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66 DIÁRIO AS SESSÕES Nº.66

Destes conceitos metafísicos se .generalizou a todo o tipo de actividade a noção de um duplo elemento constituinte, embora sem manter a rigor o primitivo significado; e daí o distinguir-se nas leis a letra e o espírito, o haver em todo o esquema de actuação a organização e a essência.
Neste sentido analógico, são frouxas as ligações entre as duas componentes de qualquer actividade; da bondade de uma não é sempre legítimo inferir a bondade da outra; e se é difícil concretizar qual delas é mais valiosa, poderá talvez ter-se como certo que a essência não deve cotar-se abaixo do aspecto formal.
Vem isto a propósito do diploma em discussão, que, breve como é, aflora temas de superestrutura sem dúvida valiosos, mas não nos informa das coisas mais íntimas. São sempre um pouco assim, por natureza, os problemas do ensino; dizer que haverá escolas onde os professores devem ensinar e os alunos devem aprender, fixar algumas regras da mecânica funcional, já é conquista de mérito; mas esta carpintaria não nos habilita a prever o valor real do edifício pedagógico.
No fundo, o que vale é o saber como os professores ensinam, e o que os alunos aprendem; a noção que os primeiros têm das necessidades do meio e a aptidão que os segundos passam a ter como membros da sociedade. De pouco valem palavras; é sabido como por todo o Mundo, da mais modesta escola por correspondência à mais categorizada Universidade, se encontram cursos com o mesmo título ou cadeiras com o mesmo nome, sem que haja identidade de preparação; é sabido como em duas escolas do mesmo grau se podem despertar anseios de personalidade e de vida activa ou acentuar tendências de ascetismo e de contemplação.
Pouco se contém nas palavras de uma reforma de ensino que nos elucide sobre o verdadeiro sentido do que se vai ensinar; poderá esse sentido estar presente em quem esboçou a reforma, estar nas aspirações de quem a há-de executar, mas não o revela o panorama formal que tem sempre, invariavelmente, o mesmo bom propósito.
Dessa uniformidade de intenções é prova bem característica quanto se tem escrito entre nós sobre o sentido prático do ensino técnico nos últimos oitenta anos. O relatório da reforma de 1864 (decreto de20 de Dezembro), que criou as primeiras três escolas industriais (Guimarães. Covilhã e Portalegre), diz do seu objectivo:
O fim deste ensino deve consistir em habilitar um grande número de homens para a prática das diferentes arfes industriais, tendo em vista que esta nunca será profícua senão quando for guiada por certas e determinadas regras e por conhecimentos positivos, que é necessário vulgarizar por meio do ensino industrial, ensino este que deve restringir-se ao que for praticamente útil.
Tinte anos depois, o relatório do decreto de 3 de Janeiro de 1884 começa por estas palavras:
Considerando que o trabalho e a indústria, hoje completamente emancipados, devem estar aptos a produzir em condições indispensáveis de barateza e perfeição, não podendo essa aptidão ser adquirida senão pela instrução dada nas escolas especiais com uma feição eminentemente prática ...
No relatório da reforma de 1891 (decreto de 8 de Outubro) diz-se, semelhantemente, que se procurará a acentuação do carácter especial e profissional do ensino nas diferentes disciplinas de instrução industrial, dada sobretudo pelo desenvolvimento do trabalho oficinal; a ligação do ensino teórico e prático correndo paralelamente e sempre em tudo inseparáveis e, como consequência, a organização de uma secção de técnica oficinal ...

Na reforma de 1918 encontram-se estas palavras:

Tornar o ensino útil é torná-lo prático, é criar técnicos e não parasita». É fundamental que as compreenda bem nitidamente que todo o indivíduo sem competência técnica prática - juntamos de propósito os dois vocábulos - é uma perfeita inutilidade para o caminhar do progresso, para a marcha da civilização, e constitui um peso para o Estado. O País carece essencialmente d O relatório da reforma de 1930 (decreto n.º 18:420, de 4 de Junho) volta a insistir:
O ensino, tanto no ramo industrial como no ramo comercial, fica orientado no sentido de uma mais acentuada profissionalização.
Sempre a mesma intenção, a mesma justa noção de que a escola profissional deve ser activa e não passiva, mais prática do que teórica, mais oficina do que museu; sempre o objectivo de adaptar melhor as coisas à situação do momento, mas sempre também a convicção, que se adivinha (quando não é a afirmação sem rodeios}, de que as reformas anteriores não alcançaram o ideal (sempre o mesmo) que em cada nova orgânica se julga atingir. No fundo, sempre o reconhecimento de certo divórcio entre forma e essência, sempre a confirmação de que a primeira não pode tomar-se por boa fiadora da segunda.
Impressiona a rápida série de leis de que a reforma de 1918 faz volumoso apanhado e severíssima crítica, seguida da reforma de 1930, remodelada em 1931 (decreto-lei n.º 20:420, de ,20 de Outubro de 1931), e da que actualmente se discute, para só falar nos documentos básicos; série em cujos termos se anuncia sempre o mesmo propósito, invariável no tempo, mas que o termo seguinte declara inatingido e se propõe alcançar com mudanças de forma que nem sempre reflectem mudanças de fundo. Vai-se desacreditando o valor da forma como elemento definidor da essência.
E, porém, de justiça registar que as mutações políticas verificadas em Portugal têm tido marcada responsabilidade no valor das críticas que algumas reformas fizeram das antecedentes; e o decreto de 23 de Maio de 1911 é o modelo mais perfeito desse género, referindo-se à legislação anterior em termos desabridos, talvez impróprios da folha oficial.
Mas nem só na orgânica da escola reside o aspecto formal do ensino; há que ter em conta certas condições materiais que a boa doutrina e a boa vontade não suprem totalmente. E se essas condições não constituem o problema fundamental, não devem desprezar-se por isso como pormenores sem importância, nem desligar-se da sua posição de factores do decoro nacional.
Com ressalva de poucas escolas, têm sido desde sempre deficientíssimas as condições de funcionamento do ensino técnico entre nós, fruto do erário pobre de um país de economia débil, que não certamente por falta de compreensão das exigências didácticas. Rara tem sido a reforma em que a redução de despesas não aparece como elemento limitador, quando não como confessada finalidade. Edifícios acanhados, onde é preciso improvisar aulas em escadas ou corredores, onde não há recreios nem instalações sanitárias; material de ensino