84 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 61
número de inscritos é pequeno (umas escassas centenas em cada ano) mas ainda porque o programa é forçosamente limitado pela impreparação dos alunos, em parte analfabetos (artigo 33.º do decreto n.º 19:908, de 15 de Junho de 1931, e artigo 25.º do decreto n.º 19:909, da mesma data), e pela natureza dos cursos, de índole muito especializada (podadores, lagareiros, etc.).
Esta limitadíssima expansão do ensino agrícola tem seguramente várias causas. Parece poderem apontar-se como primeiras a menor exigência aparente do trabalho agrícola no respeitante a regras de técnica, substituídas por uma longa tradição empírica, nem sempre falsa, e o mais baixo nível de vida e de cultura do operário agrícola, que não sente - como já vai sentindo o operário industrial - a necessidade de se educar profissionalmente a si e aos filhos ou, se o sente, não tem meios para pôr em prática esse propósito; vem seguidamente o regime de internato, que pelos, encargos que traz torna este ensino inacessível ao orçamento de numerosíssimas famílias; e, como consequência de tudo isto, que se traduz no limitado interesse da população pelo ensino agrícola, resulta o pequeníssimo número de escolas (apenas duas escolas práticas de agricultura -elementares - em Paiã e Santo Tirso), que, no entanto, vivem normalmente no regime de lotação completa.
Reconhece o relatório da proposta de lei (n.º 8) estas duas últimas causas da fraca difusão do ensino elementar agrícola, mas reputa mais útil, por agora, desenvolver e alargar o ensino de aperfeiçoamento a que atrás se faz referência, sob a forma de cursos práticos de curta duração, do que criar escolas do tipo das actuais. Estes cursos agora propostos, um tanto semelhantes aos que o artigo 33.º do decreto n.º 19:908, já citado, denomina de prática rural para operários, apresentarão sobre estes, ao que parece, um certo progresso: tomarão como mínimo de habilitação o exame de instrução primária (base XVI) e terão o carácter móvel, que levará a escola a procurar os alunos.
Este tipo de escola não tem paralelo nos outros ramos do ensino técnico; mas é intuitivo que a difusão do ensino agrícola, destinado a uma população mais rarefeita do que aquela que se interessa pelos ramos industrial ou comercial, precisa de adoptar outros meios de penetração, de se parcelar, de se movimentar, e até de prescindir um pouco de certas preocupações pedagógicos no que se refere a conhecimentos teóricos e a elementos de preparação geral. Por isso se considera louvável tudo que se faça no propósito de desenvolver este tipo de ensino, quer se exerça como irradiação da actividade das escolas fixas quer como complemento da assistência técnica a cargo dos organismos agrícolas, florestais e pecuários oficiais.
Entende a Câmara Corporativa que este complemento é justamente de manter pela grande difusão que hoje possui e pela íntima correlação que tem com a função profissional de tais organismos; já no artigo 1.º do decreto n.º 16:727, de 13 de Abril de 1929, que fez transitar para o Ministério da Educação as escolas dependentes de outros Ministérios, se entendeu conveniente manter ligadas ao então Ministério da Agricultura as escolas e missões agrícolas móveis.
Reconhece-se que as duas organizações podem e devem trabalhar em paralelo, com vantagem e economia, no vastíssimo campo que se lhes oferece; mas impõe-se o acordo dos dois Ministérios para o ajuste da acção combinada, como a proposta prevê. Oxalá se não levantem conflitos de jurisdição nem preocupações de hegemonia.
Da doutrina da base XVI, dedicada a este degrau rudimentar do ensino agrícola, só merece especial reparo a posição, atribuída ao professor primário.
É evidente que o professor primário não pode, na generalidade, ser encarregado de ensinar matéria profissional, mesmo depois de frequentair os cursos de férias a que a proposta se refere; na melhor das hipóteses, a matéria ensinada não passaria de umas generalidades teóricas, com que os alunos não ganhariam muito, perdendo-se a feição técnica e prática do ensino e desacreditando-se a escola.
Mas a base XVI, ao afirmar com prudência que o serviço docente poderá ser confiado particularmente a professores de instrução primária, tem em vista, por certo, restringir esse serviço ao que é compatível com a preparação do professor, e presume-se que o faz no propósito de apurar um pouco a preparação geral do aluno vinda da escola primária. A matéria profissional agrícola não pode deixar de ser ensinada por um quadro de professores ou auxiliares com a necessária formação; seria inaceitável que se pensasse o contrário.
Parece por isso conveniente retocar um pouco a redacção desta base, para não deixar dúvidas quanto ao que se espera do professor primário.
É certo que na própria escola primária, sobretudo nos meios rurais, se pode intensificar a referência a temas da vida agrícola; mas a intenção não pode ser nunca a de fazer ensino profissional para alunos de 10 anos, mas, quando muito, a de chamar a atenção, buscando despertar o gosto pelos problemas da terra.
Dediquemos agora duas palavras à matéria da base XVII, relativa às escolas práticas de agricultura, que são, no ramo agrícola, as equivalentes das já muito faladas escolas industriais ou comerciais.
A criação do ciclo preparatório já referido atrás (capítulo IV - C) obriga à modificação do curso destas escolas, que é presentemente de quatro anos, dos quais três de preparação técnica e um de estágio (artigo 7.º do decreto n.º 19:909). Não, nos diz a proposta quantos anos se prevêem para a duração do curso depois de concluído o ciclo preparatório, mas parece razoável que não exceda dois ou três; apenas nos esclarece que o curso profissional poderá não ser único, o que parece vantajoso.
O ciclo preparatório, desintegrado da escola de agricultura, além das vantagens já apontadas a propósito do ensino industrial e comercial, resolve parcialmente uma dificuldade: o regime de internato, hoje obrigatoriamente imposto com ressalva de alguns casos de excepção (artigo 28.º do regulamento aprovado pelo decreto n.º 24:361, de 14 de Agosto de 1934). Cursados livremente pelo aluno onde mais lhe convier, os dois anos preparatórios, uniformizando o primeiro lanço de todo o ensino técnico, facilitam, em relação ao regime actual, o ingresso nas escolas de agricultura.
Formula, porém, a base XVII a reserva de poder condicionar-se, a matrícula nestas escolas à realização de estágios de adaptação; e, embora se compreenda a intenção da proposta, tem-se certa dúvida em lhe dar aprovação incondicional. Vistas bem as coisas sob o ponto de vista exclusivamente escolar, estágio de adaptação poderia, quase com igual lógica, exigir-se para a entrada nos outros ramos do ensino profissional, dado que o terem fama de mais rudes os trabalhos de campo não significa que para eles se exija mais decidida vocação do que para as lides da indústria, nem sempre suaves e limpas.
O problema sério reside, porém, em se concluir o ciclo preparatório aos 13 anos e, portanto, o curso de feitor aos 15 ou 16, isto é, demasiadamente cedo para que o diplomado, possa exercer com plena autoridade e pleno, discernimento as suas funções profissionais. Daí a vantagem de intervalar o estudo com um estágio, que, para ter algum valor, não pode durar menos de um ano; esse intervalo é hoje imposto na passagem da escola primária para a escola de agricultura, onde