10 DE DEZEMBRO DE 1946 67
nulo, insuficiente ou desactualizado; oficinas mal equipadas ou mal dotadas de materiais de consumo, a ponto de que alguns dos cursos previstos na organização 3e 1931 não têm podido funcionar - tal é o ambiente de muitas das nossas escolas, que uma nova lei orgânica, só por si, não consegue melhorar, a despeito do talento que nisso se empenhe. O mesmo se diz dos institutos médios.
É certo que o decreto-lei n.º 24:337, de 10 de Agosto de 1934, depois de afirmar a importância do ensino técnico e a existência de um vasto programa de novas construções a ele destinadas, conferiu à Junta Administrativa do Empréstimo para o Ensino Secundário, que passou a denominar-se Junta das Construções para o Ensino Técnico e Secundário, a missão de estudar os edifícios-tipo e de realizar as construções dentro do plano a aprovar; .e é certo ainda que o Boletim Oficial do Ministério da Instrução Pública (ano v, número especial, 1934; trouxe a lume as aspirações dessa época quanto ao ensino técnico profissional (escolas industriais e comerciais), que se podem resumir e arredondar nos números seguintes, segundo os orçamentos de então:
contos
Obras de beneficiação e ampliação em dezanove escolas ...........11:000
Construção de vinte e sete edifícios para escolas já existentes, carecendo insofismável e inadiàvelmente de edifícios novos, no dizer da comissão de estudo
.................................................................85:000
Construção de trinta e oito edifícios para escolas a criar ......76:000
Total............................................................172:000
Não se compreende facilmente como esta promessa e este programa, feitos três anos depois da publicação de uma reforma do ensino técnico, não tiveram seguimento imediato, ao menos parcial. Passados os anos e nascida a ideia de um novo arranjo do ensino, a obra continuou suspensa, ao que parece por se estar à espera da reforma agora em projecto. Não te vê que mal houvesse em construir edifícios para escolas, quando há tantas que são indiscutíveis e necessitam de instalação conveniente; recorda-se como exemplo característico a Escola Afonso Domingues, de Xabregas. Parece ter-se julgado que uma nova organização do ensino faria cristalizar em números definitivos as necessidades do País, fixando para todo o sempre as exigências de cada região e o limite da população escolar; parece ter-se pretendido projectar escolas que se ajustassem perpetuamente às necessidades, como a supô-las isentas das imposições do tempo.
Tudo ficou por fazer neste domínio. A proposta em estudo oferece-nos na base XXV nova promessa de um plano de obras; mas o n.º 12 do relatório, que a ele é dedicado, nada nos diz que permita formar ideia do volume desse programa nem do prazo em que poderá cumprir-se. A Câmara Corporativa teria desejado também uma noção mais concreta deste aspecto; porque o simples reconhecer que o existente não basta pode ser suficiente satisfação para o espírito de quem escreve, mas não o é para o espírito de quem lê. Já o relatório da reforma de 1930 dizia da que a antecedera: De edifícios e fie material didáctíco nado se curou.
Depois da qualidade vem a extensão; o esboço da forma que nos é revelado na proposta, se não define a essência, não elucida mais sobre as dimensões da obra. Sabe-se que as escolas técnicas são insuficientes para receber todos os que as procuram; sabe-se que essa procura deverá aumentar; há todo um problema de alargamento do sistema e de distribuição dos seus ramos, problema que toca o financeiro, o económico e o pedagógico, e que não é tratado no texto que se nos oferece.
Reconhece-se que seria difícil apresentar à nossa apreciação uma carta escolar, como quem diz, um compromisso firme de execução de um projecto, porque se sabe que faltam edifícios, que custam muito dinheiro e levam anos a construir, que falta pessoal docente, difícil de conseguir, sobretudo fora dos grandes centros, e que falta o inquérito pormenorizado das necessidades locais, base de qualquer programa medianamente fundamentado; mas teria sido possível dar unia ideia da ordem de grandeza do que se tem em mente, atirar um número cuja unidade poderia ser, indiferentemente, a dezena de escolas, o milhar de alunos ou a dezena Je milhares de contos.
Se uma reforma de ensino nunca traduz mais do que o que podemos chamar o panorama exterior, aquela que discutimos limita ainda, por imposição constitucional (artigo 92.º) o ângulo de visão, apertada na sobriedade de umas bases gerais, cuja doutrina, mesmo quando boa. não garante, só por si, melhoria efectiva que compense a canseira que dá.
Algumas exposições foram dirigidas a esta Câmara abordando pormenores da organização do ensino técnico, umas interessantes e outras interessadas; mas não nos cabe, com pena nossa, discuti-las nem sequer enunciá-las neste simples comentário às bases propostas.
E por tudo isto que a Câmara Corporativa, antes de entrar na análise directa da proposta do Governo, formula esta terceira reserva: as modificações de estrutura do ensino técnico podem não traduzir nada. ou apenas muito pouco, no caminho do aperfeiçoamento que é lícito esperar, se não forem acompanhadas de renovações da essência, que o diploma omite ou aborda de leve no relatório, e se não tiverem a velai- por elas um talent de bien f aire, persistente, impertinente se for preciso, que, sem largar da mão direita a pedagogia, tenha a esquerda suficientemente forte para não deixar outra vez ficar para trás o programa de novas construções.
IV - Ensino técnico profissional:
A] Habilitações de entrada. - Qualquer que seja a crítica que mereça a falta de linha geral, que a reorganização de 1918 aponta como defeito dos diplomas que a antecederam, o certo é que as ideias se têm concretizado e se tem ganho um cabedal de experiência que permite hoje esboçar com maior segurança o regime do ensino técnico profissional.
Nem é de admirar que o último século nos revele neste sector uma hesitação acentuada, sobretudo no ramo industrial; a indústria, se ainda está hoje, apesar de marcado progresso, em fase que se reputa insuficiente, tinha no século passado a inconsistência que é fácil adivinhar; e da falta de precisão do objectivo derivava necessariamente o tatear do caminho. Os mesmos ou piores tratos tem sofrido o ensino liceal em matéria de bem mais sólida estabilidade.
A reforma de 1918, além de muito sumária no que se refere ao ensino elementar, teve um defeito fundamental: não soube distinguir, ou distinguiu mal, a tradição, da necessidade, o folclore, da economia, a arte popular, da ciência aplicada. E fez em colunas cerradas do Diário do Governo a descrição e o elogio de dezenas de pequenas actividades regionais de feição artística, deixando em posição secundária a verdadeira indústria, aquele fruto de uma técnica de sólidas raízes científicas que gera os artigos do grande comércio mundial, aquele comércio que dá trabalho aos homens e prosperidade às nações, aquele que tem verdadeiro peso na vida económica.