420 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 81
foi dito nesta Câmara é evidente que as autarquias locais só por si não podem resolver este problema, que apresenta assim um carácter premente e instante. Não têm recursos para isso, não têm as demais condições necessárias para a criação e desenvolvimento do ensino técnico profissional. No entanto, fazem o que podem e está ao seu alcance, sem que, contudo, tenham directrizes superiores, fixadas em diploma legal, por onde se orientem e por onde ponham em prática as suas deliberações. Na minha província, na província onde vivo -a província do Ribatejo-, existem algumas escolas de iniciativa das autarquias locais e outras até de iniciativa individual. Cito o Ateneu Comercial de Santarém, que nasceu na antiga Associação Comercial, hoje Grémio do Comércio, e que está exclusivamente a cargo da Junta de Província do Ribatejo e Câmara Municipal de Santarém. Cito ainda uma outra escola de carácter comercial que existe em Abrantes e uma outra em Rio Maior.
Querendo documentar-me e esclarecer-me acerca da vida e eficiência destes estabelecimentos de ensino, formulei a cada um deles um pequeno questionário, a que todos responderam. E as conclusões que dessa resposta se tiram é que todos estes estabelecimentos de ensino, nascidos da boa vontade e iniciativa local, vivem em circunstâncias precárias e impróprias da função que se propõem, quer sob o ponto de vista das instalações em que o ensino é ministrado, quer sob o ponto de vista do professorado, quer até sob o ponto de vista do material didáctico necessário.
Outra conclusão que tiro dessa resposta é o veemente desejo de quem está à frente delas de as ver organizadas eficientemente, devidamente apetrechadas, e que se lhes dêem instalações próprias e condignas para uma maior frequência, porque os números a que me refiro atestam que de ano para ano todas essas escolas são procuradas por um número cada vez maior de alunos, muitos dos quais não podem ser admitidos por as instalações não comportarem esse número de alunos.
O Ateneu Comercial de Santarém, que tem hoje cerca de duas centenas de alunos, funciona por empréstimo numa escola primária oficial, onde nem todos os alunos têm lugar sentado para assistir às prelecções magistrais.
Estas escolas, às quais, após várias diligências, foi concedido alvará, para funcionarem legalmente, ainda hoje não podem passar diplomas aos seus alunos, que têm de vir a Lisboa prestar provas para os obter. E isto para duas centenas de rapazes e raparigas que as frequentam.
Não faz sentido que o Estado abandone ou deixe assim vegetar instituições desta natureza, que se apresentam dotadas com todas as condições para produzirem um resultado útil e prático para a vida do País, que assim deixe vegetar nestas condições deficientes aqueles que são precisamente os menos abastados, os mais pobres, os que têm menos facilidade de se deslocar e que estão possuídos porventura das maiores energias para lutar e viver, constituindo um reservatório magnífico e rico para se recrutar o pessoal do futuro, no comércio, na indústria e em outras actividades.
Há também em Rio Maior - pequena vila da província do Ribatejo- uma escola comercial, de iniciativa particular, que tem uma frequência de algumas dezenas de alunos -cerca de 50-, e essa então já obteve que os diplomas sejam passados na própria escola e que as provas sejam ali prestadas, deslocando-se até lá, na época dos exames, dois professores das Caldas da Rainha, que verificam a aptidão dos alunos e lhes concedem o respectivo diploma.
Mas já nessas condições não vive a escola de Abrantes, que é uma escola meramente camarária e de onde os alunos saem sem qualquer diploma.
Outra conclusão que se tira das respostas obtidas é a de que a maior parte dos alunos tem chegado ao fim dos seus cursos o tem encontrado colocações fáceis na vida dentro da especialidade que frequentaram e a que se dedicaram o tem conseguido salários remuneradores.
Se esta é a conclusão que se tira das respostas, isto confirma o que principiei por enunciar: que as populações das cidades e províncias, das vilas e até das aldeias prementemente requerem a organização deste grau de ensino, como constituindo um dos seus grandes anseios, uma das suas grandes aspirações.
São de ter em atenção e de considerar as aspirações desses povos, dando-lhos possibilidade de encontrarem soluções para a sua vida, numa reconfortante realidade de melhoramento e transformação da nossa indústria e até do nosso comércio.
Antevê-se, felizmente, e devido à magnífica actuação do Governo Português, para breve o maior desenvolvimento da indústria nacional. Algumas indústrias novas estão já na fase de organização, estão já a ser montadas, e verifica-se que para recrutar pessoal técnico, sobretudo pessoal operário, para essas novas indústrias se luta com sérias dificuldades, porque não temos, na realidade, abundância de artistas, abundância de operários que possam vir a trabalhar com a complexidade que a instalação dessas novas indústrias requer para serem postas a funcionar. Não será por uma razão desta ordem - descuido ou incúria do Governo em propor e dar às grandes massas populacionais preparação técnica para o desempenho dessas funções - que a indústria deixará de atingir aquele nível que é aconselhável ela atinja.
Se bem que seja uma verdade Portugal ser um país essencialmente agrícola, o certo é que, como diz o Sr. engenheiro Ferreira Dias, ele pode ser mais industrial do que é hoje, com mais proveito para a economia nacional.
Em face das considerações que acabo de fazer, tenho para mim que a questão prévia que aqui foi levantada sobre se era ou não oportuna a discussão desta lei deve ser resolvida no sentido afirmativo. E preciso, anseia-se desde há muito tempo que seja publicada a reforma do ensino técnico. Dizer-se, como disse o nosso ilustre colega, que era preferível ser só publicada esta reforma enquadrada na reforma do conjunto seria talvez uma aspiração ideal, seria talvez a solução óptima; mas tenho para mim que o óptimo é inimigo do bom, e o que é preciso é caminhar - e as coisas virão -a ajustar-se, já com o saber de experiência feito.
Eu poderia ainda apontar alguns dos resultados magníficos obtidos pela organização do ensino técnico da província, citando o exemplo da Escola Industrial Jácome Ratton, de Tomar, que começou por algumas dezenas de alunos e hoje é frequentada por centenas de rapazes e raparigas não só da cidade de Tomar mas de todas as terras circunvizinhas, que à custa de todos os sacrifícios, da dureza de longas caminhadas se deslocam à cidade para frequentar a Escola Industrial, que está hoje exclusivamente a cargo do Estado.
Mas os resultados obtidos através dessa Escola atestam ainda mais a verdade das considerações que comecei por fazer: de que há uma multidão grande de rapazes e raparigas saídos das camadas populares que precisam de ter ao seu alcance outros graus de ensino além do ensino primário, do ensino liceal e do ensino superior. E esse grau de ensino tudo aconselha que seja, na verdade, o ensino técnico.
Não vou -até porque isso não está agora em discussão-, não vou, repito, entrar na apreciação detalhada desta proposta, porque isso melhor cabimento terá quando for discutida na especialidade.
Parece-me que na proposta a organização do ensino técnico resulta da colaboração do Estado com as autarquias locais e até com a iniciativa privada. É preciso porém dizer que não se espere muito ou tudo das autarquias locais, porque, como já foi aqui dito e eu repito,