, por ganancioso espírito de poupança, sacrificar o bem-estar da própria família e tirar a outrem o que, em boa justiça social, lhes era destinado. Procurou o autor da nova lei evitar a repetição do abuso, proibindo que "tome ou mantenha de arrendamento uma casa de renda económica quem aufira rendimentos superiores a seis vezes a respectiva renda" (cf. base XIX). Mas esta proibição - aliás defeituosa na forma - não constitui realmente um critério de discriminação de classe pobres e médias, mas simples regra de disciplina e, mesmo, de solidariedade social.

9. À identidade de fins da legislação já promulgada e da que hoje se propõe não corresponde, porém, identidade dos meios por que numa e noutra se procura alcançá-los. Na primeira o Estado e os municípios adiantavam os capitais necessários e uma organização especial, dependente do Ministério das Obras Públicas e Comunicações, denominada "Serviço de construção de casas económicas", tomou o encargo de construir as casas, conforme projectos estudados de tal modo que o seu custo não excedesse os limites que os decretos-lei fixaram, custo baseado nas séries de preços então correntes dos materiais, salários e transportes.

Todas as casas económicas deviam ser, e foram, vendidas aos moradores-adquirentes mediante prestações mensais em que se incluem: o juro e amortização do ca-

pital (renda); os prémios dos seguros de vida, invalidez, doença e desemprego do adquirente, e mais o prémio do seguro contra o risco de incêndios.

Ora as prestações - soma de todas estas parcelas - foram fixadas a priori como certa fracção do salário do morador; as taxas de juro e prazos de amortização do custo das habitações foram também determinados pela lei; o custo de cada moradia - incluindo terrenos -, que de todos estes factores depende, encontrou-se, assim, indirectamente limitado e o Estado não deixou, nos últimos decretos, de expressamente o fixar. Resultou, então, que o serviço que dos projectos se ocupava, não podendo influir nos preços dos materiais, mão de obra e transportes, para não exceder o custo arbitrado, reduziu as áreas habitáveis a extremes limites, sem prejuízo, porventura, das condições estritas da higiene, porém com sacrifício certo das exigências mínimas de comodidade que uma habitação permanente deve oferecer.

Na proposta de lei n.º 45 admite-se que as casas sejam não só vendidas, como anteriormente, mas também dadas de arrendamento. Fixam-se: os limites das rendas em um sexto do salário familiar (bases I, condição 6a., e XIX); o preço de renda em vinte vezes a renda anual (base V); a taxa de juro (4 por cento) e o prazo de amortização (vinte e cinco anos) dos capitais emprestados aos construtores (base XII), e os lucros máximos das sociedades anónimas ou cooperativas constituídas para edificar casas de renda económica (base III). Mas a principal característica da nova legislação consiste, como já foi dito, em passar para entidades particulares a iniciativa da construção, o angariamento dos capitais e os encargos da administração. A estas entidades compete estabelecer os projectos das casas, sujeitos porém ao "arranjo previsto" dos terrenos que as câmaras municipais venderem para aquele fim (base VII). O excesso de custo, se o houver, em relação aos limites de renda fixados na base I, condição 6a., constituirá encargo da entidade construtora. A esta compete providenciar para que tal não suceda, se o seu intuito for puramente lucrativo, como se admite.

Senhorios e inquilinos ficam, em princípio, sujeitos às leis gerais e disposições municipais que regulam as relações entre aquelas ou dizem respeito à construção e conservação dos prédios urbanos. Cessa, portanto, a obrigação dos seguros de vida, doença, invalidez e desemprego, que oneravam as prestações dos adquirentes das casas económicas; por isso os limites de renda são mais baixos que os das prestações pagas pelos moradores-adquirentes daquelas.

10. Mas será comercialmente viável uma empresa que se proponha explorar o negócio das casas de renda económica com as limitações rigorosas que a lei impõe?

É dificultosa a resposta, por motives óbvios; mas pode tentar-se uma verificação numérica das condições em que ela será afirmativa ou negativa, já que o grande número e a variabilidade dos factores de que depende maior precisão não consentem.

A Câmara tomará por base dos seus cálculos alguns resultados obtidos nos bairros de casas económicas de Lisboa, especialmente no da Madre de Deus, com certas correcções que as diferenças de épocas e novos elementos de apreciação aconselham.

Os tipos de casas neste cálculo considerados serão os designados por B-II e B-III, isto é, casas de cinco divisões, além da cozinha, despensa, casa de banho e retrete. Correspondem estes tipos, aproximadamente, aos das habitações de 1a. classe, mencionadas na condição 6a. da base I da proposta de lei, para rendas até 400$ ou 500$ por mês.