30 DE JANEIRO DE 1947 429
Não basta o trabalho de aplicação, de laboratório ou oficinal. A técnica no ensino comercial exige hoje uma nova orientação. Das escolas comerciais não devem sair sómente os chamados técnicos contabilistas, técnicos de escrituração comercial. Devem conseguir os seus cursos com outros conhecimentos, que os habilitem a servir nas empresas comerciais ou industriais como auxiliares das funções próprias dos dirigentes e com a concepção e a prática dos custos de produção, onde as fórmulas de pagamento entram consoante a natureza da exploração, variando de actividade para actividade.
Ainda apreciando na generalidade a proposta de lei, ou, melhor, o seu parecer, no que se diz acerca do ensino agrícola, tenho o prazer de registar, com satisfação, o que se pretende atingir. Vem de encontro- ao que expus nesta Assembleia, sobre o assunto, na primeira sessão desta legislatura. A proposta para este ramo de ensino convida a uma experiência, sem dúvida do grande alcance, e a ideia de suprimir, nas escolas existentes, a faculdade do ensino liceal parece conveniente e necessária. Embora o maior número e o grau destas escolas não se avente, como sendo oportuno, creio que qualquer dificuldade criada à sua útil expansão só poderá ser prejudicial.
Duma maneira geral, o relatório da proposta parece traduzir uma auscultação, feita através dum inquérito e controlada pelo registo obtido, durante anos. nos diferentes departamentos do Estado mais directamente interessados no problema.
Contudo não deixo de registar as faltas apontadas, bem como aquela que diz respeito ao ensino técnico profissional, com mira à nossa expansão económica colonial, pois mal não ficaria que no mesmo relatório fosse encarado este ponto de vista, atendendo-se a que uma boa quota-parte dos nossos profissionais técnicos deveria aclimatar-se à ideia de que muito teremos de aprender, em proveito do nosso meio económico e imperial, para que ele se robusteça, em todas as nossas manifestações de trabalho.
Sr. Presidente: passei de relance, apreciando o relatório da proposta, para me fixar, com justificada atenção, no parecer da Câmara Corporativa.
O número do parecer da Câmara Corporativa pode, para muitos, ser supersticioso. Quanto a mim, devo encará-lo como de sorte. Eu explico : a sorte nem sempre pode ser benfazeja, mas nem por isso se afasta a dúvida que ao meu espírito deixou a sua leitura. Dúvida quanto à justiça que o mesmo encerra. Dúvida quanto à essência que o mesmo possa conter. Uma conclusão obtive da sua leitura.
A proposta de lei é apresentada com um objectivo que envolve uma certa preocupação de atingir um fim. A sistematização apresentada para as bases, no parecer da Câmara Corporativa, parece-me mais apropriada. O relatório da proposta de lei deixa-nos tranquilos, porque pretende orientar e definir uma nova, necessária e útil fase, destinada ao aperfeiçoamento do ensino técnico profissional.
O relatório do parecer da Câmara Corporativa, aparte citações valiosas sobre o que tem sido o nosso ensino técnico através do tempo, não procura ser tão objectivo e até mesmo, em certas passagens, não é justo.
Quem o lê e relê - o leitor que não seja nacional, porque este conhece e sente o que possuímos para satisfazer as exigências da nossa população, fruto da iniciativa particular e da orientação oficial- necessariamente que tem de concluir do que tudo que temos não é nosso, como não é nosso o esforço despendido em proveito do ensino e da nossa economia. Vivemos, pelo que se depreende, isolados uns dos outros, sem a tudo nosso trabalho, sem vida própria e sem recursos técnicos, velhos ou novos, porque de tudo -como todos os povoes -
possuímos, e que mercê dum exame de consciência, bem podemos facilmente penitenciar-nos, dizendo que, bem ou mal, nos soubemos livrar das faltas imperiosas que a última guerra nos ofereceu.
Não são justas as alusões feitas a este respeito no parecer da Câmara Corporativa, mas talvez merecida não desculpas, porque nem sempre é fácil exteriorizar as razões que podem, com entusiasmo, ajudar os estudiosos a atingir o louvável ideal da perfeição.
Disse: na indústria sabe-se pouco, na agricultura sabe-se mal. Posso afirmar à Assembleia que são inúmeras as actividades industriais, comerciais e agrícolas do País que extraem, transformam, manufacturam e distribuem muitas das nossas matérias-primas e das dos estranhos, que podem bem ombrear com empresas similares estrangeiras, e não foi com uma visão limitada que essas iniciativas se ergueram e prosperaram, para bom da economia nacional.
Sr. Presidente: depois procura-se justificar a difícil aceitação dos técnicos das nossas escolas profissionais com a falta de conhecimento dos gerentes das empresas, mas não se aviva a nota essencial.
Essa relutância vem, em grande parto, da deficiência do ensino. Note-se: não do grau ou nível científico das nossas escolas técnicas; é por isso mesmo que nos encontramos hoje nesta Assembleia para apreciar e votar uma lei que visa, certamente, a melhorar essas deficiências, atendendo-se, na medida do possível, a essas faltas.
Parece-me que todo o parecer da Câmara Corporativa vem influenciado polo desejo firme de se proceder a uma reforma enérgica na produção. Mas também me parece que essa reforma não poderá resultar em benefício se a sua actuação não for revestida de certa cautela, obtemperando à falta de mão-de-obra qualificada. Pode imprimir mu sentido bem diverso daquele que possa idealizar-se.
Não se pode defender o critério da precedência, quer para o desenvolvimento do ensino técnico profissional, quer para o da produção. Os dois têm de, necessariamente, caminharia passo, não a passo lento, mas breve e com firmeza. É nisto que reside o grande problema. É assim que se logrará usufruir o benefício útil e resultante da articulação entre o ensino técnico profissional e o da produção.
Mas, mesmo aceitando este conceito, onde a técnica profissional, laboratorial ou oficinal atinja essa perfeição, não nos devemos fixar em matéria tão inconsistente, porque, por vezes, a técnica falha para dar lugar a outras funções de natureza administrativa, que muito contribuem para o progresso das empresas.
Nem sempre é condição essencial o exercício da técnica profissional para o desenvolvimento da empresa. É necessário atender-se a outras capacidades inerentes às funções dos dirigentes para se levar a bom termo o que é necessário defender e desenvolver.
Tudo tem de ser considerado, e nas reformas que se ensaiam, como esta que nos é proposta, não se pode defender o critério rígido de um sistema que nos pareça ideal ou fortemente especializado. É mesmo necessária uma certa maleabilidade para que delas se obtenha uma mais fácil e constante adaptação.
Sr. Presidente: na primeira ressalva, a Câmara Corporativa afirma que sem uma reforma da produção parece não se poder tirar inteiro rendimento de uma reforma do ensino técnico profissional.
Ora esta afirmação não carece de grande relevo, porque a própria lei n.º 2:005 justifica e esclarece essa dúvida do parecer. O que se pode, julgo eu, depreender dessa lei é que essa transformação desejada para a produção industrial seja cautelosa, e digo cautelosa porque nem sempre abundam os técnicos profissionais no País,