7 DE FEVEREIRO DE 1947 447
rados para o exercício das suas funções do que iam no meu tempo.
Contudo, agora estuda-se mais; mas parece-me que se estuda pior.
Para admissão a essas escolas havia, nesse tempo, um exame, de nível 1 equivalente ao do 3.º ano do liceu (ou então o diploma desse exame); o curso das escolas normais primárias era de três anos, com rigorosíssimas práticas pedagógicas; agora exige-se o 6.º ano dos liceus, um exame de admissão, de nível muito inferior ao do 6.º ano, e dois de escola normal.
Tenho também o curso para professora destas escolas; exerci as minhas funções aqui em Lisboa, na de Benfica, e não concordo, absolutamente nada, com o que se faz actualmente.
Ora, Sr. Presidente, se o professor estivesse convenientemente habilitado, como devia estar, poderia evitar-se ao Estado, ao menos por enquanto, a despesa a fazer com as escolas pré-profissionais.
Como hei-de eu exprimir-me?
Julgarei, porventura, que estas não sejam de muito maior alcance que as escolas primárias, especialmente se puderem funcionar junto das oficinas?
É claro que não.
Nada há para o aluno que queira seguir um ramo técnico como a familiarização com o mundo das- indústrias; se a escola primária o pode iniciar no conhecimento dos materiais em uso, dos produtos correntes e, até certo ponto, da transformação das matérias-primas, temos de confessar que só com o auxílio do cinema - porque os mapas não bastariam - a criança poderia fazer nina ideia aproximada do que seriam essas transformações e dos trabalhos que exigem.
Mas o cinema não a deixa experimentar, e às vezes, perante a sua pouca aptidão para certos trabalhos, a criança desanima e desinteressa-se; outras vezes dá-se o contrário: é justamente a revelação da sua habilidade que a chama para determinado rumo.
Sem experimentar não se torna responsável pela realização de um projecto, não conhece a alegria compensadora do ter vencido, que lhe há-de dar incentivo para maiores obras, no seu desejo de fazer mais e melhor.
Em convívio com a máquina o aluno vai conhecendo os seus segredos, vai-se interessando por ela. Vai vendo, vai aprendendo.
Mas os seus trabalhos manuais - diz-nos ainda a proposta - do Governo - «serão do oficina - preferentemente de modelação de madeira, de metal, de costura e análogos; ou de campo- designadamente de jardinagem, de horticultura», etc.
Eu penso que está no espírito da proposta que o aluno, praticando sempre em coisas simples, acessíveis, só pratique verdadeiramente, no rigoroso sentido da palavra, no ciclo profissional.
Os trabalhos manuais do ciclo pré-preparatórios têm, especialmente, em vista descobrir vocações profissionais.
Mas a criança só tem 11 ou 12 anos. Outros centros de maior interesse podem surgir depois que a obriguem a seguir novos rumos.
Ora eu penso que se esses dois anos se puderem aplicar no sentido de o aluno ficar com uma base sólida de conhecimentos úteis, ainda que muito simples, já se não perde tudo. Aos 13 ainda se pode muito bem descobrir - e até melhor que aos 11 - a vocação profissional da criança.
Bem sei que é, pelo menos, um ano perdido, se se vir que a não tem no ramo que escolheu.
Mas é o que acontece em todos os cursos: o aluno que não triunfa ... desiste.
Volto, pois, a crer, quase em absoluto, nas virtudes de uma boa instrução primária.
Por isso atrevo-me a pedir a obrigatoriedade desse ensino primário de continuação não só para as crianças que não seguem os seus estudos como para as que desejam entrar nas escolas técnicas.
Sr. Presidente: nenhuma reforma triunfa sem o concurso de duas condições fundamentais: a primeira é a rigorosa escolha do pessoal docente, capaz de fazer da sua carreira um sacerdócio e não só um ganha pão; a segunda reside essencialmente na organização e adaptação dos programas, na amenização da parte teórica pela introdução de práticas acertadas.
É evidente que se um programa estiver bem feito, se nele se atender ao máximo que se deve ensinar em harmonia com a capacidade média dos alunos, tudo o que ultrapassar esse limite é demais: sobrecarrega-lhes o cérebro, compromete a acção educativa do professor.
Se o programa estiver bem feito e o mestre for digno desse nome, só serão maus alunos os que não tiverem capacidade para deixar de o ser.
O que é indispensável é que nos diferentes graus do ensino se vá a pouco e pouco dando profundeza ao que se ache essencial, excluindo sempre de cada ramo o que, além de um certo limite, revista nesse ramo uma importância diminuta.
O vício actual, logo no começo dos estudos, é encher o cérebro dos alunos de coisas que pouco valem; e, a propósito de os habituarmos a raciocinar depressa, nem vemos que os tornamos quase autómatos.
E qual é o resultado prático de tal sistema?
Uma falta de atenção crescente, que se torna, dia :i dia, verdadeiramente aflitiva; um desinteresse, quase geral, que domina turmas inteiras.
Há quem torne o cinema o principal responsável por este estado de coisas; outros culpam disso a futilidade ou a indiferença do meio em que as crianças vivem; outros, ainda, a liberdade que os pais dão agora aos filhos.
Embora estes elementos sejam poderosos factores, a considerai, para mim a verdadeira causa da distracção dos alunos reside essencialmente na falta de adaptação dos programas.
Em todos os tempos houve divertimentos para crianças, embora em menor escala, e também, como hoje, infelizmente, lares onde as palavras «educação» e «instrução» eram formadas por letras mortas; toda a gente sabe que muitas vezes se aproveitam inteligências medíocres, sem se recorrer à mais leve sombra de orientação profissional, marcando-se de antemão o caminho que a criança há-de seguir.
E um hábito, mas um erro.
Também é certo que as condições sociais do nosso povo, seguindo a marcha geral da Humanidade, se tem alterado nos últimos tempos, e que toda a gente, qualquer que seja a sua esfera, quer que os filhos estudem, sem procurar saber da sua capacidade intelectual - mas isto também não é novo: é uma questão apenas de nivelamento das classes sob o ponto de vista intelectual.
Ora em todos os tempos houve crianças que seguiram os seus cursos sempre direitinhas e outras que tropeçaram no seu caminho; mas o problema que agora nos preocupa é outro:
Há alunos que vencem, que são inteligentes, mas que vão ouvindo as lições do mestre com uma indiferença glacial, mais ou menos distraídos quase sempre, sem chegarem a ser o que se podia esperar deles.
Parece-me que aqui só há dois caminhos a seguir: ou tornar o professor culpado, visto que não sabe pedagogicamente conduzir a lição, estimulando os alunos, criando o interesse na aula, dando vida e movimento à classe, ou então culpar as programas.
Ora, para mim, são eles, como já disse a V. Ex.ªs, o principal factor da distracção da criança.