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DIÁRIO DAS SESSÕES — N.º 190
Entendo, porém, que é desnecessário e, talvez mais do que isso, que pode parecer inconveniente consignar-se de modo expresso tal doutrina no número das alterações à Constituïção.
Na verdade, há nesta proposta dois aspectos a considerar: o aspecto político e o aspecto jurídico.
Admito que polìticamente se pode julgar lógico que, como conseqüência de algumas das alterações constitucionais votadas, se devesse concluir pela dissolução desta Assemblea. Mas esta conseqüência, a admitir-se, exactamente por ser de uma natureza política, só teria relevância jurídica quando viesse a ter claro acolhimento no nosso texto de direito político.
De igual modo admito que também polìticamente se pode julgar que outras razões políticas determinem a conveniência de se não dissolver a Assemblea e, portanto, de esta continuar em funções. Mas, em tal caso, desde que o texto de direito político nada consigne de especial em contrário, está jurìdicamente satisfeita a conveniência ou necessidade política. Mantém-se, como me parece mais natural, o statu quo.
Por outras palavras: polìticamente tanto pode sustentar-se que a actual Assemblea Nacional deve continuar no exercício do seu mandato como o contrário. Ora o texto da proposta governamental é, não de natureza política, mas de carácter jurídico-político. E, como texto jurídico, afigura-se-me que, sem êle, tudo se passará como se êle não existisse. Pela própria fôrça da Constituïção, esta Assemblea Nacional há-de durar emquanto durar o seu mandato normal; e o Chefe do Estado tem sempre o direito de a dissolver, nos casos em que o pode fazer, como tem o direito de dissolver qualquer outra que venha depois dela.
Creio, portanto, desnecessária esta proposta governamental. E, desde que desnecessária, reputo-a inconveniente. Pareceria, na verdade, que, contra inúteis receios, pretenderíamos assegurar-nos numa perdurabilidade que legìtimamente se não pode contestar.
E até poderia dizer-se que se viria, de algum modo, a deminuir, polìticamente, o próprio poder de dissolução do Chefe do Estado ou, inclusive, o prestígio da mesma Assemblea. Na verdade, se, decorridas breves semanas sôbre a votação desta alteração, o Chefe do Estado entendesse que deveria usar do direito de dissolução...
O Sr. Mário de Figueiredo: — V. Ex.ª dá-me licença?
Eu tenho precisamente o ponto de vista de V. Ex.ª, mas não interpreto a disposição que se discute nos mesmos termos em que V. Ex.ª a interpreta.
Se a disposição pudesse ser interpretada como significando que esta Assemblea, no momento em que se modifica a sua composição e o seu funcionamento, marcava o princípio de que queria perdurar, eu votava contra ela. Mas a disposição não pode querer significar isso, e segundo o meu critério quere significar precisamente o contrário.
Um jurista qualquer, e mesmo um jurista sem «qualquer», pode tirar do desaparecimento dessa disposição esta conseqüência: é que a Assemblea acaba de votar um conjunto de disposições que modificam o seu funcionamento e composição, e, portanto, por fôrça dessas disposições, uma vez votadas, desaparece.
Pode dar-se esta interpretação a essas disposições. E o que é que então se pretendeu? Pretendeu-se que se não tirasse esta conclusão da votação das disposições que modificam a composição e o funcionamento desta Assemblea.
Foi a única cousa que se pretendeu. E por isso a disposição está redigida por maneira que não se perturba em nada o poder de dissolução do Chefe do Estado.
Perdoe V. Ex.ª mais umas palavras para esclarecer que, se não existisse essa disposição, podia pôr-se a dúvida, com a votação das alterações constitucionais, de que a Assemblea desaparecia? A dúvida pode resolver-se assim: desaparece; e então é que nos ficava mal mantermo-nos em funções em face da interpretação, que podia ser considerada razoável, de que a Assemblea desaparece. Se V. Ex.ª entende que, com a votação desta disposição, a Assemblea não desaparece ipso facto, então nós poderemos votar a sua eliminação, e assim ficaremos na mesma posição em que ficaríamos se votássemos a sua aprovação.
Mas será necessário que, numa moção da Assemblea, fique marcado que a interpretação que se dá à eliminação eventual dessa disposição é a de que a Assemblea continua a funcionar aplicando-se-lhe as disposições constitucionais vigentes. Se assim se fizer, não tenho dúvida em votar a eliminação.
O Orador: — Ouvi, com muito interêsse, o àparte elucidativo do Sr. Dr. Mário de Figueiredo, e sinceramente folgo por que S. Ex.ª me tenha interrompido para dar à Assemblea os doutos esclarecimentos que ela ouviu.
No fundo, parece-me, estamos ambos de acôrdo; apenas divergimos num pequeno pormenor: entendo que, jurìdicamente, é desnecessário o texto da proposta do Govêrno, exactamente porque, com a sua eliminação, as cousas se passarão da mesma maneira, devendo por conseguinte eliminar-se.
Parece-me, por outro lado, que só polìticamente se poderia entender que as alterações aqui votadas deveriam ter como conseqüência lógica a dissolução da Assemblea; e que, no mesmo plano político, poderia também entender-se precisamente o contrário. Mas o aspecto jurídico não é atingido necessàriamente por esta ordem de considerações. Acêrca dele não assomam dúvidas ao meu espírito: com ou sem esta proposta, as cousas irão passar-se do mesmo modo.
O Sr. Mário de Figueiredo: — Eu fui aluno da mesma escola que V. Ex.ª e digo: suponho que pode haver dúvidas; são possíveis as duas interpretações.
O Sr. Carlos Borges: — E o Sr. Dr. Mário de Figueiredo é um jurista sem «qualquer»...
O Orador: — O Sr. Dr. Mário de Figueiredo e eu pertencemos, efectivamente, à mesma escola e, por felicidade minha, eu fui até discípulo de S. Ex.ª. Apesar de tudo, porém, continuo a supor que, divergindo neste caso, não é o Sr. Dr. Mário de Figueiredo, com perdão de S. Ex.ª, quem está no melhor raciocínio jurídico. Ao meu espírito não tinha assomado, e ainda agora não assomou, qualquer dúvida...
O Sr. Mário de Figueiredo: — Ao meu espírito também não tinha assomado e foi um professor de direito público quem ma suscitou.
O Orador: — Não duvido do valor dessa autoridade; mas isso não basta, para mim, como argumento convincente. Portanto, continuo fiel ao meu ponto de vista e creio até que não é mester enveredar-se pela eliminação da proposta através da moção justificativa preconizada pelo Sr. Dr. Mário de Figueiredo. Em todo o caso, se a Assemblea assim o não entendesse, seria eu quem teria todo o prazer em convidar S. Ex.ª a substituir a minha proposta eliminatória por uma moção de eliminação, a que desde logo me associaria.
Tenho dito.
Vozes: — Muito bem, muito bem!