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30 DE JANEIRO DE 1947 427

O Sr. Moura Relvas: - Mas isso não tem importância nenhuma para o caso.

O Sr. Presidente: - Peço a V. Ex.ªs o favor de não estabelecerem diálogo, para que o orador possa expor os seus pontos de vista quanto à generalidade da proposta de lei em discussão.

O Sr. Mário de Figueiredo: - V. Ex.ª, Sr. Deputado Cerveira Pinto, dá-mo licença?
Talvez houvesse vantagem em V. Ex.ª, ao prosseguir na ordem de considerações que levava, pôr, como sugeriu o Sr. Presidente, a questão de que estava a tratar em termos mais gerais. Assim: qual a medida em que a fixação dos salários mínimos, incómodo bastante extenso na nossa legislação, tem ou podo ter ligações com o marxismo?

O Orador: - Perfeitamente do acordo.

A questão do serem 20$ ou 15$ é inteiramente secundária o nem de perto nem de longo justifica a afirmação de que a reforma está eivada de espírito marxista, pelo facto do prever que os aprendizes sejam dispensados durante, doze horas por semana para poderem frequentar os cursos complementares de aprendizagem.
E, posta a questão neste plano, eu quero dizer que isto, que provocou discussão tão acalorada, é a lei vigente na maior parte dos países que se podem chamar civilizados.
Na Inglaterra, pelo menos em Rugly, por virtude da publicação do Educatiun Act de 1918, as horas que o aprendiz perde na escola são pagas polo patrão. O mesmo princípio foi aplicado em França pela lei Astier, em 1919. Na Suíça acontece a mesma coisa e ainda com a agravante de que os trabalhos que os aprendizes executam na oficina são os que forem indicados pela escola.

O Sr. Sebastião Ramirez: - Normalmente são essas indústrias que tem as escolas a sou cargo.

O Sr. Moura Relvas: - Isso é outra coisa...

O Orador: - Outro tanto acontece, ou acontecia, na Alemanha.
Nos Estados Unidos são muitíssimas as escolas que ministram o ensino durante as horas de trabalho retribuído, tais como as High Schools Cooperativos, as Part Time Discontinuous Classes o a General Continuation School.
E não se pense que mesmo em Portugal o princípio previsto na base IV é inteiramente inovador. Nada disso.
No contrato colectivo de trabalho celebrado entre o Grémio Nacional dos Industriais Gráficos e o Sindicato Nacional dos Tipógrafos, Litografes e Ofícios Correlativos preceitua-se, no § 1.º da cláusula XX:
Os iniciados, desde que apresentem à entidade patronal certificado do inscrição, de horário escolar o de frequência em curso nocturno de escola gráfica ou industrial, deixarão a oficina noventa minutos antes da hora do entrada na escola ...
Isto para Coimbra e Porto, porque para Lisboa a dispensa é de duas horas.
Na base IX do despacho que regulamentou as condições de remuneração e prestação de serviço na indústria metalúrgica, despacho de 15 de Agosto de 1946 (portanto há poucos meses ainda), determina-se que:
Os aprendizes que frequentam com assiduidade cursos de escolas industriais ou cursos complementares de aprendizagem deixarão as oficinas duas horas antes do encerramento, sem prejuízo da remuneração, nos dias em que tenham aulas.
É preciso notar que este despacho teve como base o estudo de uma comissão da qual faziam parte dois representantes patronais, indicados respectivamente pela Associação Industrial Portuguesa o pela Associação Industriai Portuense.
A Sociedade Nacional de Fósforos tomou o compromisso com o seu pessoal de reduzir a quatro horas o período diário de trabalho de menores de 10 anos que se matriculem em qualquer escola industrial, atribuindo, como prémio, aos que tiverem bom aproveitamento uma gratificação igual ao total dos salários auferidos no período a que a classificação respeitar.
A Associação Industrial Portuense há bastantes anos que no dia 3 de Maio, aniversário da sua fundação, e em cerimónia a que várias vezes tive a honra de presidir, distribui valiosos prémios pecuniários instituídos por ela, e individualmente por sócios seus, aos alunos que tiverem melhor aproveitamento nas cadeiras dos respectivos ramos industriais. E os alunos contemplados nem sequer são operários dos industriais instituidores dos prémios, e estes só os conhecem na altura em que as recompensas são distribuídas. Mas, porque são industriais esclarecidos, abrem generosamente a sua bolsa para premiar o esforço dos que querem ser bons técnicos nas respectivas indústrias.
Poderia multiplicar os exemplos e referir-me, por exemplo, ao que só passa na Escola do Barreiro, nas escolas da C. P., etc., mas o que citei basta para o meu intento.
Apenas acrescentarei que a comissão do reforma do ensino técnico recebeu dos centros industriais que para esse efeito foram consultados a adesão formal ao princípio concretizado na base IV da proposta.
No brilhantíssimo parecer da Câmara Corporativa diz-se:

A falta do aprendiz na oficina doze horas por semana é bem compensada pela valorização que a escola dá ao trabalhador e pela tranquilidade de consciência que dará ao patrão o cumprir de um dever social.
Mesmo no comércio parece conveniente experimentar.
Na verdade, o que se pretende e se atingirá com o preceito referido é materializar um princípio de solidariedade humana, é realizar uma obra em favor do aprendiz, em proveito - proveito directo - do industrial e em benefício da colectividade. É, pela minha cartilha, realizar corporativismo, verdadeiro corporativismo.
Como pode, pois, afirmar-se que tal preceito representa uma medida de tipo marxista?
O marxismo, penso ou, e comigo pensa muito boa gente, não se importa nada com a cooperação entre os patrões o os trabalhadores. E da sua essência destruir os primeiros o escravizar os segundos à omnipotência de um patrão monstruoso que se chama Estado soviético.

Vozes: - Muito bem!

O Sr. Moura Relvas: - Não me refiro às empresas ricas nem às que voluntariamente têm a consciência social dos seus deveres.
Refiro-me às empresas pobres e médias, que vão ser forçadas a um dispêndio que, porventura, não poderão suportar.
Uma medida dessa natureza é que eu considero marxista.