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5 DE FEVEREIRO DE 1947 470-(15)

Mas o problema do inquilinato não se integra apenas dentro da esfera desse problema geral. Ultrapassa-o em muito, porque não se trata, sob o domínio do pacta sunt servanda, do simples respeito pelo convencionado, o que seria em certa medida compreensível, mas de uma sujeição aos imperativos da lei que, para resolver certos problemas de ordem social, impõe aos senhorios a renovação do arrendamento. Enquanto não expira o prazo convencionado será em certa medida compreensível que a renda não possa ser alterada, pelo respeito devido ao próprio contrato. Mas expirado esse prazo e continuando vinculado o senhorio por imposição da lei, podendo entretanto ter-se alterado o valor da moeda, ou as condições do contrato ou da localidade, ter o prédio recebido benfeitorias, ter sido urbanizado o local da construção, etc., parece não se compreender que a essa renovação não se faça corresponder uma actualização da renda.
Andam dois aspectos muito confundidos nas nossas leis: o da impossibilidade do despejo em ocasiões de crise de habitação, com a correspondente necessidade de se não permitir ao senhorio aumentar livremente as rendas, e o da impossibilidade para este de exigir uma renda justa quando o arrendatário lhe imponha a continuação do contrato. O primeiro compreende-se e justifica-se tão bem que até é possível presumir que a renovação, hoje admitida em quase todos os Estados que suportaram a grande crise da guerra de 1914, entre na normalidade do contrato, se perpetue, embora tenha aparecido sempre com carácter nitidamente excepcional e transitório. Não se vê muito bem, na verdade, que se possa regressar tão cedo a esse regime chamado de liberdade contratual.
Mas para quê e porquê a impossibilidade de se fazer acompanhar a renovação de um aumento justo de renda? Num ponto de vista jurídico, é evidente que a pergunta não tem resposta. Não é o princípio pacta sunt servanda que pode ser invocado, porque a renovação não é convencionada, mas imposta; não é a impossibilidade de determinar o coeficiente exacto da valorização ou desvalorização da renda ou da mercadoria, porque neste domínio são possíveis aproximações justas e quase rigorosas, através, por exemplo, de uma avaliação; não é, por último, a circunstância de o devedor ter sofrido também, ou podido sofrer, as consequências da desvalorização da moeda, porque o facto habitação é permanente e actual.
A justiça do aumento das rendas já foi reconhecida algumas vezes em Portugal. A lei n.º 1:368, de 21 de Setembro de 1922, permitiu o aumento até ao rendimento ilíquido correspondente ao respectivo rendimento colectável, calculado nos termos dessa lei (artigo 25.º, § 3.º). O decreto n.º 9:118, de 10 de Setembro de 1923, permitiu igualmente que se elevassem as rendas segundo critérios fixados nesse diploma. Estabeleceram-se coeficientes de valorização, que variavam consoante o destino do prédio e a data em que os arrendamentos tivessem sido feitos. A lei n.º 1:662 estabeleceu também novos coeficientes de valorização, atendendo a idênticas circunstâncias. Sistema paralelo foi seguido ainda pelo decreto n.º 15:289, de 30 de Março de 1928, que fixou novas regras para a determinação do rendimento colectável dos prédios urbanos, e que na parte relativa às rendas ainda se encontra em vigor.
Os aumentos permitidos não acompanharam, porém, o movimento da desvalorização da moeda. Basta notar que só os rendimentos colectáveis de prédios destinados ao comércio e indústria, ou arrendados ao Estado e corpos administrativos, que não fossem destinados exclusivamente a habitação, foram multiplicados por 14, e só quando os prédios tivessem inscrição na matriz anteriormente a 31 de Dezembro de 1914. Todos os outros coeficientes são inferiores a este, e nunca superiores a 10, em relação a prédios destinados a habitação 18.
No estrangeiro sempre se permitiram também actualizações de renda. É difícil hoje determinar, dadas as variações de valor das respectivas moedas, o sentido exacto destas actualizações. Nada significa saber-se, por exemplo, que na Polónia, em certo momento, as rendas anteriores à guerra foram multiplicadas por 39, na Hungria por 49, na Áustria por 510 e na Alemanha por 600. Já interessa, porém, notar que em alguns países se atribuíram poderes para a fixação de rendas, ou a tribunais ou a comissões arbitrais19, procurando-se por esta forma obter uma renda justa.
Cremos que o exemplo francês, com a sua legislação posterior à guerra de 1914, é, porém, o mais frisante de todos os dos países da Europa, revelando-se nela a preocupação constante de se atribuir aos senhorios uma renda compensadora. A primeira lei do inquilinato, em França, é de 9 de Março de 1918. Estabelece-se a prorrogação forçada dos contratos até 1 de Janeiro de 1923 e uma prorrogação facultativa até 1 de Janeiro de 192o. Deixa-se, porém, ao juiz o encargo, não sómente de decidir em cada caso pelo que respeita à própria prorrogação, como também o de fixar as condições do contrato f> a renda. Em 31 de Março de 1922 publica-se o primeiro grande diploma sobre a matéria. As prorrogações, embora temporárias, ficam sendo obrigatórias para o senhorio, mas atribui-se ainda ao juiz a faculdade de fixar a renda se os outorgantes não chegarem a acordo. Em qualquer destes diplomas é nítida a distinção, que nas leis portuguesas nunca foi feita, entre a prorrogação ou renovação do contrato e a fixação da respectiva renda.
Em 29 de Dezembro de 1923 publica-se nova lei. Apenas para Paris se fixou uma taxa de actualização (75
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18 Artigo 23.º: "Relativamente aos prédios ou parte de prédios inscritos nas matrizes até 31 de Dezembro de 1914 tomar-se-á o rendimento ilíquido que constava das matrizes naquela data, multiplicando no ano civil de 1928 por 10 quando se destinem ou estejam servindo a habitação e por 34 quando se destinem ou estejam servindo a estabelecimento comercial ou industrial ou a sua dependência.
§ único. Os prédios ou parle do prédios tomados de arrendamento pelo Estado e pelos corpos administrativos consideram [...] afectos ao inquilinato comercial ou industrial quando não sejam destinados exclusivamente a habitação, ficando revogado o § 5.º do artigo 10.º da lei n.º 1:662, de 4 de Setembro de 1924.
Art. 24.º Relativamente aos prédios ou parte de prédios inscritos nas matrizes desde 1 de Janeiro de 1915 até 31 de Dezembro de 1931 tomar-se-á, o rendimento ilíquido com que foram inscritos pela primeira vez, multiplicando, conforme os casos, por um dos coeficientes seguintes:
a) Quando os prédios ou parte dos prédios se destinem ou estejam servindo a habitação, multiplicar-se-ão:
1) Por 6,67 os rendimentos inscritos de 1 de Janeiro de 1915 até 31 de Dezembro de 1918;
2) Por 2,23 os rendimentos inscritos desde 1 de Janeiro até 31 de Dezembro de 1919;
3) Por 1,38 os rendimentos inscritos desde 1 de Janeiro de 1920 até 31 de Dezembro de 1921.
b) Quando os prédios ou parte dos prédios se destinem ou estejam servindo a estabelecimento comercial ou industrial ou a sua dependência, multiplicar-se-ão, respectivamente, por 9,36, 3,51 e 1,75 os rendimentos ilíquidos inscritos na matriz, conforme a data da primeira inscrição dos prédios for a fixada nos n.ºs 1), 2) e 3) da alínea anterior.
Art. 25.º Os prédios urbanos cuja primeira inscrição nas matrizes foi feita a partir de 1 de Janeiro de 1922 continuam ali inscritos com o mesmo rendimento.
Artigo 27.º Não é permitido aos proprietários do prédios urbanos elevar as respectivas rendas, quanto a cada arrendatário e seja qual for a duração dos contratos, além do rendimento ilíquido dos mesmos prédios ou parte de prédios, calculado nos termos dos artigos 23.º e 24.º deste decreto com força de lei".
19 Posteriormente à guerra de 1914 podem citar-se, por exemplo, a lei holandesa de 25 de Março de 1918, a lei suíça de 2J de Abril de 1921, a lei austríaca de 7 de Dezembro de 1922 o a lei alemã de 22 de Março de 1922.