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446 DIÁRIO DAS SESSÕES - N.º 82

Fique assente como coisa futura a sua criação; mus não se cometa o erro de levar, ainda que provisoriamente, para esses lugares professores que não apresentem as duvidas habilitações.
Até lá remediemo-nos com o que as escolas primárias nos possam dar - e dão talvez muito mais do que V. Ex.ª julgam.
O trabalho do professor primário é, aparentemente, apagado, mas vai às vezes muito longe lia sua missão delicada.
Entre esses professores também se encontram verdadeiras capacidades, que rivalizam com as melhores dos outros graus do ensino.

Sr. Presidente: - Sei quanto repugna a mentalidade de hoje ir buscar uma coisa que já foi há muito posta de parte como inútil ou até como produtora de maus frutos; penso, contudo, que, à luz de um justo espírito criterioso, haveria, «por vezes, vantagens em rever certas concepções pedagógicas, passar os olhos por antigos programas e pedir à pedagogia moderna a razão desses maus frutos.
Penso que aos programas do meu tempo só devia ter faltado a competência profissional da maior parte daqueles que estavam encarregados de os pôr em prática.
Analisando os que agora são indicados para o ensino pré-profissional, que a base III da proposta do Governo oferece à discussão desta Câmara, e recordando os da instrução primária dos meus tempos de menina, tive, confesso, uma sincera alegria.
Pareceu-me que voltávamos atrás, àqueles suaves programas sem acumulações forçadas, em que- a criança tinha tempo para repetir à vontade, registando assim a valer aquelas noções que lhe haviam de ser precisas pela vida fora, decorando quase os trechos do seu livro de leitura, que lhe deixavam no ouvido uma certa cadência, uma musicalidade que a ensinava a redigir bem - porque também aprendia certas construções, que registava para sempre.
Ditados, cópias, leitura, contas e problemas nunca são de mais nestas primeiras idades. E era nisto que praticávamos a valer.
Quando, anos mais tarde, me encontrei no liceu a reger a cadeira de Português do 5.º ano fiquei dolorosamente surpreendida ao ver que aquelas crianças, já com um certo desenvolvimento, habituadas ao meio culto da cidade, se exprimiam e redigiam pior que as minhas pobres companheiritas de escola, filhas de moleiros ou doutras pessoas humildes.
E que, dantes, quem não sabia ler bem ou dava três erros no ditado já não passava no exame, e por isso era vulgar ficar na 4.ª classe dois ou três anos, a preparar-se convenientemente.
Passemos então os olhos pelas matérias deste ciclo pré-profissional, que, como V. Ex.ª sabem, formam as seguintes unidades docentes:
Língua e História Pátria (não posso concordar, como já expus aos meus Exa. nos colegas da Comissão de Educação Nacional, com o facto de estas duas disciplinas poderem formar uma única unidade docente; mas reservarei as minhas considerações para a altura em que se tratar da discussão das bases);
Ciências Geográfico-naturais; Aritmética e Geometria;
Desenho Geral;
Caligrafia (no parecer da Câmara Corporativa é eliminada esta disciplina); Trabalhos Manuais; Educação Moral e Cívica; Educação Física; Canto Coral.

São perfeitamente os meus antigos programas de instrução primária vistos à luz da pedagogia moderna: acrescentamento de Trabalhos Manuais, Educação Física e Cauto Coral; união da Educação Moral com a Cívica.
O resto é, tal qual, o que nós tínhamos. E não quero mesmo deixar de registar uns pequenos incentivos que vinham das frequentes reuniões dos professores, em que os inspectores escolares e outras entidades lhes faziam ver a necessidade de habituar as crianças a fazer barquinhos de papel, caixas e outras coisas simples, a modelar o barro (a plasticina era um grande luxo!), a fazer cestinhos de verga, de ráfia ou de junco, a executar, mesmo em madeira, alguns instrumentos de lavoura...
Não havia ginástica, mas já se não permitia que as crianças tomassem nas aulas posições defeituosas (conheciam-se os perigos da escoliose), e os recreios ao ar livre eram aproveitados com verdadeiro delírio.
Só aí se ouvia o canto, quando as crianças, cansadas do jogo das escondidas, da barra ou dos quatro cantinhos, começavam as suas danças de roda. Só aí, não; porque, ainda que raríssimas vezes (no meu tempo escolar só uma), ia às escolas (primárias um professor de canto ensinar hinos escolares.
Pelo que diz respeito à Educação Moral, o livro de Português, maravilhosamente bem feito, da autoria de). João da Câmara, Maximiliano de Azevedo e Raul Brandão, com á seus trechos adequados, dava lugar a justas observações dos mestres, ao alcance dos alunos.
Também serviam de assunto para pequenas palestras morais qualquer incidente ocorrido na aula ou meros acontecimentos da aldeia.
Temos de confessar que este (programa constituía um pequeno fundo de saber que acompanhava as crianças pela vida fora.
Ora, quando me referi à necessidade de unia subdivisão no ciclo da instrução primária, pensei justamente em dar àquelas crianças que não continuassem os seus estudos esta pequena base indispensável.
Sr. Presidente: espero, com firme convicção nos seus óptimos frutos, a criação de escolas de ensino pré-pro-fissional, em íntimo convívio, como a proposta preconiza, com as escolas técnicas.
Deslumbrados pelo magnífico prisma por que o ilustre Prof. Oliveira Guimarães viu este problema - quando se procurava essencialmente a forma de preencher aqueles dois anos que medeiam entre o ensino primário e o técnico, dando aos estudos desse período um carácter de orientação profissional -, irão vimos talvez que não era ainda (e tanto mais que: não há pessoal docente para isso) o momento oportuno para esse sacrifício do Estado.
O analfabetismo em Portugal vai além de 50 por cento, como se sabe, e nem sequer temos ainda, apesar dos esforços do Estado neste- sentido, que têm sido bem importantes, escolas primárias em número suficiente e convenientemente apetrechadas.
É certo que há muitas de construção moderna; mas, em geral, aproveitam-se para salas de aula divisões horríveis, sem condições de higiene, de iluminação e ventilação; as crianças, no inverno, sem aquecimento algum, tiritam de frio; chegam às vezes molhadas e enxugam no corpo as suas roupitas pobres.
É este o triste panorama da maior parte das nossas escolas.
Como se pode assim exigir delas um rendimento útil? Como forçar crianças que têm frio, e muitas vezes fome, a prestar atenção ao que o professor explica?
E os professores primários - posso afirmá-lo com segurança, porque tenho o curso da antiga Escola Normal Primária de Coimbra - vão hoje muito menos prepa-