1 DE FEVEREIRO 1947 445
outras, em harmonia com a psicologia e a índole de cada povo, as necessidades e os recursos de cada, Nação.
Nos princípios de Aristóteles, nascido quase quatro séculos antes de Cristo, assentou ainda- todo o saber da Idade Média; os de Bacon, depois, revolucionaram o Mundo: a dialéctica e o raciocínio silogístico foram substituídos pelo estudo concreto da realidade, pela observação directa da natureza, pela indução, que levava à interrupção lenta e paciento dos factos e permitia descobrir as leis gerais; o Discurso do Método, de Descartes, foi, no domínio das letras e das ciências exactas, o mesmo que o Novum Organum no das ciências naturais.
E todo o Mundo, fascinado pelo brilho dos princípios cartesianos, os aceitou e os deixou estender de tal modas suas raízes que muitos deles são considerados os grandes princípios da pedagogia moderna.
Sr. Presidente: Sei que se tem censurado os legisladores por se copiar, às vezes, o que se faz no estrangeiro; mas se um plano de educação e de instrução deve assentar em princípios filosóficos de carácter universal e há nações em que determinados ramos estão tendo um desenvolvimento extraordinário, marcando um verdadeiro progresso sobre o que existia antes, o Estado só merece o nosso elogio fazendo, como tem feito, o estudo conveniente do que se passa lá fora, procurando adaptá-lo às nossas necessidades, investigando até que ponto nos será útil e possível seguir o mesmo caminho e marcando a altura em que devemos abandoná-lo.
Pois foi isto tudo que vi no relatório da comissão da reforma do ensino técnico; vi a clareza com que o problema era exposto, a precisão com que eram analisados os aspectos gerais deste ensino; admirei o método seguido pela comissão nos seus trabalhos, os seus inquéritos, os seus planos.
O ensino pré-profissional, que eu há muito já defendia, vem aí estudado largamente nos seus antecedentes, finalidades e características, nos objectos do ensino, etc.
Dos trabalhos manuais educativos - considerados na sua importância como actividade escolar, no conteúdo da aprendizagem, na sua influência sobre a orientação profissional - faz-se um estudo primoroso.
O modo de articular estas escolas com o ensino primário e com as escolas secundárias vem aí expresso com clareza e precisão.
E tudo isso eu ignorava que estava feito e por isso me parecia a reforma tão incompleta!
Ora, ainda que continue a defender, como essencial, o tal plano geral de estudos, penso que se pode muito bem acudir agora às necessidades imperiosas do ensino técnico, sem o prévio estabelecimento dessa rede geral, que não tardará, por certo, a aparecer.
A articulação está feita; não me parece que a futura reforma dos graus de ensino que a precedem e a seguem possa contribuir para alterações profundas. Quando muito, poderá haver pequenas arestas - que facilmente se limarão depois - no encadeamento lógico dos programas.
Sr. Presidente: dividido convenientemente o ensino num certo número de graus, o essencial é saber definir o que deve constituir os programas de cada um, em harmonia com as suas necessidades; depois estabelecer entre eles o tal encadeamento lógico.
Penso que devia haver primeiro todo o cuidado com o ensino infantil, visto que, entre outras razões, a mulher portuguesa imo está ainda educada de modo a podermos suprimi-lo. O papel da escola, nessas primeiras idades, será muito menos o de instruir do que o de educar.
Ensinar a criança a familiarizar-se com os seus condiscípulos, a ser alegre e comunicativa, sincera e leal, a saber ter respeito pelo tempo, dando a cada hora o que lhe é devido - alegria e movimento ou quietude e concentração -, parece uma coisa insignificante, mas tem um profundo significado pedagógico, porque é, a final, prepará-la não só para o ensino primário, que se segui;, como até - o que é d t- bem maior alcance - para a própria vida.
Ensiná-la a concentrar-se quando for preciso é importantíssimo, repito, porque a criança de hoje não sabe ouvir.
É esta uma das causas que mais contribuem para a gelada indiferença dos nossos alunos do ensino médio e até do superior.
A sabedoria popular, nos seus vários aforismos, bem nos mostra que se não devem descurar os problemas destas primeiras idades: «De pequenino ...».
É na escola infantil que deve ter o seu início a aprendizagem dos trabalhos manuais, que tanto divertem as crianças e que são de tão grande- alcance sob o ponto de vista pedagógico; é já na escola infantil que se pode aumentar consideravelmente o seu restrito vocabulário, obrigando-as a reproduzir, embora auxiliadas, pequenas histórias, cenas da vida quotidiana, etc.; é lá também (jue se pode formar o seu carácter, dar-lhes a primeira pedra que lhes sirva de base, quando não tiverem a felicidade de a trazer já de casa.
Mas, mesmo que a tragam, será a continuação do edifício a construir.
Definido o papel deste- primeiro ensino - em que o cérebro da criança se não sobrecarregará com coisa alguma que aparentemente possa parecer que pesa -, seguir-se-á o primário, que ne parece bem definido se conseguirmos obter das crianças que elas saibam ler, escrever e contar.
É claro que é preciso pensar também nas que não continuam os seus estudos, isto é, naquelas que se limitam a este grau de ensino; para essas é realmente preciso um fundo de conhecimentos gerais, que devem ser estudados pelo pedagogo e pelo legislador com verdadeiro carinho.
Parece-me, pois, indispensável uma subdivisão deste ciclo, a não ser que se veja possibilidade de estas crianças frequentarem, também obrigatoriamente, as escolas pré-profissionais, com o que só teriam a ganhar.
É tempo de falar agora dessas escolas.
Se o Estado puder levar a cabo tão grande empresa, não tenho dúvida alguma sobre o seu resultado prático; mas...
Sr. Presidente: pergunto se há, na verdade, em Portugal, onde tanto escasseia o amor sincero pelas modernas actividades pedagógicas, pessoal docente para se pôr em prática esse ideal, que já preocupou tantos homens de saber e a que deu uma forma verdadeiramente feliz e inteligente o ilustre Prof. Dr. Oliveira Guimarães, que soube tão bem definir as características do ensino pré profissional, tomando como base a capacidade discente dos alunos, o processo educativo e as necessidades da nossa organização social.
Sei que reduzir o ensino pré profissional apenas àquilo que a instrução primária dá é falsear-lhe o seu fim. Agora é o trabalho oficinal que se pede e o trabalho do campo; é especialmente a inteligência viva do professor e descobrir nos trabalhos manuais a capacidade profissional dos educandos.
Contudo, se não houver professores devidamente habilitados para exercerem estas funções - e penso que os não há -, não exijamos do Estado, por enquanto, a criação das escolas pré-profissionais; pensemos primeiro em preparar professores para elas.